quinta-feira, 14 de maio de 2020

JOÃO PAULO II, UM SANTO E A SUA FAMÍLIA





A fé inabalável no Senhor, a devoção à Maria, o sentido do sacrifício, o empenho pelo próximo mesmo arriscando a própria vida. Karol Wojtyła encontrou na sua família tudo aquilo que depois desenvolveu na sua vida e de modo extraordinário no seu Pontificado.
Alessandro Gisotti
No seu “serviço ao Povo de Deus, São João Paulo II foi o Papa da família”. As palavras de Papa Francisco durante a canonização de Karol Wojtyła e Angelo Roncalli, em 27 de abril, há 6 anos atrás, hoje encontram um significado especial enquanto nos aproximamos do centenário de nascimento do Santo Papa polonês. Celebrar o início da sua vida terrena, de fato, nos leva naturalmente a querer “encontrar” a sua família, a tentar descobrir qual tenha sido o “segredo” dos seus pais, para os quais, na semana passada, é iniciada a fase diocesana da Causa de Beatificação na Polônia.
Mesmo só lendo os dados biográficos essenciais da mãe Emilia e do pai Karol, do qual pegou o nome, se compreende quanto o testemunho deles tenha influenciado profundamente na personalidade do futuro do Pontífice. Se pode até afirmar, sem dúvida, que alguns pilares do ministério sacerdotal e depois pastoral do arcebispo de Cracóvia antes e, sucessivamente, do bispo de Roma, tenham sido lançados já nos primeiros anos da sua existência em Wadowice, pequeno centro ao extremo sul da Polônia, onde nasceu em 18 de maio de 1920.
“Sobre o teu túmulo branco florescem as flores brancas da vida. Oh, quantos anos já se foram sem você, quantos anos?”. Essas palavras comoventes dedicadas à mãe, em uma poesia escrita em Cracóvia, na primavera de 1939, salientam o drama que, para o jovem Karol Wojtyła, representou a morte da mãe que aconteceu quando o futuro Santo tinha apenas 9 anos. Emilia, de saúde muito fraca, tinha completado a gravidez entre milhares de dificuldades, apesar dos médicos a terem desaconselhado de prossegui-la. O seu físico ficou fortemente comprometido, tanto que os 9 anos sucessivos ao parto foram intercalados com internações em hospital e um constante enfraquecimento das forças até a morte.
A apaixonada defesa da vida humana, mesmo em condições de fragilidade – uma das características registradas do ministério petrino de Wojtyła – encontrava, assim, uma seiva inesgotável no amor materno. É natural pensar que a figura particularmente especial para ele de Gianna Berretta Molla, que beatificou em 1995 e depois canonizou em 2004, o fazia recordar do exemplo da mãe que, para defender a vida do seu filho, sacrificou a própria.
Significativamente, os cidadãos de Wadowice dedicaram a Emilia Kaczorowska Wojtyła uma obra em favor das mulheres que, apesar das dificuldades, protegeram o fruto da sua maternidade: a Casa da Mãe Sozinha. “Sou grato”, afirmou João Paulo II na visita à sua terra natal em junho de 1999, “por esse grande dom do amor de vocês pelo homem e da solicitude de vocês pela vida”. “A minha gratidão”, prosseguiu, “é tanto maior porque esta Casa é dedicada à minha mãe Emilia. Acredito que aquela que me colocou no mundo e envolveu de amor a minha infância, cuidará também desta obra”.
Três anos depois da morte precoce da mãe, um outro luto comove a família Wojtyła: a trágica morte, com apenas 26 anos, de Edmund, o amado irmão maior que Karol olhava com admiração. Uma figura excepcional lembrada neste período marcado pelo heroísmo de tantos médicos e enfermeiros que comprometeram a própria vida para cuidar dos doentes de coronavírus. Médico promissor, em serviço em Cracóvia, Edmund, de fato, perdeu a vida em 1932 por ter cuidado de uma jovem doente de escarlatina, doença pela qual não existia vacina na época. O jovem médico sabia o que podia encontrar, mas, como o Bom Samaritano, não fez cálculos para si, mas cuidou somente de socorrer o próximo que precisava.
