A partir do Ano da
Misericórdia em 2015-2016, o Papa Francisco propôs para toda a Igreja dispersa
pelo mundo a celebração do Dia dos Pobres no XXXIII Domingo do Tempo Comum, o
domingo anterior à Solenidade de Cristo Rei do Universo.
Em muitas situações de carências e tragédias, as comunidades eclesiais têm se
manifestado com gestos concretos de solidariedade com os mais necessitados e
carentes como expressão de humanidade e fé cristã. Mas a relação com os pobres
não é apenas para alguns momentos determinados de mais sensibilidade, é
essencial no próprio viver dos discípulos de Cristo.
Vejamos algumas passagens da Mensagem do Papa Francisco para o VI Dia Mundial dos Pobres, a ser celebrado em 13 de novembro de
2022, com o título
“Jesus Cristo fez-Se pobre por vós” (cf. 2 Cor 8, 9):
<<1. «Jesus Cristo (…) fez-Se pobre por vós» (2 Cor 8, 9). Com
estas palavras, o apóstolo Paulo dirige-se aos cristãos de Corinto para
fundamentar o seu compromisso de solidariedade para com os irmãos necessitados.
O Dia Mundial dos Pobres torna este ano como uma sadia provocação para nos
ajudar a refletir sobre o nosso estilo de vida e as inúmeras pobrezas da hora
atual.
Há
alguns meses, o mundo estava a sair da tempestade da pandemia, mostrando sinais
de recuperação econômica que se esperava voltasse a trazer alívio a milhões de
pessoas empobrecidas pela perda do emprego. Abria-se uma nesga de céu sereno
que, sem esquecer a tristeza pela perda dos próprios entes queridos, prometia
ser possível tornar finalmente às relações interpessoais diretas, encontrar-se
sem embargos nem restrições. Mas eis que uma nova catástrofe assomou ao
horizonte, destinada a impor ao mundo um cenário diferente.
A
guerra na Ucrânia veio juntar-se às guerras regionais que, nestes anos, têm
produzido morte e destruição. Aqui, porém, o quadro apresenta-se mais complexo
devido à intervenção direta duma «superpotência», que pretende impor a sua
vontade contra o princípio da autodeterminação dos povos. Vemos repetir-se
cenas de trágica memória e, mais uma vez, as ameaças recíprocas de alguns
poderosos abafam a voz da humanidade que implora paz. …
3.
Neste contexto tão desfavorável, situa-se o VI Dia Mundial dos Pobres, com o
convite – tomado do apóstolo Paulo – a manter o olhar fixo em Jesus, que,
«sendo rico, Se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza» (2
Cor 8, 9). …
5.
Com efeito, a solidariedade é precisamente partilhar o pouco que temos com
quantos nada têm, para que ninguém sofra. Quanto mais cresce o sentido de
comunidade e comunhão como estilo de vida, tanto mais se desenvolve a
solidariedade. Aliás, deve-se considerar que há países onde, nas últimas
décadas, se verificou um significativo crescimento do bem-estar de muitas
famílias, que alcançaram um estado de vida seguro. Trata-se dum resultado
positivo da iniciativa privada e de leis que sustentaram o crescimento
económico, aliado a um incentivo concreto às políticas familiares e à
responsabilidade social. Possa este patrimônio de segurança e estabilidade
alcançado ser agora partilhado com quantos foram obrigados a deixar as suas
casas e o seu país para se salvarem e sobreviverem. Como membros da sociedade
civil, mantenhamos vivo o apelo aos valores da liberdade, responsabilidade,
fraternidade e solidariedade; e, como cristãos, encontremos sempre na caridade,
na fé e na esperança o fundamento do nosso ser e da nossa atividade.
6.
É interessante notar que o Apóstolo não quer obrigar os cristãos, forçando-os a
uma obra de caridade; de fato, escreve: «Não o digo como quem manda». O que ele
pretende é «pôr à prova a sinceridade do amor» demonstrado pelos Coríntios na
atenção e solicitude pelos pobres (cf. 2 Cor 8, 8). Na base do pedido de Paulo,
está certamente a necessidade de ajuda concreta, mas a sua intenção vai mais longe.
Convida a realizar a coleta, para que seja sinal do amor testemunhado pelo
próprio Jesus. Enfim, a generosidade para com os pobres encontra a sua
motivação mais forte na opção do Filho de Deus que quis fazer-Se pobre.
