"Adorar
o Senhor não é fácil, não é um dado imediato: requer uma certa maturidade
espiritual, sendo o ponto de chegada dum caminho interior, por vezes longo. Não
é espontânea em nós a atitude de adorar a Deus. É verdade que o ser humano
precisa de adorar, mas corre o risco de errar o alvo; com efeito, se não adorar
a Deus, adorará ídolos e, em vez de ser crente, tornar-se-á idólatra."
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Na Festa da Epifania, o Papa Francisco presidiu a
celebração da Santa Missa na Basílica de São Pedro. Eis sua homilia na íntegra:
"O evangelista Mateus assinala que os Magos,
quando chegaram a Belém, «viram o Menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se,
adoraram-No» (Mt 2, 11). Adorar o Senhor não é fácil, não é um dado
imediato: requer uma certa maturidade espiritual, sendo o ponto de chegada dum
caminho interior, por vezes longo. Não é espontânea em nós a atitude de adorar
a Deus. É verdade que o ser humano precisa de adorar, mas corre o risco de
errar o alvo; com efeito, se não adorar a Deus, adorará ídolos - não existe
meio termo, ou Deus ou os ídolos, ou para usar uma palavra de um escritor
francês: “Quem não adora a Deus, adora o diabo” - e, em vez de ser crente,
tornar-se-á idólatra. É assim, aut aut.
Neste nosso tempo, há particular necessidade de
dedicarmos, tanto individualmente como em comunidade, mais tempo à adoração,
aprendendo cada vez melhor a contemplar o Senhor. Perdeu-se um pouco o sentido
da oração de adoração, devemos retomá-lo, quer comunitariamente como na própria
vida espiritual. Por isso, hoje, queremos aprender com os Magos algumas lições
úteis: como eles, queremos prostrar-nos e adorar o Senhor. Adorá-lo seriamente,
não como disse Herodes: "Diga-me onde é o lugar e irei adorá-lo". Não,
essa adoração não está certo. Com seriedade!
Das leituras desta Eucaristia, recolhemos três
expressões que podem ajudar-nos a entender melhor o que significa ser adorador
do Senhor; ei-las: «levantar os olhos», «pôr-se a caminho» e «ver». Essas
três expressões nos ajudarão a entender o que significa ser um adorador do
Senhor.
A primeira expressão – levantar os olhos –,
encontramo-la em Isaías. À comunidade de Jerusalém, pouco antes regressada do
exílio e agora caída em desânimo por causa de dificuldades sem fim, o profeta
dirige-lhe este forte convite: «Levanta os olhos e vê» (Is 60, 4).
Convida-a a deixar de lado cansaço e lamentos, sair das estreitezas duma visão
limitada, libertar-se da ditadura do próprio eu, sempre propenso a fechar-se em
si mesmo e nas preocupações particulares. Para adorar o Senhor, é preciso antes
de mais nada «levantar os olhos», ou seja, não se deixar enredar pelos
fantasmas interiores que apagam a esperança, nem fazer dos problemas e
dificuldades o centro da própria existência. Isto não significa negar a
realidade, fingindo-se ou iludindo-se que tudo corre bem. Não. Mas olhar de
modo novo os problemas e as angústias, sabendo que o Senhor conhece as nossas
situações difíceis, escuta atentamente as nossas súplicas e não fica indiferente
às lágrimas que derramamos.
Este olhar que, apesar das vicissitudes da vida,
permanece confiante no Senhor, gera a gratidão filial. E, quando isto acontece,
o coração abre-se à adoração. Pelo contrário, quando fixamos a atenção
exclusivamente nos problemas, recusando-nos a levantar os olhos para Deus, o
medo invade o coração e desorienta-o, gerando irritação, perplexidade,
angústia, depressão. Nestas condições, é difícil adorar ao Senhor. Se isto
acontecer, é preciso ter a coragem de romper o círculo das nossas conclusões
precipitadas, sabendo que a realidade é maior do que os nossos
pensamentos. Levanta os olhos e vê: o Senhor convida-nos, em
primeiro lugar, a ter confiança n’Ele, porque cuida realmente de todos. Ora, se
Deus veste tão bem a erva no campo, que hoje existe e amanhã é lançada ao fogo,
quanto mais não fará Ele por nós? (cf. Lc 12, 28). Se
levantarmos o olhar para o Senhor e considerarmos a realidade à sua luz,
descobrimos que Ele nunca nos abandona: o Verbo fez-Se carne (cf. Jo 1,
14) e permanece connosco sempre todos os dias (cf. Mt 28, 20).
Sempre.
Quando levantamos os olhos para Deus, os problemas
da vida não desaparecem, não, mas sentimos que o Senhor nos dá a força
necessária para enfrentá-los. Assim, «levantar os olhos» é o primeiro passo que
predispõe para a adoração. Trata-se da adoração do discípulo que descobriu, em
Deus, uma alegria nova, uma alegria diferente. A alegria do mundo está fundada
na posse dos bens, no sucesso ou noutras coisas semelhantes, sempre com o
"eu" no centro. Pelo contário, a alegria do discípulo de Cristo tem o
seu fundamento na fidelidade de Deus, cujas promessas nunca falham, apesar das
situações de crise em que possamos chegar a encontrar-nos. Então a gratidão
filial e a alegria suscitam o desejo de adorar o Senhor, que é fiel e nunca nos
deixa sozinhos.
