"Alegria. Pensamento positivo. Resiliência. A generosidade. Estas são as qualidades de Nápoles que eu mais admiro." Assim se expressa o Papa Francisco em uma entrevista publicada este domingo, 18 de setembro, por "Il Mattino" pelo 130º aniversário do jornal napolitano. Muitos temas foram discutidos: da guerra às dificuldades do Sul do mundo, da política como uma alta forma de caridade ao flagelo do crime organizado e à devastação do meio ambiente, com uma referência particular à Terra dos fogos
Francesco de Core e Angelo Scelzo
Santidade, Nápoles é uma metrópole que tem vista
para o Mediterrâneo e, precisamente por esta razão, também tem vista para o seu
pontificado. De fato, é a bacia do "mare nostrum", lugar de trânsito
das migrações e, portanto, das grandes tragédias deste nosso tempo, a área
privilegiada de suas intervenções, agora focalizadas no trágico retorno da
guerra ao coração da Europa e em uma pandemia que, além de causar luto, parece
ter atingido e abalado a humanidade a partir de dentro.
Já estive em Nápoles. De alguma forma me faz
lembrar de Buenos Aires. Porque isso me faz lembrar o Sul. E eu sou de fato do
Sul. Viajei pelo Mediterrâneo, o mare nostrum, e vi com meus
próprios olhos os olhos dos migrantes. Vi o medo e a esperança, as lágrimas e
os sorrisos cheios de expectativas traídos com demasiada frequência. Nunca
posso esquecer as palavras proferidas em Lesbos em 2016 por meu amigo e irmão,
o Patriarca Ecumênico Bartolomeu: "Aquele que os teme não os olhou nos
olhos. Aquele que tem medo de vocês que não viu seus rostos. Aquele que tem
medo de vocês não vê seus filhos". Quando penso no Mediterrâneo, em
Lesbos, Chipre, Malta, Lampedusa, penso que as terras que este mar banha são
precisamente aquelas onde Deus se fez homem. Jesus nasceu aqui, este que foi
seu berço está se transformando em um cemitério sem lápides, um mare
mortuum. E por isso também penso que não devemos esquecer que o futuro de
todos só será sereno se for reconciliado com os mais fracos. Pois quando os
pobres são rejeitados, rejeita-se Deus que está neles, e rejeita-se a paz. É
por isso que sempre advirto contra aqueles que gostariam de tecem o mundo do
medo, desconfiança, de muros e de guerras; em vez de confiança, de pontes e de
paz. É fácil assustar o público ao instigar o medo do outro. É mais difícil
falar de encontro com o outro, denunciar a exploração dos pobres, as guerras
que muitas vezes são financiadas em grande parte, acordos econômicos feitos na
pele das pessoas e manobras encobertas para traficar armas e proliferar o
comércio das mesmas. Mas é isto que somos chamados a dizer como cristãos:
raciocinar com um esquema de paz e não de guerra, de amor e não de ódio; mesmo
nos momentos que nos parecem mais sombrios.
Mas como sairemos da guerra? Como será o mundo
depois da guerra?
Hoje nos medimos com a guerra na Ucrânia. E também
com tantas outras guerras.
São João Paulo II em sua mensagem para o Dia
Mundial da Paz de 2002, no rescaldo do ataque às Torres Gêmeas, escreveu
que a ordem rompida não pode ser totalmente restaurada a menos que a
justiça e o perdão sejam conjugados. Os pilares da verdadeira paz são a justiça
e o perdão, que é uma forma particular de amor. Este é o caminho. Há
um tempo para tudo. Antes do perdão vem a condenação do mal. É essencial,
porém, não cultivar a guerra, mas preparar a paz, semear a paz. Não se deve
resignar-se à ideia de que para vencer o mal é preciso usar suas próprias
armas. Como reiterei no encontro no Cazaquistão com os líderes religiosos,
somente o diálogo é o caminho necessário e sem retorno. E o diálogo é
necessário com todos.
Diante da vastidão dos problemas, perguntamo-nos se
e que papel Nápoles, seu território e, por extensão, todo o sul da Itália, pode
desempenhar em um renascimento muitas vezes previsto mas nunca realizado, ou
pelo menos nunca iniciado em sentido concreto. O tempo da antiga "Questão
Sul" também parece ter expirado, embora não se canse de anunciar, de
tempos em tempos, alguma mudança iminente de rumo.