A sua morte para o futuro Papa, como contou muitos anos mais tarde, foi um choque pelas circunstâncias dramáticas nas quais aconteceu e, também, porque tinha alcançado uma idade mais madura comparando quando tinha perdido a mãe. Para sempre permaneceu gravado na memória de Karol Wojtyła o exemplo daquele “mártir do dever” que foi seu irmão. Foi Edmund a encorajá-lo nos estudos, a ensiná-lo a jogar bola e, sobretudo, a protegê-lo, junto ao pai, depois da morte da mãe.
Com apenas 12 anos, Karol então se encontra só com seu pai, um militar de carreira do exército polonês. Um homem bom e rigoroso, com uma fé inabalável apesar de tantas tragédias pessoais vividas que “acompanhou” o seu único filho, que ficou, até a idade adulta, à consolidação da personalidade, ensinando-o, antes de tudo, com a conduta da vida alguns princípios como a honestidade, o patriotismo, o amor à Virgem Maria que se tornaram quase um segundo DNA de Karol Wojtyła.
Comove o retrato que, já como bispo de Roma, definirá de seu pai em uma conversa com o amigo jornalista André Frossard. “Meu pai”, conta João Paulo II, “foi admirável e quase todas as minhas recordações de infância e de adolescência se referem a ele”. O Papa salienta, então, que os muitos sofrimentos vividos, ao invés de fechá-los em si mesmo, tinham aberto nele “imensas profundezas espirituais”. “A sua dor”, é a recordação do futuro Santo, “se transformava em oração. O simples fato de vê-lo se ajoelhar teve uma influência decisiva nos meus jovens anos”.
Uma influência também sobre a vocação sacerdotal. No livro autobiográfico Dom e Mistério, publicado significativamente nos 50 anos do seu sacerdócio, lembra que, com o seu pai, “não se falava de vocação ao sacerdócio, mas o seu exemplo foi para mim, de qualquer modo, o primeiro seminário, um tipo de seminário doméstico”. E, no livro-entrevista Cruzar o limiar da esperança, recorda que o seu pai lhe presentou um livro em que tinha a oração ao Espírito Santo. “Me disse para rezá-la diariamente”, conta a Vittorio Messori, “assim, daquele dia, procuro fazer. Então, compreendi pela primeira vez o que significam as palavras de Cristo à samaritana sobre os verdadeiros adoradores de Deus, isto é, sobre aqueles que O adoram em espírito e verdade”.
Os anos da maturidade são decisivos pela sua confiança total ao Senhor e à Mãe. Karol e o seu pai vivem, então, em Cracóvia, onde o jovem estuda na universidade, quando irrompe a ocupação nazista. Os sofrimentos da sua família se entrelaçam e se fundem com aqueles da pátria polonesa tornando-se num só. Aos 21 anos, o futuro Pontífice perde também o pai, morto em uma noite fria de inverno, em 18 de fevereiro de 1941, talvez o dia mais doloroso na sua vida.
Karol Wojtyła fica sozinho no mundo. Ainda assim, justamente graças ao amor, ao exemplo, ao ensino daqueles “santos da porta ao lado”, como diria Francisco, que foram os seus pais e o seu irmão, sabe que tem uma Esperança que nenhuma doença e nem mesmo a morte podem vencer. Ao longo do caminho da sua existência, no seu peregrinar pelo mundo anunciando o Evangelho, Karol Wojtyła sempre teve consigo a sua família. Como a sua mãe, defendeu a vida com coragem. Como o seu irmão, se doou ao próximo até o final. Como o seu pai, não teve medo, porque abriu, ou melhor, abriu bem as portas a Cristo.
Fonte: Vatican News

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