quarta-feira, 26 de setembro de 2012

OS CRUCIFIXOS NOS ÓRGÃOS PÚBLICOS


Por Edson Sampel
São Paulo (ZENIT.org) - O Estado brasileiro é deveras laico, haja vista os preceitos constitucionais que salvaguardam a liberdade de exercício de qualquer religião (Art. 5.º, VI) e que interditam ao poder público criar cultos religiosos e igrejas ou, ainda, patrocinar essas entidades (Art. 19, I).
Reza o preâmbulo da constituição federal: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático (...) promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil” (grifos meus). Em face deste preâmbulo, formalmente constitucional e jurídico, uma vez que é parte integrante da constituição federal, não há que se falar em Estado ateu ou propugnador do laicismo absoluto, mesmo porque a própria Lex legum determina a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas públicas, com frequência facultativa (Art. 210, § 1.º).
A mais relevante consequência jurídico-moral da inserção do nome de Deus na constituição é a seguinte: se o poder constituinte originário desenvolveu todas as atividades tendentes à elaboração da charta magna sob a proteção de Deus, logo, o poder constituinte derivado deve agir igualmente sob a proteção de Deus, ao menos em termos de congruência de princípios. Desta feita, um deputado, ao preparar um anteprojeto de lei, atua, constitucionalmente falando, sob a proteção de Deus; o mesmo fenômeno constitucional-divino-protetor, digamos assim, ocorre com um prefeito que expede um decreto ou com um juiz que prolata uma sentença.
O crucifixo, particípio passado irregular de crucificar (a forma regular é “crucificado”), num primeiro súbito de vista, representa, sem dúvida, a religião cristã, principalmente o catolicismo. A fim de afixar um crucifixo na parede de uma repartição pública, não é juridicamente válido o argumento de que a maioria dos brasileiros são católicos e de que a esmagadora maioria são cristãos, porquanto o Brasil é um Estado laico, ou seja, não tem religião oficial, diferentemente do que sói ocorrer, por exemplo, na Inglaterra, onde  o anglicanismo é a religião oficial, ou na Alemanha, onde o luteranismo é o credo constitucional, ou em Israel, onde o judaísmo é a religião do Estado. Sem embargo, consoante observamos acima, o poder constituinte derivado é exercido também sob a proteção de Deus.
Note-se que a constituição ab-rogada de 1967 pressupunha a “invocação” de Deus. Os constituintes da carta política de 1988, ora em vigor, foram mais longe e deram por certa a presença efetiva do Altíssimo, que os protegeu ao longo dos trabalhos de feitura da lei maior do país. A aludida proteção é de ordem metafísica ou sobrenatural, porém, pode ser simbolizada pelo crucifixo, um elemento cultural da tradição brasileira, que anela exprimir a presença divina em determinado ambiente, tirante qualquer corrente religiosa específica.
O crucifixo num lugar público, como aquele instalado no plenário do Supremo Tribunal Federal, não corresponde apenas pura e simplesmente a uma imagem do cristianismo, mas quer demonstrar, segundo o modo peculiar da cultura de nosso país, em coerência com a ideia dos constituintes (mens legislatoris), que Deus protege os membros daquele celso sodalício no mister típico deles, isto é, nos julgamentos. Com efeito, o crucifixo ganha foros suprarreligiosos ou supraconfessionais; é empregado tão somente em virtude de ser o meio mais corriqueiro e hábil, nos meandros da tradição brasileira, para realçar a proteção divina. Pergunto: qual seria, entre nós, um outro símbolo apto a materializar o preâmbulo da constituição da república?
Nada democráticos, em minha opinião, os comportamentos de certos agentes políticos, como os do poder judiciário do Rio Grande do Sul, ordenando a retirada dos crucifixos dos organismos judiciais daquele estado. Repito: os crucifixos nas paredes de repartições públicas são, antes de tudo, na nossa cultura, o sinal mais compreensível e evidente da proteção de Deus, sob a qual obrou o poder constituinte originário e há de ser dia a dia  exercitado o poder constituinte derivado.
Edson Luiz Sampel é Doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Lateranense, do Vaticano.  Professor do Instituto Teológico Pio XI (Unisal) e da Escola Dominicana de Teologia (EDT). Membro da Sociedade Brasileira de Canonistas (SBC).    
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