Durante toda sua vida, Bento XVI procurou, investigou, perguntou; também como Pontífice os seus discursos e as suas homilias são caracterizadas por esta constante busca. Por este motivo gerou animados debates, talvez principalmente, dentro da própria Igreja.
Vatican News
“Eu já não pertenço ao mundo antigo, mas o novo, na
realidade, não começou ainda”: palavras do Papa emérito, Bento XVI, sobre si
mesmo. Esta frase se encontra no livro “Últimas conversações” (com Peter
Seewald). Um Papa entre dois tempos: assim se definira na ocasião.
Acrescentando depois que só na posteridade, tem-se condições de reconhecer a
avaliar os tempos e as mudanças dos tempos.
Na realidade, é a segunda frase que impressiona: “O
mundo novo, na realidade, não começou ainda”. É virtude de Joseph Ratzinger,
teólogo, cardeal e Papa, não se contentar com definições que estabeleçam o que
seja “novo”. Durante toda sua vida procurou, investigou, perguntou; também como
Pontífice os seus discursos e as suas homilias são caracterizadas por esta
constante busca. Por este motivo gerou animados debates, talvez principalmente,
dentro da própria Igreja.
Uma das últimas homilias do Papa Bento XVI exprime
este conceito de modo maravilhoso e definitivo: quando fala dos Reis Magos em
busca do rei recém-nascido. “Os homens que então partiram rumo ao desconhecido
eram, em definitiva, pessoas de coração inquieto; homens inquietos movidos pela
busca de Deus e da salvação do mundo; homens à espera, que não se contentavam
com seus rendimentos assegurados e com uma posição social provavelmente
considerável, mas andavam à procura da realidade maior. Talvez fossem homens
eruditos, que tinham grande conhecimento dos astros e, provavelmente, dispunham
também duma formação filosófica; mas não era apenas saber muitas coisas que
queriam; queriam sobretudo saber o essencial, queriam saber como se consegue
ser pessoa humana. E, por isso, queriam saber se Deus existe, onde está e como
é; se Se preocupa conosco e como podemos encontrá-Lo. Queriam não apenas saber;
queriam conhecer a verdade acerca de nós mesmos, de Deus e do mundo. A sua
peregrinação exterior era expressão deste estar interiormente a caminho, da
peregrinação interior do seu coração. Eram homens que buscavam a Deus e, em
última instância, caminhavam para Ele; eram indagadores de Deus”. (Homilia, 6
de janeiro de 2013, Epifania do Senhor). As mesmas palavras Joseph Ratzinger
poderia usá-las para si mesmo.
Consideremos a questão do Concílio: a sua aplicação
está longe de ser completada e seria prejudicial não continuar a indagar e a
aplicá-la. “A hermenêutica da reforma”, “hermenêutica da renovação da
continuidade” tinha definido Papa Bento, opõem-se à “hermenêutica da
descontinuidade e da ruptura”.
Muitos de seus pensamentos continuarão em nossas
reflexões: suas inspirações permanecerão conosco. Como teólogo, cardeal e Papa,
tinha feito a sua parte para que “o novo” fosse descoberto. Apesar de todos
seus livros, seus discursos e suas contribuições, foi um homem irrequieto até o
fim. Na homilia citada, pronunciada por ocasião do fim de seu pontificado, o
Papa emérito fala da peregrinação interior da fé que se exprime
substancialmente na oração. Uma oração que nos desperta de uma falsa acomodação
e que quer comunicar a inquietação para com Deus e a inquietação para com o
próximo. Viveu essa inquietação até o fim, na oração, no retiro, mas com
solidez.
A sua frase sobre o mundo velho e o novo, escritas
no livro “Últimas conversações” é profética. Apresenta-se a nós de modo
inocente, como muitas outras coisas ditas pelo Papa, principalmente nos seus
textos espirituais e nas suas homilias. Porém esta frase tem uma dinâmica
teológica e espiritual. Os tempos mudam, isso é irreversível: nem reinventando
o “velho” em versão “nova” – como agradaria muito aos tradicionalistas – nem na
invenção de um “novo” que não considere a tradição e a evolução.
Bento XVI, o Papa emérito, demonstrou que tinha uma
avaliação de si mesmo bastante equilibrada, porque colocava-se entre duas
épocas, mas sem se deixar ligar a uma ou a outra. A mudança: isso é o que ele
viveu e onde se reconhece. Por isso foi um Papa da transição?
Só
por isso não. Exatamente porque foi a transição, seus sinais permanecerão além
da sua morte. As transições são importantes. Joseph Ratzinger representa a
Igreja que, a partir do Concílio, retomou a sua estrada. Joseph Ratzinger
marcou seu sigilo à transição eclesial, mas principalmente à transição papal. A
Igreja poderá se nutrir por muito tempo com o seu exemplo, com suas palavras,
com seus escritos. Vivia entre dois tempos, mas permanecerá conosco.
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2022-12/bento-xvi-um-papa-entre-dois-tempos.html
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