João
Batista Scalabrini, "que fundou uma Congregação para o cuidado dos
emigrantes, afirmava que, no caminhar comum daqueles que emigram, é preciso não
ver só problemas, mas também um desígnio da Providência". Ele "olhava
para um mundo e uma Igreja sem barreiras, sem estrangeiros. Por sua vez, o
irmão salesiano Artêmides Zatti foi um exemplo vivo de gratidão: curado da
tuberculose, dedicou toda a sua vida a favor dos outros, a cuidar com amor e
ternura dos doentes", disse Francisco.
Mariangela Jaguraba - Vatican News
O Papa Francisco celebrou a missa de canonização de
João Batista Scalabrini e Artêmides Zatti, neste domingo (09/10), na Praça São
Pedro.
O Papa iniciou sua homilia com o episódio do
Evangelho, da liturgia deste domingo, em que dez leprosos caminham juntos e vão
ao encontro de Jesus que os cura, mas somente um deles volta «glorificando a
Deus em voz alta» e agradece a Jesus. Era um samaritano, um estrangeiro.
A seguir, Francisco se deteve em dois aspectos
dessa passagem do Evangelho: caminhar juntos e agradecer.
O Papa ressalta que "no início da narração, não há nenhuma distinção entre
o samaritano e os outros nove. Fala-se simplesmente de dez leprosos, que formam
um grupo e, sem divisão, vão ao encontro de Jesus. Como sabemos, a lepra não
era apenas uma úlcera física, mas também uma «doença social», porque naquele
tempo, por medo do contágio, os leprosos deviam estar fora da comunidade. Não
podiam entrar nos centros habitados, mas eram mantidos à distância, relegados
às margens da vida social e até religiosa. Caminhando juntos, estes leprosos
clamam contra uma sociedade que os exclui. O samaritano, apesar de ser
considerado herético, «estrangeiro», faz grupo com os outros. A doença e a
fragilidade comuns fazem cair as barreiras e superar toda a exclusão, como nos
recordou na primeira Leitura, Naaman, o sírio, que apesar de ser rico e
poderoso, para se curar teve de mergulhar no rio onde se banhavam todos os
outros".
Como nos faz bem tirar as nossas armaduras
exteriores, as nossas barreiras defensivas e tomar um bom banho de humildade,
recordando-nos de que todos somos frágeis por dentro e necessitados de cura,
todos somos irmãos! Lembremo-nos disto: a fé cristã sempre nos pede para
caminhar junto com os outros, para nunca ser caminhantes solitários; sempre nos
convida a sair de nós mesmos rumo a Deus e aos irmãos, sem nunca nos fecharmos
em nós mesmos; sempre nos pede para nos reconhecermos necessitados de cura e
perdão, e partilharmos as fragilidades de quem vive ao nosso redor, sem nos
sentirmos superiores.
O Papa nos convidou a verificar se, "na nossa
vida, nas nossas famílias, nos nossos lugares de trabalho e de convivência
diária, somos capazes de caminhar junto com os outros, ouvir, superar a
tentação de nos entrincheirarmos na nossa autorreferencialidade e pensarmos só
nas nossas necessidades".
"Mas caminhar juntos", disse ainda o
Pontífice, "ser «sinodais», é também a vocação da Igreja".
Perguntemo-nos até que ponto somos realmente
comunidades abertas e inclusivas em relação a todos; se conseguimos trabalhar
juntos, padres e leigos, a serviço do Evangelho; se temos uma atitude
acolhedora – feita não só de palavras, mas de gestos concretos – tanto para com
os distantes quanto para com todos os que se aproximam de nós, sentindo-se
inábeis por causa dos seus percursos de vida conturbada. Fazemo-los sentir
parte da comunidade, ou excluímo-los?
Francisco disse ter medo, quando vê
"comunidades cristãs que dividem o mundo em bons e maus, em santos e
pecadores". Com isso, "acaba-se por se sentir melhor que os outros e
manter fora a muitos que Deus quer abraçar". O Papa disse que é importante
"incluir sempre tanto na Igreja quanto na sociedade, ainda caraterizada
por tantas desigualdades e marginalizações. Incluir todos".
Hoje, no dia em que Scalabrini se torna santo,
gostaria de pensar nos migrantes. A exclusão dos migrantes é escandalosa.
Aliás, a exclusão dos migrantes é criminosa, faz com que morram diante de nós.
