"Todos nós, como Igreja, precisamos de cura: ser curados da tentação de nos fecharmos em nós mesmos, de escolhermos a defesa da instituição em vez da busca da verdade, de preferirmos o poder mundano ao serviço evangélico”: palavras do Papa ao realizar um dos gestos mais simbólicos de sua visita ao Canadá, presidindo à peregrinação ao Lago de Santa Ana.
Vatican News – Bianca Fraccalvieri
A terça-feira do Papa Francisco no Canadá se
encerrou realizando uma das etapas mais significativas de sua viagem apostólica:
a peregrinação ao lago de Santa Ana, a cerca de 70 Km de Edmonton.
No dia em que a Igreja celebra a memória litúrgica
dos avós de Jesus, o Pontífice presidiu à Liturgia da Palavra no local que é
meta de uma tradicional peregrinação católica desde o final do século XIX.
Todos os anos, milhares de peregrinos oriundos do norte dos Estados Unidos e do
Canadá se dirigem ao lago para se banharem nas águas consideradas sagradas e
milagrosas.
Os povos nativos o denominaram “Lago de Deus” e
“Lago do Espírito”, mas foi um sacerdote católico, dos Oblatos de Maria
Imaculada, a estabelecer a primeira missão e batizar o local como “Lago de
Sant’a na”. A primeira peregrinação foi organizada pelo Oblatos em 1889 e desde
então, na semana do dia 26 de julho, festa de Santa Ana, se tornou um dos
encontros mais importantes da região.
A igreja original foi destruída por um incêndio em
1928 e reconstruída em 2009. Ali, o Pontífice foi acolhido pelo pároco, pelo
sacerdote encarregado das peregrinações e por alguns fiéis. A bordo de um
veículo elétrico, Francisco passou ao lado da imagem de Santa Ana, acompanhado
pelos sons tradicionais dos tambores. Às margens do lago, fez o sinal da cruz
direcionado aos pontos cardeais, segundo o costume indígena, e abençoou as
águas do lago.
Revolução sem mortos nem feridos
Em sua homilia, o Papa evocou outro lago, que nos
remete às “fontes da fé”, que é o Mar da Galileia, onde Jesus pregou o Reino de
Deus. Mas não só, ali o Mestre anunciou algo revolucionário: «oferecei a outra
face, amai os inimigos». O lago “tornou-se a sede de um inaudito anúncio
de fraternidade; de uma revolução sem mortos nem feridos, a revolução do
amor”.
Por isso, as águas de Santa Ana nos recordam que “a
fraternidade é verdadeira se une os distantes, que a mensagem de unidade que o
Céu envia à terra não teme as diferenças e convida-nos à comunhão, a recomeçar
juntos, porque todos somos peregrinos a caminho”.
Às margens do lago, o Pontífice levou "a nossa
aridez e as nossas fadigas", os traumas das violências sofridas pelos
nossos irmãos e irmãs indígenas e os terríveis efeitos da colonização, a dor
indelével de tantas famílias, avós e crianças.
Mães e avós ajudam a sarar as feridas
Francisco fez uma menção ao papel vital das
mulheres nas comunidades indígenas e recordou de sua própria avó, de quem
recebeu o primeiro anúncio da fé e aprendeu como se transmite o Evangelho,
mediante a ternura e a sabedoria da vida. “Sim, porque as mães e as avós ajudam
a sarar as feridas do coração.”
Se na América Latina foi Nossa Senhora de Guadalupe
que transmitiu a reta fé aos indígenas durante “a tragédia da conquista”, no
Canadá esta "inculturação materna" deu-se por obra de Santa Ana,
unindo a beleza das tradições indígenas à da fé e plasmando-as com a sabedoria
de uma avó, que é mãe duas vezes.
De fato, a dor da comunidade indígena é porque as
avós indígenas foram impedidas de transmitir a fé na sua língua e na sua
cultura. "Uma tragédia", definiu o Papa.
Por isso, todos nós, como Igreja, precisamos de
cura: precisamos “ser curados da tentação de nos fecharmos em nós mesmos, de
escolhermos a defesa da instituição em vez da busca da verdade, de preferirmos
o poder mundano ao serviço evangélico”.
O clamor dos últimos
É hora também de ouvir os gritos dos últimos: o
clamor dos idosos, que correm o risco de morrer sozinhos, o grito de
adolescentes, que delegam a sua liberdade a um celular ou às dependências. E
nos questionar: somos capazes de responder a esses gritos? Ao grito das
periferias e dos indígenas.
“Queridos
irmãos e irmãs indígenas, vim como peregrino também para lhes dizer quão
preciosos são para mim e para a Igreja. Desejo que a Igreja esteja tão unida.
Que o Senhor nos ajude a avançar no processo de cura, rumo a um futuro sempre
mais sadio e renovado.”
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