Papa Francisco na Missa de
consagração do altar da Catedral Basílica de Santa Maria la Antigua, no Panamá.
Captura Youtube.
PANAMÁ, 26 Jan. 19 / 12:20 pm (ACI).- O Papa Francisco
presida a Missa de
consagração do altar da Catedral Basílica de Santa Maria la Antigua, no Panamá.
Participam da Missa sacerdotes,
consagrados e movimentos laicais do Panamá. A seguir, o texto completo da
homilia do Santo Padre.
Em primeiro lugar, gostaria de
felicitar ao Senhor Arcebispo que, pela primeira vez, depois de quase sete
anos, pode se encontrar com sua esposa, que é esta igreja, viúva provisória
durante todo este tempo. E felicitar a viúva que não é mais viúva hoje com o
encontro com seu esposo.
Também gostaria de agradecer a todos
os que tornaram isso possível, as autoridades e todo o povo de Deus, tudo o que
fizeram para que o Senhor Arcebispo pudesse se encontrar com seu povo, não em
casa emprestada, mas na dele. Muito obrigado, senhor presidente.
No programa estava previsto que esta
cerimônia, por falta de tempo, tivesse dois significados: a consagração do
altar e o encontro com sacerdotes, religiosas, religiosos, leigos consagrados.
Assim, o que vou dizer estará nessa linha, pensando nos sacerdotes, nas
religiosas, nos religiosos, nos leigos consagrados, são todos os que trabalham
nesta Igreja particular.
«Jesus, cansado da caminhada,
sentou-Se, sem mais, na borda do poço. Era por volta do meio-dia. Entretanto,
chegou certa mulher samaritana para tirar água. Disse-lhe Jesus: “Dá-Me de beber”
» (Jo 4, 6-7).
O Evangelho que ouvimos não hesita em
apresentar-nos Jesus cansado de caminhar. Ao meio-dia, quando o sol se faz
sentir em toda a sua força e potência, encontramo-Lo junto do poço. Precisava
de aplacar e saciar a sede, refrescar seus passos, recuperar as forças para
continuar a missão.
Os discípulos experimentaram em si
próprios o que significava a dedicação e disponibilidade do Senhor para levar a
Boa-Nova aos pobres, curar os corações feridos, proclamar a libertação aos
cativos e dar a liberdade aos prisioneiros, consolar quem estava de luto e
proclamar um ano de graça para todos (cf. Is 61, 1-3). Todas elas são situações
que nos tolhem a vida e
a energia; e os discípulos abundaram ao presentear-nos com tantos momentos
importantes na vida do Mestre, onde também a nossa humanidade pode encontrar
uma palavra de Vida.
Cansado da caminhada
Para a nossa imaginação, sempre em
movimento, é relativamente fácil contemplar e entrar em comunhão com a
atividade do Senhor, mas nem sempre sabemos ou podemos contemplar e acompanhar
as «fadigas do Senhor», como se estas não se apropriassem a Deus. Mas o Senhor
cansou-Se e, nesta fadiga, encontra lugar tanto cansaço dos nossos povos e da
nossa família, das nossas comunidades e de todos aqueles que estão cansados e
oprimidos (cf. Mt 11, 28).
Múltiplas são as causas e motivos que
nos podem provocar a fadiga da caminhada, a nós sacerdotes, consagrados e
consagradas, membros dos movimentos laicais: desde as longas horas de trabalho
que deixam pouco tempo para comer, descansar e estar com a família, até às
«tóxicas» condições laborais e afetivas que levam ao esgotamento e desgastam o
coração; desde a simples dedicação diária até ao peso rotineiro de quem já não
sente gosto ou não encontra reconhecimento e apoio para enfrentar as exigências
de cada dia; desde as situações complicadas já habituais e previsíveis até aos
momentos urgentes e angustiantes de pressão... Uma gama completa de pesos a
suportar.
