O Vaticano divulgou neste
sábado, 23 de janeiro, véspera da memória de São Francisco de Sales, patrono
dos jornalistas, a mensagem do Papa Francisco para o 55º Dia Mundial das
Comunicações Sociais. No texto, o Santo Padre fala de temas da atualidade, como
as vacinas contra a covid 19, convoca os comunicadores a irem e ver os fatos
para contar a verdade da vida. No texto, o Pontífice também falou do risco das
informações não verificadas e manipuladas que circulam facilmente nas redes
sociais. Frente ao fenômeno, Francisco afirma ser importante “uma tal
consciência crítica seja quando se difundem seja quando se recebem conteúdos”.
Um trecho da
mensagem diz que a “a crise editorial corre o risco de levar a uma informação
construída nas redações, diante do computador, nos terminais das agências, nas
redes sociais, sem nunca sair à rua, sem ‘gastar a sola dos sapatos’, sem
encontrar pessoas para procurar histórias ou verificar com os próprios olhos
determinadas situações”.
Em outro
trecho, o Papa agradece os jornalistas e fala sobre a importância de seu
trabalho: “Temos que agradecer à coragem e determinação de tantos profissionais
(jornalistas, operadores de câmeras, editores, cineastas que trabalham muitas
vezes sob grandes riscos), se hoje conhecemos, por exemplo, a difícil condição
das minorias perseguidas em várias partes do mundo, se muitos abusos e
injustiças contra os pobres e contra a criação foram denunciados, se muitas
guerras esquecidas foram noticiadas. Seria uma perda não só para a informação,
mas também para toda a sociedade e para a democracia, se faltassem estas vozes:
um empobrecimento para a nossa humanidade”, escreveu.
O 55º Dia
Mundial das Comunicações será celebrado em 16 de maio. Conheça a mensagem na
íntegra:
“Vem e verás” (Jo 1, 46). Comunicar
encontrando as pessoas onde estão e como são
Queridos irmãos e irmãs!
O convite a “ir
e ver”, que acompanha os primeiros e comovedores encontros de Jesus com os
discípulos, é também o método de toda a comunicação humana autêntica. Para
poder contar a verdade da vida que se faz história (cf. Mensagem para o 54º Dia
Mundial das Comunicações Sociais, 24 de janeiro de 2020), é necessário sair da
presunção cômoda do “já sabido” e mover-se, ir ver, estar com as pessoas,
ouvi-las, recolher as sugestões da realidade, que nunca deixará de nos
surpreender em algum dos seus aspetos. “Abre, maravilhado, os olhos ao que
vires e deixa as tuas mãos cumular-se do vigor da seiva, de tal modo que os
outros possam, ao ler-te, tocar com as mãos o milagre palpitante da vida”:
aconselhava o Beato Manuel Lozano Garrido[1] aos seus colegas jornalistas. Por
isso, este ano, desejo dedicar a Mensagem à chamada a “ir e ver”, como sugestão
para toda a expressão comunicativa que queira ser transparente e honesta: tanto
na redação dum jornal como no mundo da web, tanto na pregação comum da Igreja
como na comunicação política ou social. “Vem e verás” foi o modo como a fé
cristã se comunicou a partir dos primeiros encontros nas margens do rio Jordão
e do lago da Galileia.
Gastar
as solas dos sapatos
Pensemos no
grande tema da informação. Há já algum tempo que vozes atentas se queixam do
risco dum nivelamento em “jornais fotocópia” ou em noticiários de televisão,
rádio e websites que são substancialmente iguais, onde os géneros da entrevista
e da reportagem perdem espaço e qualidade em troca duma informação
pré-fabricada, “de palácio”, autorreferencial, que cada vez menos consegue
interceptar a verdade das coisas e a vida concreta das pessoas, e já não é
capaz de individuar os fenômenos sociais mais graves nem as energias positivas
que se libertam da base da sociedade.
A crise
editorial corre o risco de levar a uma informação construída nas redações,
diante do computador, nos terminais das agências, nas redes sociais, sem nunca
sair à rua, sem “gastar a sola dos sapatos”, sem encontrar pessoas para
procurar histórias ou verificar com os próprios olhos determinadas situações.
Mas, se não nos abrimos ao encontro, permanecemos espectadores externos, apesar
das inovações tecnológicas com a capacidade que têm de nos apresentar uma
realidade engrandecida onde nos parece estar imersos. Todo o instrumento só é
útil e válido, se nos impele a ir e ver coisas que de contrário não chegaríamos
a saber, se coloca em rede conhecimentos que de contrário não circulariam, se
consente encontro que de contrário não teriam lugar.
