Em
audiência ao Corpo Diplomático, Francisco citou o Brasil ao manifestar sua
preocupação com o enfraquecimento da democracia. "Sempre é preciso superar
as lógicas parciais e trabalhar pela construção do bem comum."
Bianca Fraccalvieri – Vatican News
Guerra, vida, liberdade e democracia: estes foram
os temas tratados pelo Papa Francisco ao receber em audiência os embaixadores
acreditados juntos à Santa Sé, para o tradicional encontro de felicitação de
Ano Novo.
Nesta ocasião, o Pontífice faz um articulado discurso
analisando os temas mais candentes para a comunidade global. Antes de iniciar,
Francisco agradeceu pelas mensagens de condolências que recebeu por ocasião da
morte de Bento XVI e pela solidariedade manifestada durante as exéquias.
Como fato eclesial marcante, Francisco citou a
decisão da Santa Sé e da República Popular Chinesa de prorrogar por mais dois
anos o Acordo Provisório sobre a nomeação dos bispos. “Espero que esta relação
de colaboração se possa desenvolver em prol da vida da Igreja Católica e do bem
do povo chinês.”
A imoralidade das armas atômicas
Mas o fio condutor do pronunciamento do Papa foi a
Encíclica Pacem in terris de São João XXIII, que está
completando em 2023 sessenta anos de sua publicação. Neste texto, consta a
preocupação com a ameaça nuclear durante a crise dos mísseis de Cuba - ameaça
que se repete ainda hoje. “Não posso deixar de reiterar, aqui, que a posse de
armas atômicas é imoral.” “Sob a ameaça de armas nucleares, todos somos sempre
perdedores!”, completou.
Aprofundando a III guerra mundial em andamento,
Francisco citou primeiramente a Ucrânia, reiterando seu apelo “para que se faça
cessar imediatamente este conflito insensato”. Mas nomeou ainda a Síria, Israel
e Palestina, Líbano, o Cáucaso, o Iêmen, Mianmar e a península coreana. Falando
da África, mencionou as nações da costa ocidental, e recordou a República
Democrática do Congo e o Sudão do Sul, dois países que visitará daqui poucos
dias.
As viagens de 2022 também foram recordadas. No
Bahrein e no Cazaquistão, o tema foi o diálogo inter-religoso. No Canadá, a
colonização ideológica. Em Malta, o naufrágio da civilização ao lidar com o
tema da migração.
Mulheres não são cidadãos de segunda
classe
Fica então a pergunta: num tempo assim conflituoso,
como reatar os fios de paz? Para São João XXIII, a paz é possível à luz de
quatro bens fundamentais: a verdade, a justiça, a solidariedade e a liberdade.
Estes bens vêm à tona respeitando os direitos
humanos e as liberdades fundamentais de cada pessoa. Mas não é o que acontece
às mulheres, por exemplo, em muitos países consideradas cidadãos de segunda
classe. Não é o que acontece aos nascituros, que encontram a morte no ventre
materno. “Ninguém pode reivindicar direitos sobre a vida doutro ser humano,
especialmente se inerme e desprovido de qualquer possibilidade de defesa”, recordou
o Papa.
O direito à vida é ameaçado também onde se continua
a praticar a pena de morte, como está acontecendo nestes dias no Irã, na
sequência das recentes manifestações que pedem maior respeito pela dignidade
das mulheres. Até o último momento, disse o Papa, a pessoa pode mudar e se
converter, fazendo seu enésimo apelo para que a pena de morte seja abolida nas
legislações de todos os países da terra.
Cristianismo incita à paz
A paz exige também educação, antídoto contra a
ignorância e o preconceito, e liberdade religiosa. “Em cada sete cristãos, um é
perseguido”, recordou Francisco. “O cristianismo incita à paz, porque estimula
à conversão e ao exercício da virtude.”
Retomando o tema de sua mensagem para o Dia Mundial
da Paz de 2023, o Papa reafirmou que “juntos, pode-se fazer muito bem! Basta
pensar nas louváveis iniciativas destinadas a reduzir a pobreza, ajudar os
migrantes, contrastar as alterações climáticas, favorecer o desarmamento
nuclear e prestar ajuda humanitária”.
A propósito do cuidado da "casa comum", o
Pontífice citou a adesão da Santa Sé à Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre as Alterações Climáticas, com a intenção de dar o seu apoio
moral aos esforços de todos os Estados para cooperar numa resposta eficaz e
adequada aos desafios colocados pela alteração climática.
Enfraquecimento da democracia
Antes de concluir, Francisco manifestou sua
preocupação com o “enfraquecimento” da democracia, cujo sinal são crescentes
polarizações políticas e sociais, que não ajudam a resolver os problemas
urgentes dos cidadãos.
“Penso nas várias crises políticas em diversos
países do continente americano, com a sua carga de tensões e formas de
violência que exacerbam os conflitos sociais.” E o Papa citou três países:
Peru, Haiti e, nas últimas horas, o Brasil. "Sempre é preciso superar as
lógicas parciais e trabalhar pela construção do bem comum."
“Senhoras e Senhores, seria maravilhoso que, ao
menos uma vez, pudéssemos encontrar-nos apenas para agradecer ao Senhor
Todo-Poderoso pelos benefícios que sempre nos concede, sem nos vermos
constrangidos a enumerar as situações dramáticas que afligem a humanidade.”
Este é o papel da diplomacia, que deve aplanar os
contrastes para favorecer um clima de mútua colaboração e confiança. Para
Francisco, é ainda mais do que isso, é “um exercício de humildade, pois exige
sacrificar um pouco de amor-próprio para entrar em relação com o outro a fim de
compreender as suas razões e pontos de vista, contrastando assim a soberba e a
arrogância humanas que são a causa de toda a vontade beligerante”.
A
Santa Sé mantém relações diplomáticas com 183 países. A estes, acrescentam-se a
União Europeia e a Soberana Militar Ordem de Malta.
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2023-01/papa-francisco-discurso-corpo-diplomatico-paz.html
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