Seria impossível tentar abraçar todas
as situações que quebrantam a vida dos consagrados, mas, em todas elas,
sentimos a necessidade urgente de encontrar um poço onde se possa aplacar e
saciar a sede e o cansaço do caminho. Todas elas reclamam, como um grito
silencioso, um poço donde começar de novo.
Desde há algum tempo para cá, às
vezes parece ter-se instalado nas nossas comunidades uma espécie subtil de
cansaço, que nada tem a ver com o cansaço do Senhor. Trata-se duma tentação que
poderíamos chamar o cansaço da esperança. Ou seja, o cansaço que surge quando o
sol, no pino – como sugere o Evangelho –, dardeja a pique os seus raios,
tornando as horas insuportáveis, e fá-lo com tal intensidade que não deixa
avançar nem olhar para diante. Como se tudo ficasse confuso. Não me refiro ao
«particular aperto do coração» (São João Paulo II, Carta enc. Redemptoris
Mater, 17; cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 287) de quem ao fim do
dia, apesar de quebrantado pelo trabalho, consegue mostrar um sorriso sereno e
agradecido; mas a um outro cansaço que nasce ao olhar o futuro quando a
realidade me cai em cima pondo em questão as forças, os recursos e a
viabilidade da missão neste mundo, que não cessa de mudar e interpelar.
É um cansaço paralisador. Nasce de
olhar para frente e não saber como reagir face à intensidade e incerteza das
mudanças que estamos atravessando como sociedade. Tais mudanças parecem não só
pôr em questão as nossas modalidades de expressão e compromisso, os nossos
hábitos e atitudes ao enfrentar a realidade, mas frequentemente colocam também
em dúvida a própria viabilidade da vida religiosa no mundo atual. E a própria
velocidade destas mudanças pode levar a imobilizar opções e opiniões e, aquilo
que outrora poderia ser significativo e importante, hoje parece que já não tem
lugar.
Irmãos e irmãs, o cansaço da
esperança nasce da constatação duma Igreja ferida pelo seu pecado e que, muitas
vezes, não soube escutar tantos gritos nos quais se escondia o grito do Mestre:
«Meu Deus, porque me abandonaste?» (Mt 27, 46).
Deste modo, podemos habituar-nos a
viver com uma esperança cansada perante o futuro incerto e desconhecido, e isto
faz com que se instale um pragmatismo cinzento no coração das nossas
comunidades. Aparentemente tudo parece continuar dentro da normalidade, mas na
realidade a fé deteriora-se e degenera. Dececionados com uma realidade que não
compreendemos ou na qual pensamos já não haver lugar para a nossa proposta,
podemos conferir «cidadania» a uma das piores heresias possíveis no nosso tempo:
pensar que o Senhor e as nossas comunidades não têm nada para dizer nem dar a
este mundo novo em gestação (cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 83).
Então aquilo que um dia nasceu para ser sal e luz do mundo, acaba por oferecer
a sua versão pior.
Dá-Me de beber
A fadiga da viagem sobrevem e faz-se
sentir. Quer queiramos quer não, ela existe e será bom termos a mesma coragem
que demonstrou o Mestre ao dizer: «Dá-Me de beber». Como aconteceu à Samaritana
e pode suceder a cada um de nós, não queremos aplacar a sede com uma água
qualquer, mas com aquela «fonte de água que dá a vida eterna» (Jo 4, 14). Como
bem sabia a Samaritana que, desde há anos, carregava cântaros vazios de amores
falidos, também nós sabemos que nem qualquer palavra pode ajudar a recuperar as
forças e a profecia na missão. Nem qualquer novidade, por mais sedutora que
pareça, pode aliviar a sede. Sabemos, como ela bem sabia, que nem mesmo o
conhecimento religioso e a justificação de certas opções e tradições, passadas
ou presentes, nos tornam sempre fecundos e apaixonados «adoradores (...) em
espírito e verdade» (Jo 4, 23).