Na
realidade, o Apóstolo não hesita em afirmar que esta opção de Cristo, este seu
«despojamento», é uma «graça» – aliás, é «a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo»
(2 Cor 8, 9) – e só acolhendo-a é que podemos dar expressão concreta e coerente
à nossa fé. O ensinamento de todo o Novo Testamento revela a propósito uma
especial unanimidade, como se verifica nesta passagem da Carta do apóstolo
Tiago sobre a Palavra que foi semeada nos crentes: «Tendes de a pôr em prática
e não apena ouvi-la, enganando-vos a vós mesmos. Porque, quem se contenta com
ouvir a palavra, sem a pôr em prática, assemelha-se a alguém que contempla a
sua fisionomia num espelho; mal acaba de se contemplar, sai dali e esquece-se
de como era. Aquele, porém, que medita com atenção a lei perfeita, a lei da
liberdade, e nela persevera – não com quem a ouve e logo se esquece, mas como
quem a cumpre – esse encontrará a felicidade ao pô-la em prática» (1, 22-25).
7.
No caso dos pobres, não servem retóricas, mas arregaçar as mangas e pôr em
prática a fé através dum envolvimento direto, que não pode ser delegado a
ninguém. Às vezes, porém, pode sobrevir uma forma de relaxamento que leva a
assumir comportamentos incoerentes, como no caso da indiferença em relação aos
pobres. Além disso acontece que alguns cristãos, devido a um apego excessivo ao
dinheiro, fiquem empantanados num mau uso dos bens e do património. São
situações que manifestam uma fé frágil e uma esperança fraca e míope.
Sabemos
que o problema não está no dinheiro em si, pois faz parte da vida diária das
pessoas e das relações sociais. Devemos refletir, sim, sobre o valor que o
dinheiro tem para nós: não pode tornar-se um absoluto, como se fosse o objetivo
principal. Um tal apego impede de ver, com realismo, a vida de todos os dias e
ofusca o olhar, impedindo de reconhecer as necessidades dos outros. Nada de
mais nocivo poderia acontecer a um cristão e a uma comunidade do que ser
ofuscados pelo ídolo da riqueza, que acaba por acorrentar a uma visão efêmera e
falhada da vida.
Entretanto
não se trata de ter um comportamento assistencialista com os pobres, como
muitas vezes acontece; naturalmente é necessário empenhar-se para que a ninguém
falte o necessário. Não é o ativismo que salva, mas a atenção sincera e
generosa que me permite aproximar dum pobre como de um irmão que me estende a
mão para que acorde do torpor em que caí. …
9.
O texto do Apóstolo a que se refere este VI Dia Mundial dos Pobres apresenta o
grande paradoxo da vida de fé: a
pobreza de Cristo nos torna ricos. Se Paulo pôde comunicar este
ensinamento – e a Igreja difundi-lo e testemunhá-lo ao longo dos séculos – é
porque Deus, em seu Filho Jesus, escolheu e seguiu esta estrada. Se Ele Se fez
pobre por nós, então a nossa própria vida ilumina-se e transforma-se,
adquirindo um valor que o mundo não conhece nem pode dar. A riqueza de Jesus é
o seu amor, que não se fecha a ninguém mas vai ao encontro de todos, sobretudo
de quantos estão marginalizados e desprovidos do necessário. Por amor,
despojou-Se a Si mesmo e assumiu a condição humana. Por amor, fez-Se servo
obediente, até à morte e morte de cruz (cf. Flp 2, 6-8). Por amor, fez-Se «pão
de vida» (Jo 6, 35), para que a ninguém falte o necessário, e possa encontrar o
alimento que nutre para a vida eterna. Também em nossos dias parece difícil,
como foi então para os discípulos do Senhor, aceitar este ensinamento (cf. Jo
6, 60); mas a palavra de Jesus é clara. Se quisermos que a vida vença a morte e
que a dignidade seja resgatada da injustiça, o caminho a seguir é o d’Ele: é
seguir a pobreza de Jesus Cristo, partilhando a vida por amor, repartindo o pão
da própria existência com os irmãos e irmãs, a começar pelos últimos, por
aqueles que carecem do necessário, para
que se crie a igualdade, os pobres sejam libertos da miséria e os ricos da
vaidade, ambos sem esperança. …
Oxalá
este VI Dia Mundial dos Pobres se torne uma oportunidade de graça, para
fazermos um exame de consciência pessoal e comunitário, interrogando-nos se a
pobreza de Jesus Cristo é a nossa fiel companheira de vida.>>
Será muito iluminador tomarmos toda a Mensagem do Papa Francisco inteiramente
para, mais ainda sermos formados no seguimento do Deus que se fez Homem, do
Senhor do Universo, que se fez pobre e na pobreza nos enriquecer de Sua real
riqueza, de Sua Vida de Amor Infinito.
+ José Antonio Aparecido
Tosi Marques
Arcebispo Metropolitano de
Fonte: Site da
arquidiocese de Fortaleza
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