Milhares de fiéis prestam as últimas homenagens ao corpo de Bento XVI, exibido na Basílica de São Pedro, no Vaticano. Na Praça São Pedro, seis brasileiros e uma angolana comentam a vida do Papa emérito.
Luiz Felipe Bolis – Vatican
News
A
praça São Pedro acolhe centenas de fiéis para um último adeus ao Papa emérito
Bento XVI. A praça é a porta de entrada para as muitas homenagens que se
estendem até a Basílica de São Pedro, para a gratidão em torno do corpo do
homem de 95 anos e para um tanto de lágrimas que escapam livres das memórias da
alma.
O
coração de Roma e o coração da Igreja agasalham, no conforto de Deus, as almas,
os sentimentos e os silêncios nas temperaturas de inverno. No meio da multidão
e das múltiplas faces e línguas nos passos da “Via della Conciliazione”, todos
os caminhos convergem em uma mesma fé una, católica, apostólica e romana, na
contemplação da caminhada terrena de Joseph Ratzinger.
Pelos
óculos da fé se vê além de um Vaticano repleto de pessoas. Se enxerga uma
Igreja viva e atenta aos sinais da morte de um dos mais importantes nomes para
a fé católica na atualidade, que relatou em seu testamento espiritual: "Vi
e vejo como do emaranhado das hipóteses tenha emergido e emerja novamente a
razoabilidade da fé. Jesus Cristo é realmente o caminho, a verdade e a vida — e
a Igreja, com todas as suas insuficiências, é realmente o Seu corpo”. Quinze
anos depois, após terem sido escritas naquele 29 de agosto de 2006, as palavras
de Bento XVI traduzem uma verdadeira aula de teologia, a lembrança da família,
as recordações da Alemanha e da Itália e o mais puro agradecimento a Deus.
“Senhor,
eu te amo!”. A última declaração de amor de Bento XVI ao Pai dos Céus foi
pronunciada com um fio de voz, mas suficientemente compreensível para entender,
em italiano, tamanha piedade a Deus. Era por volta das 3h da madrugada de 31 de
dezembro de 2022, no Mosteiro “Mater Ecclesiae”, no Vaticano. Às 9h34 do mesmo
dia, ele partiu para a Casa do Pai.
As
ruas vaticanas registram os muitos passos daquele que é considerado um dos
maiores teólogos dos tempos modernos, com uma vasta bibliografia. Por essas
ruas onde ele encaminhou o seu apostolado como sacerdote, Papa da Igreja
Católica, Bispo de Roma e Papa emérito, o seu corpo foi levado do Mosteiro
“Mater Ecclesiae” até a Basílica de São Pedro, pouco depois das 7h da manhã
desta segunda-feira (02).
A
exibição pública do corpo ocorreu entre 9h da manhã e 19h no primeiro dia, reunindo
cerca de 65 mil pessoas, segundo informações dos oficiais de segurança do
Vaticano. O velório se estende para terça-feira (03) e quarta-feira (04) antes
do funeral da manhã de quinta-feira (05). Na quinta-feira, dia 5, o funeral
ocorre às 9h30 da manhã "solene, mas sóbrio", presidido pelo Papa
Francisco. O Papa emérito Bento XVI será sepultado nas grutas vaticanas, no
túmulo onde antes jazia o corpo de São João Paulo II.
Dos
70 anos de vida do paranaense Manoel Tavares, quase cinco décadas se passam
diante de uma história construída com as pedras da Itália e do jornalismo.
Acompanhar de perto a morte e o funeral de um papa não é novidade para ele, que
esteve presente nas cerimônias de despedida ao Beato João Paulo I e a São João
Paulo II.
Poucos
sabem, mas naquele setembro de 1978 o senhor Manoel, ao lado de um sacerdote e
de uma religiosa, foi uma das três primeiras pessoas a ver o corpo de João
Paulo I após o falecimento do papa. Em 2005, no funeral de João Paulo II,
Manoel exercia suas funções de jornalista na sede da Radio Vaticana, a poucos
metros da exibição do corpo do “peregrino do amor”. Um “rio de pessoas”: essa é
a expressão que nasce das lembranças felizes do paranaense, que pontua um fato
inusitado daquele atípico dia de abril, lotado de visitantes: “a gente não
podia nem colocar o pé para fora e sair do prédio da Radio”.
