Carta do cardeal Francisco Javier Errázuriz Ossa, arcebispo de Santiago
Santiago (ZENIT.org).- Publicamos a carta que foi lida no domingo passado nas paróquias da arquidiocese de Santiago do Chile, escrita pelo cardeal Francisco Javier Errázuriz Ossa, arcebispo de Santiago, sobre o modo de se enfrentar acusações contra um padre por abusos sexuais.
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Em oração, justiça e caridade
Queridos irmãos e colaboradores no Senhor,
Com muita dor tomamos conhecimento das acusações recentemente feitas aos padres e religiosos por abusos sexuais em diferentes países, principalmente de Europa. Com gratidão recebemos a carta do Santo Papa para a Igreja da Irlanda, prova de sua proximidade e solidariedade com as vítimas, seu chamado para a responsabilidade pastoral dos bispos, de forma que estes fatos não se repitam, e seu convite para renovar nosso amor a Cristo e a todas as pessoas às quais Ele nos confia, principalmente os mais jovens e vulneráveis.
No que se refere a nossa cultura, graças a Deus a sociedade tomou consciência da gravidade destes pecados, que também são crimes perante Deus e perante os homens, principalmente os abusos sexuais cometidos contra pessoas menores de idade, especialmente quando as vítimas são as crianças. Eles causam uma dor indizível a pessoas inocentes e deixam sequelas dolorosas, que às vezes só vão se curar lentamente e entre dificuldades. Estes crimes são cometidos, infelizmente, dentro de incontáveis famílias, em muitas instituições dedicadas à infância e à juventude; lamentavelmente eles também se dão na Igreja, fundada por Jesus Cristo para enobrecer o ser humano de acordo com a sua dignidade de família de Deus, e nunca para destruí-lo. Graças a Deus, a sociedade rejeita absolutamente estes fatos e os condena.
Como também no Chile as notícias de abusos nos golpearam e chocaram, eu lhes escrevo de forma que vocês saibam a visão e o procedimento de nossa arquidiocese perante feitos desta natureza. É conveniente que vocês tomem conhecimento dos antecedentes que lhes apresento, pela gravidade dos presumidos fatos que são denunciados, pelo respeito ao qual têm direito os acusadores, pela presunção da inocência de toda a pessoa acusada enquanto não se prove o contrário.
Na recentemente concluída Assembleia Plenária nós novamente tratamos o tópico dos procedimentos. Em mensagem final, no que concerne às preocupações de nosso país, os bispos recorrem a este tópico com as seguintes palavras:
"Estas notícias (procedentes principalmente de Europa) puseram no calendário público o complexo e delicado assunto dos abusos sexuais a menores por parte de padres. Aderimos às claras e firmes orientações do Papa Bento XVI neste assunto, como também expressamos nossa adesão contra as injustas acusações, e certamente falsas, que tem recebido por determinadas imprensas em alguns países.
Nós, bispos, temos meditado por estes dias sobre o modo que temos enfrentado, como pastores e como Igreja, os casos que foram denunciados em nosso país. Também analisamos a forma com a qual estes crimes nos desafiam a avaliar ainda mais a fidelidade dos presbíteros e consagrados às suas missões apostólicas, os processos de discernimento vocacional, de admissão aos seminários e de acompanhamento espiritual para os padres. Nesta reunião nós atualizamos nosso modo de aplicação do ordenamento canônico que nos obriga a agir com rigor em face de eventuais acusações, aplicação pela qual nós já tínhamos nos estabelecido em Maio de 2003.
Não há lugar no sacerdócio para esses que abusam de menores e não há pretexto algum que possa justificar este crime. Para as pessoas diretamente afetadas e às comunidades do Chile que tenham visto em algum padre razão de escândalo, nós lhes pedimos perdão e nós os exortamos a comunicar estes fatos. É nosso total compromisso velar incessantemente para que estes crimes sérios não se repitam.
Aos fiéis católicos pedimos, em especial neste Ano Sacerdotal, calorosas orações para esta imensa maioria de padres que entregam sua vida ao Senhor e ao serviço dos irmãos, de forma que eles não se desanimem, continuem crescendo em santidade e encontrem em seus fiéis e pastores uma companhia próxima na comunhão com Jesus."
Realmente, em nossa Igreja Arquidiocesana de Santiago, contamos com um sem número de padres exemplares, que seguem Jesus Cristo com fidelidade, que diariamente têm com Ele na oração pessoal, na leitura das Escritas e na Santa Eucaristia, que doam o tempo e a vida com grande generosidade para as comunidades que a diocese lhes confiou, e para pessoas que a eles recorrem. Sem lugar para dúvidas, sofrem quando é denunciado um irmão padre, ou quando pensam mal deles. Nós lhes devemos toda nossa gratidão, admiração e respeito.
