Francisco encontrou-se com
os representantes dos povos indígenas Métis e Inuit, e manifestou o desejo de
ouvir as histórias dos sobreviventes. Os membros do conselho dos Métis na Praça
São Pedro: "Juntos com Francisco por um percurso de verdade, justiça e
reconciliação".
Salvatore
Cernuzio/Mariangela Jaguraba
O Papa Francisco
recebeu, ao longo de duas audiências sucessivas, na manhã desta segunda-feira
(28/03), na Biblioteca Apostólica, no Vaticano, dois grupos de representantes
dos povos indígenas canadenses, cerca de 10 delegados dos Métis e cerca de 8
dos Inuit, acompanhados por alguns bispos da Conferência Episcopal do Canadá.
Segundo a nota da Sala de Imprensa da Santa Sé, "cada
encontro durou cerca de uma hora e foi marcado pelo desejo do Papa de ouvir e
dar espaço às histórias dolorosas contadas pelos sobreviventes. Os encontros e
a escuta continuarão nos próximos dias de acordo com as informações já
fornecidas".
Um
percurso de reconciliação
Foi
durante o Angelus em 6 de junho de 2020 que o Pontífice compartilhou com o
mundo a consternação com as dramáticas notícias, que chegaram algumas semanas
antes, da descoberta no Canadá de uma vala comum numa escola, a Escola
Residencial Indígena Kamloops (Kamloops Indian Residential School, com mais de
200 restos humanos de nativos canadenses. Uma descoberta chocante, símbolo de
um passado de crueldade residencial no país, quando, de 1880 às últimas décadas
do século XX, em instituições financiadas pelo governo e administradas
majoritariamente por organizações cristãs, o objetivo era educar e converter os
indígenas jovens e assimilá-los na sociedade canadense tradicional, através de
abusos sistemáticos. A descoberta em junho (que foi seguida por outras) fez com
que o episcopado canadense fizesse um imediato "mea culpa" e ativasse
uma série de projetos de apoio às comunidades indígenas, num processo de
reconciliação cujo ápice agora é representado pela disponibilidade do Papa de
receber as comunidades no Vaticano, nesta segunda-feira, 28, e 31 de março,
também em vista de uma futura viagem apostólica, anunciada, mas não confirmada,
ao país norte-americano. Em 1º de abril, Francisco receberá em audiência, na
Sala Clementina, as várias delegações e a Conferência Episcopal Canadense.
"Nunca
é tarde para fazer a coisa certa"
Primeiro,
esta manhã, Francesco recebeu os membros do Conselho Nacional Métis. Um
encontro pontuado por palavras, histórias e recordações, mas também muitos
gestos: do Papa e dos próprios indígenas que se viram percorrendo um caminho
comum. O da "verdade, justiça, cura e reconciliação".
Saindo da
Residência Apostólica ao som de dois violinos, símbolo de sua cultura e
identidade, os indígenas se encontraram com a imprensa internacional do lado de
fora da Praça São Pedro para contar os detalhes do evento encontro com o Papa
esta manhã. Cassidy Caron, jovem presidente dos Métis, foi porta-voz, através
da leitura de um comunicado, do “número incalculável de pessoas que nos deixaram
sem que sua verdade jamais tivesse sido ouvida e sua dor reconhecida. Sem nunca
receber a humanidade e a cuidado básico que mereciam”. "O reconhecimento,
as desculpas, estou muito atrasado, mas nunca é tarde demais para fazer a coisa
certa", disse ele.
Um
"trabalho difícil, mas essencial" de ouvir e compreender as vítimas e
suas famílias foi iniciado pela Nação Métis. O que foi coletado foi apresentado
a Francisco hoje: “Ele se sentou e ouviu, acenou com a cabeça quando nossos
sobreviventes contaram suas histórias. Senti dor em suas reações quando se
tratava de crianças. Os sobreviventes fizeram um trabalho incrível ao contar
suas verdades, eles foram muito corajosos…”.
“Fizemos
um trabalho difícil de preparação para nossa viagem e o encontro com o Papa.
Traduzimos nossas palavras com aquelas que ele teria entendido”, continuou
Caron. A esperança é que o Pontífice e a Igreja no mundo prossigam agora com um
trabalho de "tradução": traduzir as palavras ouvidas "em ações
reais pela verdade". "Quando convidamos o Papa Francisco para se unir
a nós, ele nos respondeu em sua língua e repetiu 'verdade, justiça, cura e
reconciliação'. Tomamos isso como um compromisso pessoal".
Várias
vezes o presidente dos Métis repetiu a palavra “orgulho”: “Estamos orgulhosos
de estar aqui, junto com os Inuit e as Primeiras Nações. Temos orgulho da nossa
história e cultura”. Ele também informou que havia apresentado um pedido de
acesso a documentos mantidos no Vaticano sobre as escolas residenciais:
“Continuamos e continuaremos apoiando tudo o que a nação Métis precisa para
entender a verdade plena. Falaremos sobre os documentos com o Papa na audiência
de sexta-feira”.
Angie
Crerar, 85 anos, também estava presente no grupo na PraçacSão Pedro. Cabelo
curto, óculos escuros, uma faixa multicolorida sobre um vestido preto, ela
chegou numa cadeira de rodas, mas se levantou ao compartilhar trechos de sua
história. A mesma que contou ao Papa. Assim os mais de dez anos passados com
suas irmãzinhas numa escola residencial nos territórios do Noroeste em 1947,
onde "perdemos tudo, tudo, tudo, menos a língua", disse ela.
"Quando partimos, levei mais de 45 anos para recuperar o que perdi."
Angie, porém, diz que não quer ser esmagada pelas lembranças do passado, mas
olha para o presente: “Agora estamos mais fortes. Eles não nos quebraram, ainda
estamos aqui. Esperamos muito tempo, mas parece que todos trabalharão conosco
agora. Para mim é uma vitória, a vitória do nosso povo por todos os anos
perdidos”.
Na
audiência de hoje com Francisco, ela revelou que chegou ao Vaticano "muito
nervosa", mas que encontrou "a pessoa mais dócil e gentil que já
conheceu". O Papa também lhe deu um abraço que, segundo ela, apagou
décadas de sofrimento: “Eu estava ao lado dele. Tiveram que me afastar (risos).
Foi maravilhoso. Eu estava muito nervosa, mas depois que ele falou comigo,
mesmo que eu não entendesse tudo o que ele dizia, seu sorriso, suas reações,
sua linguagem corporal, me fizeram sentir esse homem amigo”.
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