Muitas vezes aconteceu, em nossa navegação como
humanidade, que em vez de uma mudança de rumo necessária, nos contentamos, como
escreveu Kierkegaard, com uma variação irrelevante e insignificante do cardápio
do dia, aquele que o cozinheiro serve no navio, enquanto o curso permaneceu o
mesmo. Mas somos nós que traçamos o rumo. Passo a passo. Com nossos pensamentos
e com nossas ações. Carlo Levi, em seu livro "Cristo parou em Eboli"
escreveu que não pode ser o Estado que resolve a questão sulista, pela
razão de que o que chamamos de problema sulista não é nada mais que o problema
do Estado. Eu acrescentaria a isso que o Estado, os Estados, somos nós, com
nossa capacidade (ou incapacidade) de construir juntos instituições, sistemas normativos
e comportamentos (individuais e coletivos) que têm o bem comum como seu único
fim. Aqui está a raiz de nossos problemas: na falta de costume de pensar no bem
comum. Mas se olharmos para os tempos em que vivemos, estamos diante da
possibilidade de uma mudança de rumo. Quando penso em Nápoles, em sua história,
nas dificuldades por que passou, penso também na extraordinária capacidade
criativa dos napolitanos. E penso em como pode ser usado para tirar o bem do
mal, a alegria de viver diante das dificuldades, a esperança mesmo onde parece
haver apenas descarte e exclusão. A este papel de exemplo, penso que Nápoles
pode se sentir chamada. O tempo nunca expirou, há sempre tempo para mudar de
rumo. E o tempo também é isso. E isso nos desafia a todos. Como disse na hora
mais sombria da pandemia, no extraordinário momento de oração na Praça de São
Pedro, pensando nas raízes do mal de nosso tempo: gananciosos por lucro nos
deixamos absorver pelas coisas e atordoados pela pressa. Não despertamos para
guerras e injustiças planetárias, não escutamos o grito dos pobres e de nosso
planeta gravemente doente. Pensamos que continuaríamos sempre saudáveis em um
mundo doente. Este é um tempo de provação, um tempo de escolha. O tempo para
escolher o que conta e o que passa, para separar o que é necessário do que não
é. É o momento de reiniciar o curso. Nápoles é, de certa forma, um paradigma da
questão do Sul na Itália. Mas a questão do Sul é universal. Trata-se da
desigualdade. A questão do sul é uma questão universal, diz respeito ao futuro
do mundo inteiro. É por isso que com Laudato sì pedi para se
pensar em um desenvolvimento sustentável e integral, novas formas de entender a
economia e o progresso, e enfatizei as grandes responsabilidades da política,
da economia, de cada um de nós. É por isso que pedi e continuo a pedir
repetidamente, em nome de Deus, aos grupos financeiros e aos organismos
internacionais de crédito que permitam aos países pobres garantir as
necessidades básicas de seu povo e perdoar essas dívidas tantas vezes
contraídas contra os interesses desses mesmos povos. É por isso que continuo
pedindo que as grandes empresas deixem de destruir as florestas, de poluir rios
e mares e de intoxicar os povos e os alimentos. A enchente dramática na região
das Marcas, que causou luto e ruína em todo o país, é mais uma confirmação de
que o desafio climático merece a mesma atenção que a Covid e a guerra.
Precisamos de uma mudança completa de direção e deixar de impor, a nível geral,
estruturas monopolistas que inflacionam os preços e acabam detendo o pão dos
famintos. É por isso que continuo a pedir aos fabricantes e traficantes de
armas que cessem totalmente suas atividades, que fomentam a violência e a
guerra, colocando milhões de vidas em jogo. Assim como pedi aos gigantes da
tecnologia que parassem de explorar a fragilidade humana para obter lucro, e
que não favorecessem o aliciamento de menores na web, os discursos de ódio, as
fake news, as teorias conspiratórias e a manipulação política, e ao invés disso
liberalizassem o acesso aos conteúdos educacionais. Aos governos em geral, aos
políticos de todos os partidos, tenho pedido e continuo a pedir-lhes que
trabalhem pelo bem comum, e a coragem de olhar seu povo nos olhos, para saber
que o bem de um povo é muito mais do que um consenso entre as partes; que eles
não apenas escutam as elites econômicas com tanta frequência porta-vozes de
ideologias superficiais que desviam as verdadeiras questões da humanidade. A
criatividade é necessária. Uma criatividade voltada para o bem. Para um novo
modelo econômico. Os napolitanos têm muita criatividade. O importante é
direcioná-la para o bem. O importante é o rumo.
Para
a entrevista em italiano na íntegra clique aqui!
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