Junto com dar publicidade à entrevista coletiva na qual o Presidente de nossa Conferência Episcopal, Dom Alejandro Goic, concedeu para dar conhecimento da mensagem conclusiva da Assembleia, um jornal matutino divulgou as seguintes notícias: "Revelaram que uma investigação eclesiástica foi aberta contra o ex-padre da paróquia da Igreja de El Bosque, Fernando Karadima (80), acusado de abusar de um ex-colaborador desde que ele era menor de idade." Nesta mesma manhã, ao término de uma celebração litúrgica na Catedral, eu fui consultado pelos meios de comunicação sobre esta informação. Eu respondi que realmente está em curso a investigação mencionada. Isso não significa que a pessoa é considerada culpada. Significa simplesmente que a Igreja está decidida a investigar todas as acusações. No dia seguinte a causa foi levada à Justiça Civil.
Dom Fernando Karadima é um sacerdote que trabalhou prolífica e generosamente quase toda sua vida na Paróquia del Sagrado Corazón de El Bosque, cultivando nos paroquianos a vida de oração, o amor para a Virgem Santíssima e para a Santa Missa, como também a preocupação para o pobre. Em sua defesa estão unidos em gratidão muitos leigos, como a mim mesmo e numerosos padres e religiosos, por tê-los guiado espiritualmente durante longos anos. Dele, Deus se valeu para despertar numerosas vocações ao sacerdócio, para o bispado e à vida consagrada. Uma acusação contra sua pessoa deveria mexer com Igreja, não só em Santiago.
As primeiras acusações formais, assinadas de próprio punho por três pessoas que asseguraram ter sido vítimas do padre, chegaram gradualmente a partir de Maio de 2005. As entregamos, como determinam as normas da Conferência Episcopal, para o Promotor de Justiça. Sobre os fatos lançou-se a sombra da presunção de inocência, segundo prescrição que estabelece o direito canônico. Por outro lado, testemunhos incontáveis e opressivos existiram a favor de padre Fernando Karadima. Depois de uma primeira investigação, e de diligenciar as coisas de um modo apropriado, a causa foi suspensa, aguardando novos fatos, já aprofundados esses obtidos e fazendo novas consultas a peritos em direito canônico.
Dois peritos em direito canônico me indagaram sobre a abertura de um processo judicial. Casos desta natureza são tão excepcionais que consideramos necessário consultar a peritos da Santa Sé. O procedimento em andamento foi levado à frente, com rigor e responsabilidade, em consulta a eles e de acordo com o procedimento canônico.
Por isso, antes das acusações apresentadas, agora sem considerar a prescrição da presunção de inocência, e de acordo com o procedimento eclesiástico estabelecido pela Conferência Episcopal do Chile, entregamos as acusações a um novo Promotor de Justiça, nomeado em 2009, para que investigasse a fundo os fatos, examinasse a veracidade das acusações, oferecesse a possibilidade de defesa ao padre acusado e propusesse, se fosse o caso, a declaração de inocência ou as medidas pertinentes. Este procedimento, que ainda não se concluiu, acontece com total sigilo, para proteger a liberdade desses que denunciam, defendem e dão testemunhos, e preservar o bom nome de tudo eles. Encontra-se bastante avançado.
Estes fatos e a publicidade que está sendo dada a esta situação causam profundas feridas às pessoas que reivindicam respeito, caridade e apoio. Eles certamente provocam um grande sofrimento nesses que denunciam, na pessoa denunciada e nesses que acreditam na inocência dele, que não podem conciliar os fatos denunciados com aquele que só se lembram com admiração e gratidão.
Perante entrevistas jornalísticas, fiz um chamado para se confiar no processo que o Arcebispado de Santiago leva adiante, com espírito de justiça e caridade, relativo às acusações recebidas. Esta confiança está baseada na graça que recebe o Bispo para ser fiel à sua vocação de se assemelhar ao Bom Pastor que dá refúgio a todas as ovelhas, especialmente para as que são mais fracas, estão sós, feridas ou doentes ou sofrem por causa das outras. O que mais desejamos é que em tudo possam contar conosco, seus bispos; também quando a consciência lhes peça para denunciar alguém contra atos imodestos que danificam, ofendem e obscurecem o amor de Deus.
Acima de tudo, eu convido as pessoas afetadas por esta situação dolorosa a ter esperança confiante em sua Igreja no término desta investigação. Ao mesmo tempo, eu peço a todos uma sabedoria especial nas reações e no tratamento deste assunto, por respeito aos envolvidos. Eu também os convido a rezar para estes que sofrem devido a esta triste situação e para aqueles que devem levar adiante e colaborar na investigação, de forma que se alcance a verdade na caridade.
Os sofrimentos, a confusão e a desconfiança são uma terra favorável para que o príncipe da desunião, da aversão e das suspeitas semeie pela mentira os juízos temerários e as más intenções e, assim, obtenha uma colheita abundante. Mantenhamos a serenidade e a paz interior, sabidos de que todas as coisas redundam bem dentro daqueles que amam a Deus e por Ele são amados (cf. Romanos, 8:28).
Em um clima de oração, implorando a intercessão da Virgem Santíssima, confiemos na ação do Espírito Santo que guia, purifica e dá esperança e santidade à sua Igreja.
Santiago, dia de São Jorge, 23 de abril de 2010.
+ Francisco Javier Errázuriz Ossa
Arcebispo Cardeal de Santiago
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