Quarenta anos atrás, na Praça São Pedro, a voz histórica do cronista da Rádio Vaticano Benedetto Nardacci, transmitia ao vivo a audiência geral quando a arma de Ali Agca transformou a celebração de João Paulo II com o povo em um drama. Na história da Rádio Vaticano, apesar do choque, permanece a excepcional clareza de seu relato, que repropomos nas passagens salientes em um vídeo fotográfico
Alessandro De Carolis – Vatican News
“A multidão está toda em pé…. A multidão está toda
em pé … quase não comenta a trágica cena que assistiu. Estão quase todos em
silêncio, aguardam notícias…".
Era pouco mais que 17h17 na Praça São Pedro e uma
voz atônita está tentando controlar um emaranhado de emoções para descrever a
loucura de um mundo abalado. Um homem chegou à Praça São Pedro para matar o
Papa. Tiros, dissonância brutal em um tumulto festivo, e a figura sólida de
João Paulo II cai para trás, sangrando, nos braços de seu secretário.
Um mestre no microfone
O locutor da Rádio Vaticano viu e não pode
acreditar em seus olhos. Ficou profundamente abalado como qualquer pessoa que
se encontrava na Praça São Pedro naquela dramática tarde de 13 de maio de 1981.
Sentado em frente ao seu microfone, Benedetto Nardacci - uma das melhores e
mais procuradas vozes da Rádio Vaticano, onde trabalha desde 1956 - tentava dar
sentido às absurdas imagens que ficaram marcadas em sua memória: o Pontífice
cambaleando e caindo, a correria da multidão nas proximidades do crime, a
agitação do serviço de segurança, a corrida febril, os gritos ao redor do jipe
branco que passava pelo Arco delle Campane e, pouco depois, a sonoridade de uma
sirene de ambulância que se perde em desespero em meio ao barulho do trânsito
de Roma... o estupor, quebrado por soluços, de 30 mil pessoas atônitas.
No entanto, as palavras que o cronista Nardacci
conseguiu articular nesses segundos servem de manual. Na luta entre a ansiedade
que o dominava e o dever de prestar contas do inconcebível, é este último, com
dificuldade, que ganha a dianteira. No início, são os reflexos de jornalista
que falam ("Nós [...] tentaremos obter notícias e deixaremos o canal
aberto, ou melhor, perguntamos à sala de controle se o canal deve permanecer
aberto ou não. Vou sair por um momento em busca de notícias, tentar descobrir o
que aconteceu..."). Já aqui, a sequência da narração corre o risco de
interromper: emerge a enormidade do que aconteceu e por alguns instantes parece
sobrecarregar até mesmo um mestre do microfone. ("Minha tarefa era apenas
informar sobre uma audiência geral, uma das muitas, afetuosas audiências gerais
dadas por João Paulo II...").
Aquele 13 de maio
Mas é uma questão de instantes. Mesmo com a voz
perturbada, conseguiu se dominar e a história volta a fluir com o estilo de
sempre de Nardacci um dos mais apreciadas que segue uma escola que não permite
excessos verbais, mesmo diante do improvável. A descrição que segue, embora com
alguma imprecisão devido à distância e ao choque ("...a audiência geral
suspensa devido a quatro ou cinco tiros em rápida sucessão..."), é o sinal
de uma crônica que logo volta a ser intensa, que encontra novamente confiança e
detalhes ("O Santo Padre foi evidentemente, certamente atingido. Ele
certamente foi atingido, nós o vimos deitado no carro aberto que entrou no
Vaticano..."), e que a certa altura combina o rigor do cronista com a
liberdade do comentarista ("Pois então, pela primeira vez, também se fala
de terrorismo no Vaticano. Fala-se de terrorismo em uma cidade da qual sempre
foram enviadas mensagens de amor, mensagens de harmonia, mensagens de pacificação...").
Terrorismo no Vaticano
Enquanto voltava à crônica ("...Vimos apenas o
Santo Padre primeiro cambalear, vacilar e depois cair para a morte nos braços
de seu secretário, padre Stanislaw, e nos braços de seu ajudante de câmara.