«Dá-Me de beber» é aquilo que pede o
Senhor e é o que Ele nos pede para dizer. Ao dizê-lo, abrimos a porta da nossa
esperança cansada para voltar, sem medo, ao poço originário do primeiro amor,
quando Jesus passou pelo nosso caminho, olhou-nos com misericórdia e pediu que
O seguíssemos; ao dizê-lo, recuperamos a memória daquele momento em que os seus
olhos cruzaram os nossos, o momento em que Ele nos fez sentir que nos amava, e
não só pessoalmente mas também como comunidade (cf. Francisco, Homilia na
Vigília Pascal, 19/IV/2014). É retornar sobre os nossos passos e, na fidelidade
criativa, escutar que o Espírito não criou uma obra particular, um plano
pastoral ou uma estrutura para ser organizada, mas, através de tantos «santos
ao pé da porta» – entre os quais encontramos padres e madres fundadores dos
vossos Institutos, bispos e
párocos que souberam colocar bases sólidas nas suas comunidades –, deu vida e
respiração a um determinado contexto histórico que parecia sufocar e esmagar
toda a esperança e dignidade.
«Dá-Me de beber» significa ter a
coragem de se deixar purificar e de recuperar a parte mais autêntica dos nossos
carismas fundacionais – que não se limitam apenas à vida religiosa, mas a toda
a Igreja – e ver as modalidades em que se podem expressar hoje. Trata-se não só
de olhar com gratidão o passado, mas também de ir à procura das raízes da sua
inspiração e deixar que ressoem novamente com força entre nós (cf. Papa
Francisco – Fernando Prado, La fuerza de la vocación, 42).
«Dá-Me de beber» significa
reconhecer-se necessitado de que o Espírito nos transforme em homens e mulheres
memoriosos duma passagem, a passagem salvífica de Deus. E confiantes de que,
como fez ontem, assim continuará a fazê-lo amanhã: «ir às raízes ajuda-nos
indubitavelmente a viver, sem medo, o presente. Precisamos viver sem medo,
reagindo à vida com a paixão de nos sentirmos comprometidos com a história,
imersos nas coisas. Com a paixão dos enamorados» (cf. ibid., 44).
A esperança cansada será curada e
gozará daquele «particular aperto do coração» quando não tiver medo de voltar
ao lugar do primeiro amor e conseguir encontrar, nas periferias e nos desafios
que hoje se nos apresentam, o mesmo cântico, o mesmo olhar que suscitou o
cântico e o olhar dos nossos pais. Assim evitaremos o risco de partir de nós
mesmos e abandonaremos a autocomiseração cansativa para fixar os olhos com que hoje
Cristo continua a procurar-nos, a chamar-nos e a convidar-nos para a missão,
como fez naquele primeiro encontro, o encontro do primeiro amor.
* * *
Não me parece sem significado um
acontecimento como este duma Catedral que reabre as portas depois dum longo
tempo de restauro. Experimentou o transcorrer dos anos, como testemunha fiel da
história deste povo e, com a ajuda e o trabalho de muitos, quis presentear-nos
de novo com a sua beleza. Mais do que uma reconstrução formal, que sempre tenta
voltar a um original passado, procurou reencontrar a beleza dos anos abrindo-se
para hospedar toda a novidade que o presente lhe podia oferecer. Uma Catedral
espanhola, índia e afro-americana torna-se, assim, Catedral panamenha, dos
panamenhos de ontem, mas também dos de hoje que a tornaram possível. Já não
pertence só ao passado, mas é beleza do presente.
Hoje de novo é um regaço que impele a
renovar e nutrir a esperança, a descobrir como a beleza de ontem pode tornar-se
base para construir a beleza de amanhã.
Assim age o Senhor, nada de cansaço
da esperança, mas a fadiga peculiar do coração daquele que leva em frente todos
os dias o que lhe foi encomendado: o olhar do primeiro amor.
Irmãos, não deixemos que nos roubem a
beleza herdada dos nossos pais! Seja ela a raiz viva e fecunda que nos ajuda a
continuar fazendo bela e profética a história da salvação nestas terras.
Fonte
ACI Digital
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