Aqueles detalhes de crônica no Evangelho
Aos primeiros
discípulos que querem conhecer Jesus, depois do seu Batismo no rio Jordão, Ele
responde: “Vinde e vereis” (Jo 1, 39), convidando-os a permanecer em relação
com Ele. Passado mais de meio século, quando João, já muito idoso, escreve o
seu Evangelho, recorda alguns detalhes “de crônica” que revelam a sua presença
no local e o impacto que teve na sua vida aquela experiência: “era cerca da
hora décima”, observa ele! Isto é, as quatro horas da tarde (cf. 1, 39). No dia
seguinte (narra ainda João), Filipe informa Natanael do encontro com o Messias.
O seu amigo, porém, mostra-se cético: “De Nazaré pode vir alguma coisa boa?”
Filipe não procura convencê-lo com raciocínios, mas diz-lhe: “vem e verás” (cf.
1, 45-46).
Natanael vai e
vê, e a partir daquele momento a sua vida muda. A fé cristã começa assim; e
comunica-se assim: com um conhecimento direto, nascido da experiência, e não
por ouvir dizer. “Já não é pelas tuas palavras que acreditamos; nós próprios
ouvimos…”: dizem as pessoas à Samaritana, depois de Jesus Se ter demorado na
sua aldeia (cf. Jo 4, 39-42). O método “vem e verás” é o mais simples para se
conhecer uma realidade; é a verificação mais honesta de qualquer anúncio,
porque, para conhecer, é preciso encontrar, permitir à pessoa que tenho à minha
frente que me fale, deixar que o seu testemunho chegue até mim.
Agradecimento
pela coragem de muitos jornalistas
O próprio
jornalismo, como exposição da realidade, requer a capacidade de ir aonde mais
ninguém vai: mover-se com desejo de ver. Uma curiosidade, uma abertura, uma
paixão. Temos que agradecer à coragem e determinação de tantos profissionais
(jornalistas, operadores de câmeras, editores, cineastas que trabalham muitas
vezes sob grandes riscos), se hoje conhecemos, por exemplo, a difícil condição
das minorias perseguidas em várias partes do mundo, se muitos abusos e
injustiças contra os pobres e contra a criação foram denunciados, se muitas
guerras esquecidas foram noticiadas. Seria uma perda não só para a informação,
mas também para toda a sociedade e para a democracia, se faltassem estas vozes:
um empobrecimento para a nossa humanidade.
Numerosas
realidades do planeta – e mais ainda neste tempo de pandemia – dirigem ao mundo
da comunicação um convite a “ir e ver”. Há o risco de narrar a pandemia ou
qualquer outra crise só com os olhos do mundo mais rico, de manter uma “dupla
contabilidade”. Por exemplo, na questão das vacinas e dos cuidados médicos em
geral, pensemos no risco de exclusão que correm as pessoas mais indigentes.
Quem nos contará a expetativa de cura nas aldeias mais pobres da Ásia, América
Latina e África? Deste modo as diferenças sociais e econômicas a nível
planetário correm o risco de marcar a ordem da distribuição das vacinas
anti-Covid, com os pobres sempre em último lugar; e o direito à saúde para
todos, afirmado em linha de princípio, acaba esvaziado da sua valência real.
Mas, também no mundo dos mais afortunados, permanece oculto em grande parte o
drama social das famílias decaídas rapidamente na pobreza: causam impressão, mas
sem merecer grande espaço nas notícias, as pessoas que, vencendo a vergonha,
fazem a fila à porta dos centros da Cáritas para receber uma ração de víveres.
Oportunidades
e insídias na web
A rede, com as
suas inumeráveis expressões nos social, pode multiplicar a capacidade de relato
e partilha: muitos mais olhos abertos sobre o mundo, um fluxo contínuo de
imagens e testemunhos. A tecnologia digital dá-nos a possibilidade duma
informação em primeira mão e rápida, por vezes muito útil; pensemos nas emergências
em que as primeiras notícias e mesmo as primeiras informações de serviço às
populações viajam precisamente na web. É um instrumento formidável, que nos
responsabiliza a todos como utentes e desfrutadores. Potencialmente, todos
podemos tornar-nos testemunhas de acontecimentos que de contrário seriam
negligenciados pelos meios de comunicação tradicionais, oferecer a nossa
contribuição civil, fazer ressaltar mais histórias, mesmo positivas. Graças à
rede, temos a possibilidade de contar o que vemos, o que acontece diante dos
nossos olhos, de partilhar testemunhos.