Neste ponto o carro descoberto que transportava o Santo Padre saiu a toda
velocidade, passou entre a multidão, entre o horror de todos, e entrou no
Vaticano através do Arco dele Campane...”), Nardacci ainda não sabia nada de
Mehmet Alì Agca, nem das tramas obscuras que levaram o assassino turco naquela
tarde a atirar no Papa com sua pistola. A ideia de um possível plano terrorista
se dissipa, porém imediatamente sob a pressão de ter que atualizar os ouvintes
da Rádio Vaticano sobre a atmosfera surreal que marcava a Praça São Pedro
disse: ("...Repetimos que não houve cenas de pânico, repetimos que as
pessoas - as milhares de pessoas - estão paradas, estão petrificadas em seus
lugares, talvez ainda não acreditem no que viram. Muitos enfermeiros com macas
foram para o meio do povo...").
"Eu não consegui encontrar as
palavras..."
Enquanto continuava seu relato, Nardacci ainda não
sabia nada sobre a complexa operação cirúrgica em andamento no Hospital
Gemelli, nem que o Papa "em agonia [...] parou no limiar da morte",
como o próprio Papa Wojtyla escreveria em uma mensagem aos bispos italianos em
1994. E ainda assim sua crônica, sempre sem pausas, exceto aquelas necessárias
para tomar fôlego, por um momento se cobriu de compaixão ("Ainda não
conhecemos a gravidade das feridas sofridas por João Paulo II; João Paulo II
que - repetimos - não fez outra coisa senão convidar à pacificação, convidar à
oração...").
Neste ponto, o anúncio do ataque foi difundido
pelos alto-falantes. Nardacci calou-se e convidou os ouvintes a se concentrarem
nessas palavras, que deram uma primeira versão oficial do fato e os exortou a
rezar pela salvação do Papa. Depois de um momento, Nardacci retomou a palavra,
e agora ao relato dos fatos uniu-se o relato das impressões pessoais
("...Obviamente, a emoção foi forte, afetou a todos um pouco. Eu mesmo não
acreditava que aqueles disparos fossem tiros, que fossem balas que explodiram
contra a pessoa de João Paulo II. Sentimos, evidentemente, nosso coração
acelerar e no início eu mesmo não consegui encontrar as palavras para
descrever...").
Uma sincera e humana admissão, e depois novamente o
profissional assumindo as rédeas de uma crônica radiofônica que nunca imaginou
fazer e que, apesar de tudo, levava a uma conclusão: "Para os que se
sintonizaram neste momento, repito que o Santo Padre sofreu um ataque
terrorista, foi baleado e caiu sobre o carro aberto do qual ele já tinha
apertado centenas, talvez milhares, de mãos.
O Santo Padre, como dissemos antes, sempre ficou
com confiança no meio da multidão, e ninguém poderia ter previsto este epílogo
dramático desta audiência geral de 13 de maio de 1981. Ao redor de São Pedro -
talvez vocês ouçam do microfone - ouvimos os carros das forças de ordem, a caça
ao homem se o atentador ainda não foi detido, se não foi preso: ainda não temos
condições de afirmar isso. Encontro-me em um dos janelões da Basílica de São
Pedro, por isso tenho a praça inteira sob meus olhos"...
Do Hospital Gemelli para o mundo
Enquanto
as palavras de Nardacci se sucederam e literalmente deram a volta ao mundo, a
Rádio Vaticano reagiu imediatamente. Cinco minutos após os tiros, foi enviada
uma comunicação a todas as redações com a notícia do atentado. E em cinco
minutos, a mesma transmissão radiofônica de Nardacci também foi transmitida com
comentários em vários idiomas nas outras redes de rádio, conectando os ouvintes
com a Praça São Pedro e depois com o Hospital Gemelli. No final da transmissão,
as redações em outras línguas continuaram ao vivo, cada uma em seu próprio
espaço, para atualizar sobre o estado de saúde do Papa, até sua saída da sala
de cirurgia. As informações eram dadas em primeira mão diretamente do Hospital
Gemelli pelo Diretor Geral da Rádio, Padre Roberto Tucci, que estava
literalmente acampado na antecâmara da sala de cirurgia de onde ele relatava
tudo o que era comunicado sobre as condições de João Paulo II. A delicada
operação, feita pelo Prof. Dr. Francesco Crucitti, duraria cinco horas e meia e
não raro as notícias difundidas pelo Padre Tucci contrastavam com o que
circulava nos outros meios de comunicação, que não podiam desfrutar daquele
observatório privilegiado para uma crônica que já é história em cada seu
momento.
Fonte: Vatican News
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