Uma
ligação especial liga os Papas dos últimos cem anos com a imagem de São José. O
“estilo” do esposo de Maria e guardião silencioso de Jesus inspirou de vários
modos o ministério petrino dependendo da época e da experiência pessoal.
Cidade do Vaticano
A
silhueta de São José estendida no sono, ao lado da mesa onde estuda e assegura
as necessidades da Igreja universal, está ali para recordar que também em um
sonho pode se esconder a voz de Deus. Papa Francisco tem ao seu lado, desde
sempre, nos quartos onde morou e estudou a pequena estátua de São José
dormindo.
O
“solucionador”
Até hoje a estátua de São José está sobre a sua escrivaninha na
Casa Santa Marta. Esta imagem, e a devoção de Francisco por aquilo que
representa, teve uma imprevista popularidade mundial quando alguns anos atrás o
próprio Papa falou durante o Encontro Mundial das Famílias em Manila.
Uma confidência que revelou uma confiança total na força
mediadora do pai putativo de Jesus e uma admiração pelo papel e pelo estilo que
José sempre encarnou:
“Amo
muito São José, porque é um homem forte e silencioso. Na minha escrivaninha,
tenho uma imagem de São José que dorme e, quando tenho um problema, uma
dificuldade, escrevo um bilhetinho e meto-o debaixo de São José, para que o
sonhe. Este gesto significa: reza por este problema! (Encontro com as
famílias em Manila – 16 de janeiro de 2015).
Um nome para
muitos Papas
Depois de Pedro, muitos Joãos, Bentos, Paulos, Gregórios, mas
nenhum José. Nunca teve um Papa com este nome. Porém, muitos deles,
especialmente no último século, o tiveram como nome de Batismo, como se os
homens chamados para custodiar Jesus fosse um viático para os homens chamados
para custodiar a Igreja. No início do século XX José Melchiorre Sarto torna-se
Pio X e mais tarde sobem ao trono de Pedro Angelo José Rocalli, Karol Józef
Wojtyla e Joseph Ratzinger. Francisco não se chama José, mas celebra,
agradecido, a sua Missa de início de ministério dia 19 de março. Invocações que
recordam o discreto modelo que inspira.
Muitos
Papas por um nome
As etapas que levaram a Igreja a estabelecer o culto de São José
foram muito longas, desde Sisto V que no final do século XV fixou a data da
festa para 19 de março até a última decisão de Papa Francisco que, confirmando
a vontade Bento XVI, no dia 1º de maio de 2013 decreta o acréscimo do nome de
São José, Esposo da Bem-Aventurada Virgem Maria, nas Orações eucarísticas II,
III e IV (precedentemente João XXIII tinha estabelecido em 13 de novembro de
1962 a introdução no antigo Cânone romano da Missa, ao lado do nome de Maria e
antes dos Apóstolos). Foi também João XXIII, que querendo confiar ao “pai” terreno
de Jesus o Concílio Vaticano II, escreveu em 1961 a Carta Apostólica Le
Voci, na qual faz um tipo de sumário da devoção a São José sustentada pelos
seus predecessores. Não são opacas operações de “burocracia” litúrgica. Por
trás de cada novo decreto colhe-se um sentimento e uma consciência eclesial
cada vez mais enraizada como por exemplo, como aconteceu a Pio XII, podem
chegar a marcar também na vida civil.
Um Santo
que trabalha
No dia primeiro de maio de 1955, era um domingo e a Praça São
Pedro estava repleta de fiéis. Pio XII faz um discurso enérgico aos presentes
exortando todos a se orgulharem da sua identidade cristã frente às ideologias
socialistas que pareciam dominar . No final surpreende a multidão com um
“presente” que entusiasma todos:
“Para
que todos entendam este significado (…) queremos anunciar a Nossa determinação
de instituir – como de fato instituímos – a festa litúrgica de São José
operário, marcando-a no dia 1º de maio. Trabalhadores e trabalhadoras,
agrada-vos o nosso dom? Temos certeza que sim, porque o humilde artesão de
Nazaré não só personifica junto a Deus e a Santa Igreja a dignidade do
trabalhador, mas é também sempre providente guardião vosso e de vossas famílias”
(Festa de S. José Operário – 1º de maio de 1955).
