O catálogo dos mártires da Igreja inclui, além dos que sofreram perseguições do mundo pagão, também outros que deram a vida para se manterem fiéis ao catolicismo e ao Romano Pontífice, vítimas de cristãos contra outros cristãos, divididos por interpretações doutrinárias. Este é o contexto das guerras religiosas, que ensanguentaram a Europa e os países por ela colonizados entre os séculos XVI e XVII. A história do martírio do Padre André de Soveral e do Padre Ambrósio Francisco Ferro, do leigo Mateus Moreira e dos seus XXVII Companheiros, beatificados pelo Santo Padre João Paulo II a 5 de Março de 2000, deve ser vista também neste horizonte.
A evangelização no Rio Grande do Norte, estado do Nordeste do Brasil,
teve início em 1597 com a catequese dos índios e com a formação das primeiras
comunidades cristãs por missionários jesuítas e padres diocesanos, vindos do
Reino Católico de Portugal. Nas décadas seguintes aconteceram desembarques
de franceses e holandeses naquelas terras, com a intenção de expulsar os portugueses
dos lugares colonizados. Em 1630 os holandeses conseguiram seu intento,
estabelecendo-se na região Nordeste do Brasil. Eles, de confissão
calvinista e acompanhados de seus pastores, determinaram um forte conflito na
até então pacífica área, devido à restrição da liberdade de culto aos
católicos, que eram perseguidos a partir daquele momento. Neste contexto
ocorreu o martírio dos Beatos considerados na presente Causa,
A primeira ocorreu em 16 de julho de 1645 em Cunhaú, na capela de Nossa
Senhora da Purificação ou das Velas, oficiada pelo Padre André de Soveral;
A segunda ocorreu no dia 3 de outubro do mesmo ano em Uruaçu, na
paróquia Nossa Senhora da Apresentação, sob a direção do padre Ambrósio
Francisco Ferro.
O padre André de Soveral, pároco de Cunhaú, nasceu por volta de 1572 em
São Vicente, na ilha de Santos; aos 21 anos ingressou na Companhia de
Jesus e, ao término dos estudos, foi enviado para Olinda, em Pernambuco, centro
missionário de catequese dos índios de toda a vasta região. A partir de 1607,
depois de deixar os jesuítas, o encontramos como membro do clero diocesano e
pároco de Cunhaú: na época do martírio tinha 73 anos. No domingo, 16 de
julho de 1645, enquanto celebrava missa na capela local, Jacó Rabe apareceu,
anunciando importantes comunicações das autoridades governamentais. Logo
após a consagração, um grupo de soldados holandeses, com índios das tribos
Tapuias e Potiguari a reboque, todos armados, invadiu o local sagrado, trancou
suas portas e atacou ferozmente os fiéis indefesos. Padre André de
Soveral, forçado a interromper a celebração, conseguiu cantar as orações
dos moribundos com os fiéis. Todos foram massacrados à espada, exceto
cinco fiéis portugueses que foram feitos reféns. Os assassinos saquearam
os cadáveres de roupas e objetos, depois fizeram estragos. Os católicos
mortos em Cunhaú eram ao todo mais de sessenta, mas só se sabe o nome do pároco
e do leigo Domingo Carvalho.
O segundo momento do martírio ocorreu cerca de três meses depois, em 3
de outubro de 1645, em Uruaçu.
Tomados pelo terror do que aconteceu em Cunhaú, os católicos de Natal
tentaram encontrar segurança em abrigos improvisados, mas em vão. Presos,
juntamente com seu pároco, padre Ambrósio Francisco Ferro, foram transferidos
para perto de Uruaçu, onde soldados holandeses e cerca de 200 índios os
esperavam sob o comando do cacique Antonio Paraopaba, que, convertido ao
protestantismo calvinista, havia uma verdadeira aversão aos católicos. Os
fiéis e seu pároco foram horrivelmente torturados e deixados para morrer em
mutilações desumanas, que até mesmo o cronista da época teve horror de
descrever em detalhes.
Dos numerosos fiéis assassinados por sua fé em 16 de julho e 3 de
outubro de 1645, e para os quais uma sólida reputação de martírio se manifestou
imediatamente, apenas 30 puderam ser identificados com certeza. é, portanto, o
seguinte:
Os dois Mártires de Cunhaú:
1. Padre André de Soveral, pároco diocesano
2. Domingo Carvalho
Os vinte e oito Mártires de Uruaçu:
1. Padre Ambrósio Francisco Ferro, pároco diocesano
2. Antônio Vilela, o Jovem
3. José do Porto See More
4. Francisco de Bastos See More
5. Diego Pereira See More
6. João Lostao Navarro
7. Antônio Vilela Cid See More
8. Estêvão Machado de Miranda
9. Vicente de Souza Pereira
10. Francisco Mendes Pereira See More
11. João da Silveira
12. Simão Correia
13. Antonio Baracho
14. Mateus Moreira See More
15. João Martins See More
16. Manuel Rodrigues Moura See More
17. Esposa de Manuel Rodrigues Moura
18-24. sete jovens companheiros de João Martins
25. filha de Antônio Vilela, o caçula
26. filha de Francisco Dias, o menor
27-28. duas filhas de Estêvão Machado de Miranda.