Um
mar de fiéis, veículos de comunicação e policiais ocupam os corredores que
cercam a “Via della Conciliazione” já no primeiro dia de exibição pública do
corpo do papa emérito. Em agosto de 2007, Bento XVI dizia em uma de suas
catequeses papais que o ser humano é o “reflexo da beleza divina”, citando o
teólogo Gregório de Nissa, do século IV. Isto é justamente o que se revela a
céu aberto sobre os caminhos do Vaticano: a beleza inculturada da humanidade
que serve a Deus nos rumos de infinitos estados de vida e vocações, sobre um
mesmo propósito ao amor e à santidade.
A
irmã Vânia Mesquita e a irmã Lucrécia Junqueira são religiosas missionárias de
Santa Teresinha, e nos passos de seu fundador, o Servo de Deus Dom Eliseu Maria
Coroli, elas têm como base o fundamento de que “educar não é somente instruir,
mas preparar para a vida”. Sobre a alma brasileira de irmã Vânia, de 47 anos, e
na alma angolana de irmã Lucrécia, de 33, o dia 02 de janeiro marca dois fortes
motivos para celebrar: o funeral do papa que nasceu para a vida eterna e a data
de nascimento de Santa Teresinha do Menino Jesus, datado de 1873, baluarte do
instituto ao qual pertencem.
Joseph
Ratzinger frutifica grandes ensinamentos para as religiosas. “Pra mim, é um
grande teólogo de todos os tempos: as suas colocações, o seu gesto de falar com
o povo, a sua humildade, a forma como ele escrevia, então isso deixa um grande
legado na minha vida. Passando ali próximo ao corpo, eu fiquei muito emocionada
com essa despedida”, comentam as alegres palavras da irmã Vânia.
Expressando
felicidade, irmã Lucrécia sublinha: “ele foi esse pastor humilde que protegeu a
Igreja, guiou a Igreja e que nos deu esse grande exemplo da humildade, na
questão da sua renúncia, de reconhecer que, quando sentimos que nossas forças
já não podem, então pedir essa graça a Deus de renunciar e de deixar que Deus
continue guiando a Igreja através de uma outra pessoa, o seu sucessor Papa
Francisco. Como diz São Paulo, Bento XVI combateu o bom combate, terminou a
carreira e guardou a fé”, finaliza a religiosa com a citação de 2 Timóteo 4, 7.
Em
junho de 2012, em discurso pronunciado em Milão/Itália pela ocasião do VII
Encontro das Famílias, Joseph Ratzinger fez uma importante consideração da
família como patrimônio principal da humanidade, assinalando que ela se vê
animada pela fé em Jesus Cristo morto e ressuscitado.
No
mês de abril do mesmo ano, o Papa emérito havia afirmado, em celebração na
Basílica de São Pedro, que as famílias são o primeiro ambiente no qual se
“respira” o amor de Deus, que dá a força interior também em meio às
dificuldades e às provações da vida, acrescentando ainda: “quem vive em família
a experiência do amor de Deus, recebe um dom inestimável, que dá fruto em seu
tempo”.
Nara
Ferreira e a família vieram de Goiás para visitar a Cidade Eterna e respirar os
ares da cultura italiana. Ao lado do esposo Sérgio, da filha Taynara, da neta
Sofia e da irmã Maria de Lourdes, Nara, de 55 anos, reservou um momento em meio
aos cinco dias de permanência em Roma para ver bem de perto o corpo do Papa
que, por diversas vezes, tocou o seu coração com palavras de sabedoria.
“É
uma emoção muito grande ter essa graça de poder participar desse momento aqui
em Roma, no Vaticano, na Basílica de São Pedro, e como todos nós buscamos a
santidade, todos os dias em nossas ações buscamos as virtudes de Bento”,
compartilha Nara.