“Papa José”
não é possível
Quatro anos mais tarde a Igreja estava sendo guiada por um homem
que queria se chamar “Papa José”. Renunciou, disse, porque “não é usado entre
os Papas”, mas a explicação revela a nostalgia e a forte devoção que João XXIII
tinha por São José:
“Faça
com que também os teus protegidos compreendam que não estão sós no seu
trabalho, mas saibam descobrir Jesus ao seu lado, acolhê-lo com a graça,
custodiá-lo com a fé como tu o fazes. E faça com que em cada família, em cada
fábrica, oficina, onde quer que trabalhe um cristão, tudo seja santificado na
caridade, na paciência, na justiça, na busca do fazer bem, para que desçam
abundantes dons da celeste predileção” (19 de março de 1959)
O homem
dos riscos
Paulo VI também não se chama José, mas de 1963 a 1969 em
particular, não deixa de celebrar uma Missa na solenidade de 19 de março. Cada
homilia torna-se uma peça que forma um retrato pessoal com o qual Paulo VI
mostra-se fascinado pela “completa e submissa dedicação” de José à sua missão,
do homem “talvez tímido” mas dotado “de uma grandeza sobre-humana que encanta”.
“São
José, um homem ‘comprometido’ como se diz agora, por Maria, a eleita entre
todas as mulheres da terra e da história, sempre sua virgem esposa, também
fisicamente sua mulher, e por Jesus, em virtude da descendência legal, não
natural, sua prole. A ele, os pesos, as responsabilidades, os riscos, as
preocupações da pequena e singular sagrada família. A ele o serviço, a ele o
trabalho, a ele o sacrifício, na penumbra do quadro evangélico, no qual nos
agrada contemplá-lo, e certamente, sem dúvida, agora que tudo conhecemos,
chamá-lo feliz, bem-aventurado. Isso é Evangelho. Nele os valores da existência
humana assumem medidas diferentes daquela que somos acostumados a apreciar:
aqui o que é pequeno torna-se grande” (Homilia de 19 de março de 1969).
O esposo
sublime
Em 26 anos de pontificado João Paulo II falou de São José em
infinitas ocasiões e, sempre disse que rezava intensamente pelo santo todos os
dias. Essa devoção se resume no documento que lhe dedica em 15 de agosto de
1989, com a publicação da Exortação Apostólica Redemptoris Custos, escrita
100 anos depois da Quamquam
Pluries de Leão XIII. No documento Papa Wojtyla aprofunda a vida de
José em vários aspectos principalmente o do matrimônio cristão no qual oferece
uma profunda leitura da relações entre os dois esposos de Nazaré.
“A
dificuldade de se aproximar ao mistério sublime da sua comunhão esponsal levou
todos, desde o século II, a atribuir a José uma idade avançada e a considerá-lo
guardião, mais do que esposo de Maria. É o caso de supor, ao invés, que na
época ele não fosse um homem idoso, mas que a sua perfeição interior, fruto da
graça, o levasse a viver com afeto virginal a relação esponsal com Maria”
(Audiência Geral de 1996).
O pai
silencioso
De São José não se conhecem as palavras, apenas os silêncios.
Bento XVI aprofunda-se na aparente ausência de São José e extrai dela a riqueza
de uma vida completa, de um homem fundamental que com seu exemplo sem
proclamações marcou o crescimento de Jesus o homem-Deus:
“Um
silêncio graças ao qual José, em união com Maria, custodia a Palavra de Deus
(…) um silêncio marcado pela oração constante, oração de bênção do Senhor, de
adoração da sua santa vontade e de confiança sem reservas à sua providência.
Não se exagera quando se pensa que do próprio “pai” José, Jesus tenha tomado –
no plano humano – a robusta interioridade que é pressuposto da autêntica
justiça, a “justiça superior”, que ele um dia ensinará aos seus discípulos”.
(Angelus de 2005)
O
Santo da ternura
Da pequena “paróquia” de Santa Marta, Papa Francisco refletiu
muito sobre o Santo ao qual confia todas suas preocupações. “O homem que
custodia, o homem que faz crescer, o homem que leva adiante toda paternidade,
todo mistério, mas não pega nada para si”, disse um uma das Missas matutinas.
Por fim, em 20 de março de 2017 sublinha que José é o homem que age também
quando dorme porque sonha o que Deus quer.
“Hoje
gostaria de pedir que nos conceda a todos a capacidade de sonhar, porque quando
sonhamos coisas grandes, bonitas, aproximamo-nos do sonho de Deus, daquilo que
Deus sonha sobre nós. Que conceda aos jovens — porque ele era jovem — a
capacidade de sonhar, de arriscar e de cumprir as tarefas difíceis que viram
nos sonhos. E conceda a nós a fidelidade que em geral cresce numa atitude
correta, cresce no silêncio e na ternura que é capaz de guardar as próprias
debilidades e as dos outros”.
Fonte: Vatican News
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