E assim, hoje temos o Mediterrâneo que é o maior cemitério do mundo. A exclusão
dos migrantes é nojenta, é pecaminosa, é criminosa. Não abrir as portas para
quem precisa... "Não os excluímos, os mandamos embora", para os
campos de concentração, onde são explorados e vendidos como escravos. Irmãos e
irmãs, hoje pensamos em nossos migrantes, aqueles que morrem e aqueles que são
capazes de entrar. Nós os recebemos como irmãos ou os exploramos? Deixo esta
pergunta.
A seguir, o Papa se deteve no aspecto: agradecer.
"No grupo dos dez leprosos, há apenas um que, ao ver-se curado, regressa
para louvar a Deus e manifestar a sua gratidão a Jesus. Enquanto os outros nove
ficam purificados, mas prosseguem pelo seu caminho, esquecendo-se d’Aquele que
os curou. O samaritano faz do dom recebido o princípio de um novo caminho:
regressa para junto de Quem o sarou, vai conhecer Jesus de perto, inicia uma
relação com Ele. Assim, a sua atitude de gratidão não é um simples gesto de
cortesia, mas o início de um percurso de gratidão: prostra-se aos pés de
Cristo, isto é, faz um gesto de adoração, reconhecendo que Jesus é o Senhor e
que é mais importante do que a cura recebida".
Esta é uma grande lição também para nós, que todos
os dias nos beneficiamos dos dons de Deus, mas frequentemente prosseguimos pela
nossa estrada esquecendo-nos de cultivar uma relação viva com Ele. Trata-se de
uma grave doença espiritual: dar tudo como garantido, inclusive a fé, mesmo a
nossa relação com Deus, a ponto de nos tornarmos cristãos que deixaram de se
maravilhar, já não sabem dizer «obrigado», não se mostram agradecidos, não
sabem ver as maravilhas do Senhor. E acaba-se, assim, por pensar que tudo o que
recebemos diariamente seja óbvio e devido. Ao contrário, a gratidão, o saber
dizer «obrigado» nos leva a afirmar a presença de Deus-amor e também a
reconhecer a importância dos outros, vencendo o descontentamento e a
indiferença que nos embrutecem o coração.
"É fundamental saber agradecer", reiterou
o Papa. "Devemos diariamente dar graças ao Senhor, sabermos em cada dia
agradecer uns aos outros: na família, por aquelas pequenas coisas que às vezes
recebemos sem nos interrogar sequer de onde provêm; nos locais que frequentamos
quotidianamente, pelos inúmeros serviços de que usufruímos e pelas pessoas que
nos apoiam; nas nossas comunidades cristãs, pelo amor de Deus que
experimentamos através da proximidade de irmãos e irmãs que muitas vezes em
silêncio rezam, oferecem, sofrem, caminham conosco. Por favor, não esqueçamos
esta palavra-chave: obrigado", sublinhou Francisco.
Os dois Santos, canonizados hoje, nos lembram a
importância de caminhar juntos e saber agradecer. O Bispo Scalabrini, que
fundou uma Congregação para o cuidado dos migrantes, duas: uma masculina e
outra feminina, afirmava que, no caminhar comum daqueles que emigram, é preciso
não ver só problemas, mas também um desígnio da Providência: «Precisamente por
causa da migração forçada pelas perseguições – disse ele –, a Igreja superou as
fronteiras de Jerusalém e de Israel e tornou-se “católica”; graças às migrações
de hoje, a Igreja será instrumento de paz e comunhão entre os povos». Há
uma migração, neste momento, aqui na Europa, que nos faz sofrer muito e nos
leva a abrir nossos corações: a migração de ucranianos que fogem da guerra. Não
nos esqueçamos hoje da martirizada Ucrânia. Scalabrini olhava mais
além, olhava lá para diante, para um mundo e uma Igreja sem barreiras, sem
estrangeiros. Por sua vez, o irmão salesiano Artemide Zatti foi um exemplo vivo
de gratidão: curado da tuberculose, dedicou toda a sua vida a favorecer os
outros, a cuidar com amor e ternura dos doentes. Conta-se que o viram carregar
aos ombros o corpo morto dum dos seus doentes. Cheio de gratidão por tudo o que
havia recebido, quis dizer o seu «obrigado» ocupando-se das feridas dos outros.
O
Papa concluiu, convidando a rezar "para que estes nossos santos irmãos nos
ajudem a caminhar juntos, sem muros de divisão; e a cultivar esta nobreza de
alma tão agradável a Deus que é a gratidão".
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