No
coração da Igreja e centro do catolicismo, Taynara, de 30 anos, contempla os
passos da sua caminhada católica sob os passos papais de Bento XVI, e diz: “o
Bento XVI foi um dos pilares da minha conversão. Um papa fantástico, que pregou
muito sobre a tradição católica e de como é importante vivenciarmos a nossa fé
no dia a dia. Então, não tem emoção maior do que poder estar pertinho do corpo
dele, fazer nossas orações e entregar o corpo dele a Cristo”.
Uma
sul-mato-grossense e uma paulista partilham o mesmo modelo de hábito, os mesmos
votos ao instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus e um amor em comum
pela vida de Joseph Ratzinger, o eterno Bento XVI. Irmã Marilza Barrios, de 44
anos, e a irmã Cláudia Adriana, de 49, acabam de sair da Praça São Pedro e,
apenas pelo semblante, se nota uma emoção inenarrável pelo último cortejo ao
Papa emérito de origem alemã.
“Sou
fã do Papa Bento XVI, e depois, pra mim, é uma pessoa que representou um papa
da fé, pelos escritos dele, pela fé dele, e ao mesmo tempo transmitiu muita
humildade e simplicidade. Eu tive a grande honra de encontrar uma vez ele,
cumprimentar ele, pegar na mão dele e ele perguntar meu nome. E hoje, estar
aqui, ao mesmo tempo que é um funeral, uma visita, porque ele faleceu, mas é
uma comoção, uma emoção e um agradecimento, por tudo que ele foi na nossa
Igreja e também no mundo. É também um momento histórico estar aqui”, comenta
irmã Marilza. Do Mato Grosso do Sul à Itália, os ensinamentos de Bento XVI
iluminam os seus 19 anos de vida religiosa.
Em
momentos de forte tempestade na Jornada Mundial da Juventude de Madrid, em
2011, irmã Marilza pôde ver de perto a firmeza de um papa que fez jus ao tema
do evento: “Firmes na fé”, na qual ele manteve-se concentrado na presença de
Jesus e ao lado de uma grande multidão de fiéis, especialmente em momentos de
adoração. Outro fato marcante que o papa deixa para a irmã está impresso nos
seus escritos, repletos de “profundidade teológica e ao mesmo tempo de fácil
compreensão”, a exemplo da Carta encíclica “Deus é amor” (Deus caritas est).
As
páginas da coletânea “Jesus de Nazaré”, uma das mais conhecidas obras de Joseph
Ratzinger, clarearam o percurso da irmã Cláudia nos estudos de teologia, em um
mergulho no “Jesus histórico” e no “Jesus humano”. Sendo uma Apóstola do
Sagrado Coração de Jesus há 19 anos, o dia 02 de janeiro de 2023 sela uma nova
experiência nos 25 anos da sua vida religiosa.
“A
emoção foi muito grande, porque é um momento de oração e um momento histórico
também pra quem está aqui. Nós, como estrangeiras em Roma, como não vir neste
momento por tudo o que o Papa Bento XVI foi para a nossa Igreja!? A hora que
chegamos na praça era frio, o vento, mas estávamos firmes porque gostaríamos de
prestar a última homenagem ao papa 'Benedetto'”, sublinha a freira natural do
estado de São Paulo.
O
relógio da Basílica de São Pedro registra 11h15 e dos montes do último adeus ao
Papa emérito Bento XVI, as irmãs agora se encaminham aos vales da rotina
religiosa. Mas, antes, a irmã Cláudia pontua: “o Papa Bento XVI é uma figura
muito marcante na minha história, na história da Igreja, na história do nosso
instituto. Além de ser uma pessoa intelectual, inteligente, teólogo, o que me
marcou na pessoa do Papa Bento XVI é a humildade. Como ele foi humilde! Isso eu
trago pra minha vida hoje: como posso ser humilde também? Diante de uma Igreja,
o Papa Bento XVI teve a coragem, teve a inspiração de Deus. Quantos desafios,
quantas noites talvez sem dormir, mas rezando, pedindo as luzes do Espírito
Santo pra que tomasse essa decisão! E eu peço ao Papa hoje que também me dê a
graça de ser humilde na minha vida”.
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2023-01/bento-xvi-papa-permanece-vivo-coracao-fieis.html
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