Entretanto
foram-se tornando evidentes, para todos, os riscos duma comunicação social não
verificável. Há tempo que nos demos conta de como as notícias e até as imagens
sejam facilmente manipuláveis, por infinitos motivos, às vezes por um banal
narcisismo. Uma tal consciência crítica impele-nos, não a demonizar o
instrumento, mas a uma maior capacidade de discernimento e a um sentido de
responsabilidade mais maduro, seja quando se difundem seja quando se recebem
conteúdos. Todos somos responsáveis pela comunicação que fazemos, pelas
informações que damos, pelo controlo que podemos conjuntamente exercer sobre as
notícias falsas, desmascarando-as. Todos estamos chamados a ser testemunhas da
verdade: a ir, ver e partilhar.
Nada
substitui o ver pessoalmente
Na comunicação,
nada pode jamais substituir, de todo, o ver pessoalmente. Algumas coisas só se
podem aprender, experimentando-as. Na verdade, não se comunica só com as
palavras, mas também com os olhos, o tom da voz, os gestos. O intenso fascínio
de Jesus sobre quem O encontrava dependia da verdade da sua pregação, mas a
eficácia daquilo que dizia era inseparável do seu olhar, das suas atitudes e
até dos seus silêncios. Os discípulos não só ouviam as suas palavras, mas
viam-No falar. Com efeito, n’Ele – Logos encarnado – a Palavra ganhou rosto, o
Deus invisível deixou-Se ver, ouvir e tocar, como escreve o próprio João (cf. 1
Jo 1, 1-3). A palavra só é eficaz, se se “vê”, se te envolve numa experiência,
num diálogo. Por esta razão, o “vem e verás” era e continua a ser essencial.
Pensemos na
quantidade de eloquência vazia que abunda no nosso tempo, em todas as esferas
da vida pública, tanto no comércio como na política. “Fala muito, diz uma
infinidade de nadas. As suas razões são dois grãos de trigo perdidos em dois
feixes de palha. Têm-se de procurar o dia todo para os achar, e, quando se
encontram, não valem a procura”.[2] Estas palavras ríspidas do dramaturgo
inglês aplicam-se também a nós, comunicadores cristãos. A boa nova do Evangelho
difundiu-se pelo mundo, graças a encontros pessoa a pessoa, coração a coração:
homens e mulheres que aceitaram o mesmo convite – “vem e verás” –, conquistados
por um “extra” de humanidade que transparecia brilhou no olhar, na palavra e
nos gestos de pessoas que testemunhavam Jesus Cristo.
Todos os
instrumentos são importantes, e aquele grande comunicador que se chamava Paulo
de Tarso ter-se-ia certamente servido do e-mail e das mensagens eletrônicas;
mas foram a sua fé, esperança e caridade que impressionaram os contemporâneos
que o ouviram pregar e tiveram a sorte de passar algum tempo com ele, de o ver
durante uma assembleia ou numa conversa pessoal. Ao vê-lo agir nos lugares onde
se encontrava, verificavam como era verdadeiro e frutuoso para a vida aquele
anúncio da salvação de que ele era portador por graça de Deus. E mesmo onde não
se podia encontrar pessoalmente este colaborador de Deus, o seu modo de viver
em Cristo era testemunhado pelos discípulos que enviava (cf. 1 Cor 4, 17).
“Nas nossas
mãos, temos os livros; nos nossos olhos, os acontecimentos”: afirmava Santo
Agostinho,[3] exortando-nos a verificar na realidade o cumprimento das
profecias que se encontram na Sagrada Escritura. Assim, o Evangelho volta a
acontecer hoje, sempre que recebemos o testemunho transparente de pessoas cuja
vida foi mudada pelo encontro com Jesus. Há mais de dois mil anos que uma
corrente de encontros comunica o fascínio da aventura cristã. Por isso, o
desafio que nos espera é o de comunicar, encontrando as pessoas onde estão e
como são.
Senhor,
ensinai-nos a sair de nós mesmos,
e partir à procura da verdade.
Ensinai-nos a ir e ver,
ensinai-nos a ouvir,
a não cultivar preconceitos,
a não tirar conclusões precipitadas.
Ensinai-nos a ir aonde não vai ninguém,
a reservar tempo para compreender,
a prestar atenção ao essencial,
a não nos distrairmos com o supérfluo,
a distinguir entre a aparência
enganadora e a verdade.
Concedei-nos a graça de reconhecer as
vossas moradas no mundo
e a honestidade de contar o que vimos.
Roma, em São
João de Latrão, na véspera da memória de São Francisco de Sales, 23 de janeiro
de 2021.
FRANCISCUS
_______________________
[1] Jornalista
espanhol, nascido em 1920, falecido em 1971 e beatificado em 2010.
[2] W.
Shakespeare, O mercador de Veneza, Ato I, Cena I.
[3] Sermão
360/B, 20.
Fonte: CNBB
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