“PROCESSO”
DA CAUSA
O relato mais antigo dos dolorosos acontecimentos foi escrito vinte dias
após o massacre de Uruaçu, no Breve, Verdadeiro e Autêntico
Relato das Últimas Tiranias e Crueldades que os Holandeses usaram contra os
Habitantes do Rio Grande , de Lopo Curado Garro.
Através de uma tradição ininterrupta, a memória do martírio chegou aos
nossos dias.
No entanto, foi apenas no início do século XX que a compreensão da
motivação religiosa em torno dos Mártires do Rio Grande do Norte se
intensificou e começaram a ser feitas considerações concretas sobre a
possibilidade de iniciar o processo de beatificação. Surgiram, portanto,
publicações novas e credenciadas de caráter histórico, organizaram-se
peregrinações aos lugares do martírio, celebraram-se congressos para comemorar
os 300 anos do martírio.
a) Em vista da Beatificação
O Processo propriamente dito foi iniciado em 1989 pelo terceiro
Arcebispo de Natal, Monsenhor Alair Vilar Fernadens de Melo. O nihil obstat para a Causa foi concedido pela Santa Sé
em 16 de junho de 1989. Enquanto isso, em 13 de outubro de 1991, o Santo Padre
João Paulo II, durante a homilia da Missa de encerramento do XII Congresso
Eucarístico Nacional em Natal, com sua referência a o testemunho do martírio do
leigo Mateus Moreira, deu mais impulso à Causa. O inquérito diocesano
ocorreu no mês de maio de 1994 na Cúria metropolitana de Natal. Em 25 de
novembro do mesmo ano, a Congregação para as Causas dos Santos reconheceu sua
validade jurídica com um Decreto. A posição super mártirela
foi submetida com resultado favorável ao julgamento dos Consultores Históricos
em 28 de outubro de 1997. Posteriormente, em 23 de junho de 1998, os
Consultores Teológicos expressaram sua opinião positiva sobre o alegado
martírio. Os Cardeais e os Bispos, na Sessão Ordinária de 10 de novembro
de 1998, reconheceram que os Servos de Deus foram mortos in odium fidei . Em 21 de dezembro de 1998, São João
Paulo II promulgou o decreto sobre o martírio dos 30 Servos de Deus, por ele
beatificados na Praça de São Pedro durante o Grande Jubileu de 2000, domingo, 5
de março.
b) Em vista da Canonização
Recentemente, seguindo o interesse popular e as novas iniciativas
autorizadas de toda a Conferência Episcopal Brasileira para a esperada
canonização dos Beatos Mártires do Rio Grande do Norte, a Postulação Geral da
Ordem dos Frades Menores recebeu dos Atores a tarefa, com autorização prévia da
Congregação para as Causas dos Santos, elaborar uma Positio especial para reunir as provas que fundamentam
o pedido de canonização formal, com dispensa do estudo de um milagre
específico.
As fontes recolhidas após a beatificação atestam o crescente aumento da
devoção aos Bem-aventurados Mártires, mesmo fora dos limites da Arquidiocese de
Natal, a extensão do culto, a contínua fama signorum, a indiscutível atualidade
pastoral do testemunho dos 30 mártires , dos
quais 28 são leigos, alguns dos quais formam famílias.
A esperada canonização dos Protomártires do Brasil visa colocar no
castiçal da santidade o supremo testemunho de martírio de toda uma comunidade
evangelizada, para que seja modelo, guia e conforto para as novas gerações de
cristãos, chamados a enfrentar a secularização generalizada e as novas heresias
do mundo contemporâneo.
Os Eminentes Cardeais e Bispos da Congregação para as Causas dos Santos,
reunidos em Sessão Ordinária, no dia 14 de março de 2017, tendo examinado
a Positio super Canonizatione, fizeram votos para que o
Santo Padre procedesse, se assim o considerasse oportuno, à desejada
canonização. Esta opinião foi aceita por Sua Santidade o Papa Francisco.
Protomártires
do Brasil, rogai por nós!
Fonte:
Canção Nova Notícias
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