A segunda expressão, que nos pode ajudar, é pôr-se
a caminho. Levantar os olhos [a primeira]; a segunda,
colocar-se a caminho. Antes de poder adorar o Menino nascido em
Belém, os Magos tiveram que enfrentar uma longa viagem. Lê-se em Mateus:
«Chegaram a Jerusalém uns Magos vindos do Oriente. E perguntaram: “Onde está o
Rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos
adorá-Lo”» (Mt 2, 1-2). A viagem implica sempre uma transformação,
uma mudança. A pessoa, depois duma viagem, já não fica como antes; há sempre
algo de novo em quem viajou: os seus conhecimentos alargaram-se, viu pessoas e
coisas novas, sentiu fortalecer-se a vontade ao enfrentar as dificuldades e os
riscos do trajeto. Não se chega a adorar o Senhor sem antes passar pelo
amadurecimento interior que nos dá o pôr-se a caminho.
É através dum caminho gradual que nos tornamos
adoradores do Senhor. Por exemplo, a experiência ensina que a pessoa, aos
cinquenta anos, vive a adoração com um espírito diferente de quando tinha
trinta. Quem se deixa moldar pela graça, costuma melhorar com o passar do
tempo: enquanto o homem exterior envelhece, diz São Paulo, o homem interior
renova-se dia após dia (cf. 2 Cor 4, 16), predispondo-se cada
vez melhor a adorar o Senhor. Deste ponto de vista, os falimentos, as crises,
os erros podem tornar-se experiências instrutivas: não é raro servirem para nos
tornar conscientes de que só o Senhor é digno de ser adorado, porque só Ele
satisfaz o desejo de vida e eternidade presente no íntimo de cada pessoa. Além
disso, com o passar do tempo, as provas e adversidades da existência – vividas
na fé – contribuem para purificar o coração, torná-lo mais humilde e,
consequentemente, mais disponível para se abrir a Deus.
Também os pecados, também a consciência de ser
pecadores, de encontrar coisas tão ruins. "Mas eu fiz isso ... eu fiz
...": se pegares isso com fé e arrependimento, com contrição, vai te
ajudar a crescer. Tudo, tudo ajuda, diz Paulo, ao crescimento espiritual, ao
encontro com Jesus, mesmo os pecados, mesmo os pecados. E São Tomás acrescenta:
"etiam mortalia", também os pecados feios, os piores. Mas se o
pegares com arrependimento, vai ajudá-lo nessa jornada para um encontro com o
Senhor e a adorá-lo melhor.
Como os Magos, também nós devemos deixar-nos
instruir pelo caminho da vida, marcado pelas dificuldades inevitáveis da
viagem. Não deixemos que o cansaço, as quedas e os fracassos nos precipitem no
desânimo; antes, pelo contrário, reconhecendo-os com humildade, devemos fazer
deles ocasião de progredir para o Senhor Jesus. A vida não é uma demonstração
de habilidades, mas uma viagem rumo Àquele que nos ama. Não precisamos
mostrar a carta das virtudes que temos em cada etapa de nossa vida; com humildade
devemos ir em direção ao Senhor. Olhando para o Senhor, encontraremos a força
para continuar com renovada alegria.
E chegamos à terceira expressão: ver.
Levantar os olhos, colocar-se a caminho, ver. Como se lê no Evangelho,
«entrando em casa, [os Magos] viram o Menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se,
adoraram-No» (Mt 2, 11). A adoração era o ato de homenagem
reservado aos soberanos, aos grandes dignitários. Com efeito, os Magos adoraram
Aquele que sabiam ser o Rei dos judeus (cf. Mt 2, 2). Mas, na
realidade, que viram eles? Viram um menino pobre com a sua mãe. E contudo estes
sábios, vindos de países distantes, souberam transcender aquela cena tão
humilde e quase deprimente, reconhecendo naquele Menino a presença dum
soberano. Por outras palavras, foram capazes de «ver» para além das aparências.
Prostrando-se diante do Menino nascido em Belém, exprimiram uma adoração era
primariamente interior: a abertura dos escrinhos trazidos de prenda foi sinal
da oferta dos seus corações.
Para adorar o Senhor, é preciso «ver» além do véu
do visível, pois este muitas vezes mostra-se enganador. Herodes e os notáveis
de Jerusalém representam a mundanidade, perenemente escrava da aparência. Veem
e não sabem ver - não estou dizendo que não creem, seria muito - não sabem ver
porque sua capacidade é escrava da aparência e à procura de atrativos: dá valor
apenas às coisas sensacionais, aquilo que chama a atenção do vulgo. Entretanto,
nos Magos, vemos um comportamento diferente, que poderíamos definir realismo
teologal - uma palavra muito "alta", mas podemos dizer
assim, um realismo teologal - este percebe com objetividade a
realidade das coisas, chegando enfim a compreender que Deus evita toda a
ostentação. O Senhor está na humildade, o Senhor é como aquele menino humilde,
foge da ostentação, que é precisamente o produto do mundanismo.
Esta forma de «ver» que transcende o visível,
faz-nos adorar o Senhor muitas vezes escondido em situações simples, em pessoas
humildes e marginais. Trata-se, pois, dum olhar que, não se deixando encandear
pelos fogos de artifício do exibicionismo, procura em cada ocasião aquilo que
não passa, procura o Senhor. Por isso, como escreve o apóstolo Paulo, «não
olhamos para as coisas visíveis, mas para as invisíveis, porque as visíveis são
passageiras, ao passo que as invisíveis são eternas» (2 Cor 4, 18).
Que
o Senhor Jesus nos torne seus verdadeiros adoradores, capazes de manifestar com
a vida o seu desígnio de amor, que abraça a humanidade
inteira." Peçamos a graça para cada um de nós e para toda a Igreja,
de aprender a adorar, de continuar a adorar, de exercer muito esta oração de
adoração, porque somente Deus deve ser adorado.
Fonte:
Vatican News
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