terça-feira, 22 de abril de 2008

ATÉ QUE PONTO PODEMOS CONFIAR NOS "DADOS CIENTIFICOS"?


Dr. Frei Antônio MoserAssessor da CNBB para assuntos de Bioética
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Todos carregamos hoje conosco inúmeras certezas e inúmeras interrogações. Nada de novo nesta afirmação, uma vez que estas são características próprias dos seres humanos de todos os tempos. Ademais, quanto mais inteligente for uma pessoa, mais ela se interroga, pois quanto mais acumula saber, tanto mais vê alargarem-se os horizontes de suas ignorância. Algo de parecido acontece com o poder: ele nunca será absoluto, pois é justamente quando se julga no auge é que já começam os pré anúncios da sua decadência. Ciência e poder são, com certeza, características marcantes de nossos tempos. Por isto mesmo, nada há de estranho no fato de a palavra “científico” aparecer com freqüência sempre maior em nossos dias. Afinal uma série de fatores possibilita-nos o acesso a um incrível número de dados, e conseqüentemente o acesso a um também incrível número de ações até há pouco inimagináveis. Mas é justamente por esta razão que convém nos perguntarmos pelo significado da palavra “científico” e até onde podemos confiar naquilo que vem apresentado em nome das ciências. Para entender o que é “dado científico” talvez seja melhor tomar o caminho da negação: o que não é científico. E aqui emergem logo uma infinidade de “convicções” que nada têm de científico. Nesta linha basta evocar o sem número de superstições, e o que, de acordo com o senso comum, faria bem ou faz mal à nossa saúde. Com isto já fica claro que não é o fato de todos sustentarem uma certa convicção que nos encontramos diante de um dado científico. Até pelo contrário, as maiores descobertas de cunho científico causam grande impacto, justamente por irem contra o senso comum. Basta pensar em termos de teoria da relatividade e de física quântica, que derrubaram teorias até há pouco tidas como certezas inabaláveis. Por falar em “certezas inabaláveis” nada mais incerto do que uma certeza científica. Concretamente, há toda uma trajetória para se chegar ao que parece uma “certeza”. Simplificando muito poderíamos dizer que “certeza” científica é precedida por uma “hipótese”, que, se comprovada, leva a uma “teoria”, que, se comprovada leva a uma “verdade científica”, que, por definição pressupõe sempre novas aberturas e sempre novas possibilidades. Para exemplificar o quanto as “certezas” científicas são incertas, basta recordar alguns desmentidos ocorridos em tempos recentes. Tomemos o exemplo do número de genes encontrados no Genoma Humano. Há alguns decênios atrás havia quem, em nome da genética, assegurasse serem mais de 100 mil. O projeto Genoma Humano, desenvolvido na década de 1990 até 2000, partiu na pressuposição de que eles seriam apenas 50 mil, e terminou afirmando que eles seriam apenas 30 mil, para hoje ninguém mais ousar dizer que passem dos 20 mil. Ainda dentro do mesmo contexto é bom lembrar que uma das conclusões mais solenes do Projeto Genoma Humano assim como foi anunciado no ano 2000 era que apenas 3% dos genes serviam para alguma coisa (eram “codificantes”), e que os 97% restantes eram simples “lixo genético”. Hoje se afirma que neste lixo imenso se encontram pedras preciosas. Mais exatamente, é neste “lixo” que se esconde o histórico de cada um, de seus antepassados, e até mesmo de sua espécie. O “lixo genético” é uma giga memória, sem a qual nem seríamos o que somos, nem teríamos consciência do que somos. Mais alguns exemplos sobre as incertezas que certezas científicas carregam consigo: a gema do ovo faz bem ou mal a saúde? Até há poucos meses atrás os ovos eram vistos com maus olhos. Hoje, se diz que, se não forem consumidos em excesso, são ricos em elementos imprescindíveis para uma vida saudável... Medicamentos cientificamente testados... se constituem num capítulo à parte. Na década de 1950, asseguradas por certezas científicas, muitas mulheres geraram filhos com deformações terríveis: foram os filhos da talidomida. Até há pouco, o Vioxx, antiinflamatório que ocupava a oitava posição no ranking dos medicamentos mais vendidos no mundo inteiro, teve que ser retirado do comércio por seus efeitos colaterais maléficos. Aqui não vem ao caso ampliar a lista de exemplos, pois qualquer um é capaz de elencar muitos outros. Também não vem ao caso questionar a necessidade de se desenvolver não apenas as ciências, como também um espírito científico. Afinal é pelas ciências que podemos conhecer melhor a realidade, e é pelo espírito científico que podemos evitar todo tipo de crendices e charlatanices. Mas certamente as considerações acima nos fazem perceber que todos os dados verdadeiramente científicos estão abertos a sempre novas reavaliações. Por isto mesmo, quando notamos que certos setores da sociedade se vêem na obrigação de apelar sempre de novo para “dados científicos” , cabe-nos o direito de logo desconfiarmos de que estamos novamente diante de mais uma hipótese, ou na melhor das hipóteses diante de uma nova teoria. E de qualquer forma, se é verdade que as ciências (no plural), podem nos oferecer preciosos conhecimentos, é também verdade que elas nunca podem nos oferecer nem uma visão global, nem uma visão final sobre qualquer realidade. E sobretudo, não cabe às ciências denominadas experimentais oferecer o significado mais profundo da realidade. Este significado remete para o campo religioso e é através dele que podemos chegar à sabedoria de vida. É desnecessário ressaltar o quanto estas considerações são oportunas para melhor nos situamos nos atuais debates à respeito da produção e do uso de embriões humanos para se buscar a eventual cura de certas anomalias de cunho genético. A cada dia se criam novos sofismas para demonstrar a quadratura do círculo: por que recorrer a estes expedientes quando o caminho mais curto e mais seguro, sob todos os pontos de vista, é o das células adultas? Por que tanta ingenuidade em pensar que resolvemos os problemas humanos com toques mágicos? Talvez Freud e a psicologia do profundo lancem uma luz sobre tais atitudes quando colocam entre as mais graves patologias humanas aquela de as pessoas tentarem se enganar a si próprias.

Dr. Frei Antônio Moser

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