No
discurso às autoridades e ao Corpo Diplomático, as palavras de Francisco são
acompanhadas pela imagem da rosa dos ventos: o norte lembra a Europa, o oeste
está ligado aos estilos de vida ocidentais, o sul junta-se à questão migratória
e o leste recorda os ventos de guerra que afligem a Europa hoje.
Manoel Tavares - Cidade do Vaticano
O primeiro compromisso do Papa Francisco em Malta
na manhã deste sábado, 2, foi o encontro com as autoridades, o Corpo
Diplomático e os representantes da sociedade e do mundo da cultura no Palácio
Presidencial de Valeta.
Ao agradecer as amáveis palavras do presidente
George Vella, o Pontífice recordou que os antepassados malteses deram
hospitalidade ao Apóstolo Paulo e seus companheiros, durante a sua viagem a
Roma, tratando-os com “extraordinária benevolência”.
Referindo-se à Ilha de Malta, coração do
Mediterrâneo, Francisco recordou que “há milênios, o entrelaçamento de
acontecimentos históricos e o encontro de populações fizeram daquelas ilhas um
centro de vitalidade e cultura, espiritualidade e beleza; uma encruzilhada que
soube acolher e harmonizar os influxos migratórios de muitas partes.
Esta diversidade de influxos nos leva a pensar na
variedade dos ventos, que caracterizam o país. Não é por acaso que, nos antigos
mapas do Mediterrâneo, a “Rosa dos Ventos” era colocada perto de Malta”.
Tomando a imagem da “Rosa dos Ventos”, que localiza
as correntes de ar segundo os quatro pontos cardeais (Norte, Sul, Leste e
Oeste), o Papa delineou quatro aspectos essenciais da vida social e política do
país.
O vento Norte, recorda a União
Europeia, onde vive uma grande família, unida na salvaguarda da paz. A paz
brota da unidade. Eis a importância de trabalhar juntos, sem divisões,
revigorando as raízes e valores, que forjaram a unidade da sociedade maltesa.
Mas, para garantir uma boa convivência social, é preciso também reforçar os
alicerces da vida comum, com base no direito, legalidade, honestidade e
justiça. Por isso, o esforço de eliminar a ilegalidade e a corrupção deve ser
forte como o vento do norte, que purifica as costas do país, erradicando a
inércia e a criminalidade. A Casa Europeia compromete-se com a promoção dos
valores da justiça e equidade social e a tutela de uma casa mais ampla: a Casa
da Criação.
O vento Norte, disse Francisco, mistura-se, às
vezes, com o vento que sopra do Oeste. Este país europeu,
sobretudo os jovens, partilham dos estilos de vida e pensamento ocidentais, dos
valores da liberdade e da democracia, mas também dos riscos da ambição do
progresso, que os podem separar das raízes.
Os malteses defendem a vida e salvam tantas
pessoas. Por isso, Francisco os encorajou a continuar a defender a vida, desde
o início até ao seu fim natural, mas também preservá-la sempre, sobretudo a
dignidade dos trabalhadores, dos idosos e dos doentes.
Continuando a comparação com a “Rosa dos Ventos”, o
Santo Padre convidou a olhar para Sul, de onde vêm tantos
irmãos e irmãs em busca de esperança. Malta, disse, significa “porto seguro”. O
crescente afluxo dos migrantes gera medo e insegurança, desânimo e frustração.
O fenômeno migratório marca a nossa época e traz consigo injustiças,
exploração, mudanças climáticas, conflitos e suas consequências. Multidões de
pessoas partem do sul, pobre e povoado, e se dirigem para o norte rico. E
Francisco acrescentou:
“O
agravamento da emergência migratória, pensemos nos refugiados da atormentada
Ucrânia, exige respostas amplas e partilhadas. Apenas alguns países não podem
arcar com todo este problema, diante da indiferença de outros! Países civis não
podem ratificar, por interesses próprios, acordos obscuros com criminosos que
escravizam as pessoas. O Mediterrâneo precisa da corresponsabilidade europeia,
para voltar a ser teatro de solidariedade e não lugar de trágicos naufrágios.”
Recordando o naufrágio do Apóstolo Paulo que, de
modo inesperado, chegou àquelas costas e foi socorrido, o Papa exortou, em nome
do Evangelho, que ele pregou naquela Ilha, a “abrir os corações para descobrir
a beleza de servir aos mais necessitados. Não devemos encarar o migrante como
ameaça, mas como irmão a ser acolhido, segundo o ideal cristão.
Por fim, o Pontífice referiu-se ao vento que sopra
do Leste, do Oriente, de onde provêm ventos de guerra,
invasões, combates e ameaças atômicas, que só causam mortes, destruição e ódio.
Que estas sombras obscuras não levem a dissipar o sonho de paz da humanidade.
E, ao expressar seu desejo de que o risco de uma “guerra fria alargada”
não ceife mais vidas de gerações e inteiros povos, afirmou:
“Quanto
precisamos duma «medida humana» face à agressividade infantil e destrutiva que
nos ameaça, frente ao risco duma «guerra fria alargada» que pode sufocar a vida
de gerações e povos inteiros! Infelizmente, aquele «infantilismo» não
desapareceu. Ressurge prepotentemente nas seduções da autocracia, nos novos
imperialismos, na difusa agressividade, na incapacidade de lançar pontes e
começar pelos mais pobres. Disto começa a soprar o vento gelado da guerra, que
esta vez também foi alimentado ao longo dos anos. Sim, desde há tempos que a
guerra tem vindo a ser preparando com grandes investimentos e tráficos de
armas. E é triste ver como o entusiasmo pela paz, surgido depois da II Guerra
Mundial, se debilitou nas últimas décadas, bem como o percurso da comunidade
internacional, com alguns poderosos que avançam por conta própria à procura de
espaços e zonas de influência. E assim não só a paz, mas também muitas questões
importantes, como a luta contra a fome e as desigualdades, foram efetivamente
canceladas das principais agendas políticas.”
O
Papa concluiu seu discurso, dirigindo, mais uma vez, seu olhar ao Leste europeu
e um pensamento ao Oriente Médio, a fim de que sigam o exemplo dos malteses,
que geram benéficas convivências, apesar das diversidades. É disto que precisam
o Líbano, a Síria, o Iêmen e outros contextos, dilacerados por problemas e
violência”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário