A 59ª Assembleia Geral da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) aprovou a tradicional Mensagem
ao Povo Brasileiro. O texto apresenta “uma mensagem de fé, esperança e corajoso
compromisso com a vida e o Brasil”. Os bispos lembraram da solidariedade
para a superação da pandemia, agradeceram às famílias e agentes educativos pelo
cuidado no campo da educação e dedicaram reflexões sobre a realidade do país,
cujo quadro atual “é gravíssimo”. Para os bispos, “o Brasil não vai bem!”.
Diante
da complexa e sistêmica crise ética, econômica, social e política, a CNBB espera que os governantes “promovam grandes e urgentes
mudanças, em harmonia com os poderes da República, atendo-se aos princípios e
aos valores da Constituição de 1988”.
A
mensagem também aborda o processo eleitoral deste ano, envolto “de incertezas e
radicalismos, mas, potencialmente carregado de esperança”. Também chama atenção
para as ameaças ao pleito, além de reforçar um apelo pela democracia
brasileira.
“Conclamamos toda a sociedade brasileira a participar das eleições
e a votar com consciência e responsabilidade, escolhendo projetos representados
por candidatos e candidatas comprometidos com a defesa integral da vida,
defendendo-a em todas as suas etapas, desde a concepção até a morte natural.
Que também não negligenciem os direitos humanos e sociais, e nossa casa comum
onde a vida se desenvolve”
Ao
final do texto, os bispos convidam a todos, particularmente a juventude, “a
deixarem-se guiar pela esperança e pelo desejo de uma sociedade justa e
fraterna”.
Confira
o texto na íntegra:
P – Nº. 0099/22
MENSAGEM AO POVO BRASILEIRO
59ª. Assembleia Geral da CNBB
“A esperança não decepciona” (Rm 5,5).
Guiados
pelo Espírito Santo e impulsionados pela Ressurreição do Senhor, unidos ao Papa
Francisco, nós, bispos católicos, em comunhão e unidade, reunidos para a
primeira etapa da 59ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil-CNBB, de modo on-line e com a representação de diversos organismos eclesiais,
dirigimos ao povo brasileiro uma mensagem de fé, esperança e corajoso
compromisso com a vida e o Brasil.
Enche
o nosso coração de alegria perceber a explosão de solidariedade, que tem
marcado todo o País na luta pela superação do flagelo sanitário e social da
COVID-19. A partilha de alimentos, bens e espaços, a assistência a pessoas
solitárias e a dedicação incansável dos profissionais de saúde são apenas
alguns exemplos de incontáveis ações solidárias. Gestores de saúde e agentes
públicos, diante de um cenário de medo e insegurança, foram incansáveis e
resilientes. O Sistema Único de Saúde-SUS mostrou sua fundamental importância e
eficácia para a proteção social dos brasileiros. A consciência lúcida da
necessidade dos cuidados sanitários e da vacinação em massa venceu a negação de
soluções apresentadas pela ciência. Contudo, não nos esquecemos da morte de
mais de 660.000 pessoas e nos solidarizamos com as famílias que perderam seus
entes queridos, trazendo ambas em nossas preces.
Agradecemos
ainda, de modo particular às famílias e outros agentes educativos, que não se
descuidaram da educação das crianças, adolescentes, jovens e adultos, apesar de
todas as dificuldades. Com certeza, a pandemia teria consequências ainda mais
devastadoras, se não fosse a atuação das famílias, educadores e pessoas de boa
vontade, espírito solidário e abnegado. A Campanha da Fraternidade 2022 nos
interpela a continuar a luta pela educação integral, inclusiva e de qualidade.
A
grave crise sanitária encontrou o nosso País envolto numa complexa e sistêmica
crise ética, econômica, social e política, que já nos desafiava bem antes da
pandemia, escancarando a desigualdade estrutural enraizada na sociedade
brasileira. A COVID-19, antes de ser responsável, acentuou todas essas crises,
potencializando-as, especialmente na vida dos mais pobres e marginalizados.
O
quadro atual é gravíssimo. O Brasil não vai bem! A fome e a insegurança
alimentar são um escândalo para o País, segundo maior exportador de alimentos
no mundo, já castigado pela alta taxa de desemprego e informalidade. Assistimos
estarrecidos, mas não inertes, os criminosos descuidos com a Terra, nossa casa
comum. Num sistema voraz de “exploração e degradação” notam-se a dilapidação
dos ecossistemas, o desrespeito com os direitos dos povos indígenas,
quilombolas e ribeirinhos, a perseguição e criminalização de líderes
socioambientais, a precarização das ações de combate aos crimes contra o meio
ambiente e projetos parlamentares desastrosos contra a casa comum.
Tudo
isso desemboca numa violência latente, explícita e crescente em nossa
sociedade. A crueldade das guerras, que assistimos pelos meios de comunicação,
pode nos deixar anestesiados e desapercebidos do clima de tensão e violência em
que vivemos no campo e nas cidades. A liberação e o avanço da mineração em
terras indígenas e em outros territórios, a flexibilização da posse e do porte
de armas, a legalização do jogo de azar, o feminicídio e a repulsa aos pobres,
não contribuem para a civilização do amor e ferem a fraternidade universal.
Diante
deste cenário esperamos que os governantes promovam grandes e urgentes
mudanças, em harmonia com os poderes da República, atendo-se aos princípios e
aos valores da Constituição de 1988, já tão desfigurada por meio de Projetos de
Emendas Constitucionais. Não se permita a perda de direitos dos trabalhadores e
dos pobres, grande maioria da população brasileira. A lógica do confronto que
ameaça o estado democrático de direito e suas instituições, transforma
adversários em inimigos, desmonta conquistas e direitos consolidados, fomenta o
ódio nas redes sociais, deteriora o tecido social e desvia o foco dos desafios
fundamentais a serem enfrentados.
Nesse
contexto, iremos este ano às urnas. O cenário é de incertezas e radicalismos,
mas, potencialmente carregado de esperança. Nossas escolhas para o Executivo e
o Legislativo determinarão o projeto de nação que desejamos. Urge o exercício
da cidadania, com consciente participação política, capaz de promover a “boa
política”, como nos diz o Papa Francisco. Necessitamos de uma política salutar,
que não se submeta à economia, mas seja capaz de reformar as instituições,
coordená-las e dotá-las de bons procedimentos, como as conquistas da Lei da
Ficha Limpa, Lei Complementar 135 de 2010, que afasta do pleito eleitoral
candidatos condenados em decisões colegiadas, e da Lei 9.840 de 1999, que
criminaliza a compra de votos. Não existe alternativa no campo democrático fora
da política com a ativa participação no processo eleitoral.
Tentativas
de ruptura da ordem institucional, hoje propagadas abertamente, buscam colocar
em xeque a lisura do processo eleitoral e a conquista irrevogável do voto.
Tumultuar o processo político, fomentar o caos e estimular ações autoritárias
não são, em definitivo, projeto de interesse do povo brasileiro. Reiteramos
nosso apoio às Instituições da República, particularmente aos servidores
públicos, que se dedicam em garantir a transparência e a integridade das
eleições.
Duas
ameaças merecem atenção especial. A primeira é a manipulação religiosa,
protagonizada tanto por alguns políticos como por alguns religiosos, que coloca
em prática um projeto de poder sem afinidade com os valores do Evangelho de
Jesus Cristo. A autonomia e independência do poder civil em relação ao
religioso são valores adquiridos e reconhecidos pela Igreja e fazem parte do
patrimônio da civilização ocidental. A segunda é a disseminação das fake news, que através da mentira e do ódio, falseia a realidade.
Carregando em si o perigoso potencial de manipular consciências, elas modificam
a vontade popular, afrontam a democracia e viabilizam, fraudulentamente,
projetos orquestrados de poder. É fundamental um compromisso autêntico com a
verdade e o respeito aos resultados nas eleições. A democracia brasileira,
ainda em construção, não pode ser colocada em risco.
Conclamamos
toda a sociedade brasileira a participar das eleições e a votar com consciência
e responsabilidade, escolhendo projetos representados por candidatos e
candidatas comprometidos com a defesa integral da vida, defendendo-a em todas
as suas etapas, desde a concepção até a morte natural. Que também não
negligenciem os direitos humanos e sociais, e nossa casa comum onde a vida se
desenvolve. Todos os cristãos somos chamados a preocuparmo-nos com a construção
de um mundo melhor, por meio do diálogo e da cultura do encontro, na luta pela
justiça e pela paz.
Agradecemos
os muitos gestos de solidariedade de nossas comunidades, por ocasião da
pandemia e dos desastres ambientais. Encorajamos as organizações e os
movimentos sociais a continuarem se unindo em mutirão pela vida, especialmente
por terra, teto e trabalho. Convidamos a todos, irmãos e irmãs, particularmente
a juventude, a deixarem-se guiar pela esperança e pelo desejo de uma sociedade
justa e fraterna. Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, obtenha de Deus
as bênçãos para todos nós.
Brasília
– DF, 29 de abril de 2022.
Dom Walmor Oliveira de
Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte – MG
Presidente da CNBB
Dom Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre, RS
1º Vice-Presidente
Dom Mário Antônio da Silva
Bispo de Roraima, RR
2º Vice-Presidente
Dom Joel Portella Amado
Bispo auxiliar do Rio de Janeiro, RJ
Secretário-Geral
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