Francisco recebeu em audiência, no Vaticano, o corpo diplomático acreditado junto à Santa Sé para os tradicionais votos de Ano Novo. Num mundo marcado pela pandemia, o Papa defendeu a vacinação: não são “instrumentos mágicos de cura”, mas “a solução mais razoável para a prevenção do coronavírus”.
Bianca Fraccalvieri – Vatican News
Pandemia, migração e mudanças climáticas: para o
Papa Francisco, são estes os principais desafios que a humanidade deve
enfrentar hoje.
Ao receber os embaixadores acreditados junto à
Santa Sé, o Pontífice pronunciou um dos discursos mais tradicionais do ano, em
que analisa a conjuntura internacional.
Diante
de diplomatas representando mais de 180 países, Francisco recordou que o
objetivo da diplomacia é “ajudar a deixar de lado os dissabores da convivência
humana, favorecer a concórdia e experimentar como, superando as areias
movediças da conflitualidade, podemos redescobrir o sentido da unidade profunda
da realidade”.
Vacinas: solução mais razoável
Hoje, esta
unidade profunda é colocada à dura prova pela pandemia, que fez vítimas
inclusive entre o corpo diplomático, como o “saudoso Arcebispo Aldo Giordano,
Núncio Apostólico”.
O Papa
pediu que prossiga o esforço para imunizar o máximo possível a população
mundial, não obstante a desigualdade no acesso às vacinas. Estas, afirmou, não
são “instrumentos mágicos de cura”, mas “a solução mais razoável para a
prevenção do coronavírus” e é preciso deixar de lado as “fake news” e o embate
ideológico:
“Todos temos a
responsabilidade de cuidar de nós próprios e da nossa saúde, o que se traduz
também no respeito pela saúde de quem vive ao nosso lado. O cuidado da saúde
constitui uma obrigação moral.”
Vencer
a indiferença
Apesar das
restrições, em 2021 foram retomadas as audiências a chefes de Estado no
Vaticano, bem como as viagens apostólicas internacionais. O Pontífice mencionou
o encontro de reflexão e oração pelo Líbano, e as visitas a Iraque, Budapeste,
Eslováquia, Chipre e Grécia.
Ao
recordar a etapa na ilha de Lesbos, falou do drama da migração e da necessidade
de vencer a indiferença.
“Diante
destes rostos, não podemos permanecer indiferentes, nem se pode entrincheirar
atrás de muros e arame farpado a pretexto de defender a segurança ou um estilo
de vida.”
Não se
trata apenas de um problema da Europa, mas diz respeito também à África e Ásia,
como demonstra o êxodo de refugiados sírios, afegãos e os inúmeros
latino-americanos, sobretudo haitianos.
Direito
à vida e à liberdade religiosa
Contudo,
diante de desafios globais, as soluções tendem a ser cada vez mais
fragmentadas, constatou Francisco, apontando para uma crise de confiança das
instituições. “Pelo contrário, é preciso recuperar o sentido da nossa
identidade comum de uma única família humana.”
Mais uma
vez, alertou para os perigos da colonização ideológica e do pensamento único e
reafirmou a existência de valores permanentes, como o direito à vida “desde a
concepção até ao fim natural”, e o direito à liberdade religiosa.
O cuidado
da nossa Casa Comum constitui o terceiro desafio planetário. Diante de uma
contínua e indiscriminada exploração dos recursos, é preciso encontrar soluções
comuns e colocá-las em prática. “Ninguém pode eximir-se deste esforço, pois
interessa e envolve igualmente a todos.”
Para
Francisco, a timidez demonstrada na COP26 deve ser superada na COP27, prevista
para novembro próximo no Egito.
Conflitos
intermináveis
Mas além
das crises globais, há aquelas regionais, que se tornaram “conflitos
intermináveis, que por vezes assumem a fisionomia de verdadeiras e próprias
guerras por procuração (proxy
wars)”. São elas: Síria, Iêmen, Terra Santa, Líbia, Sudão, Sudão do Sul,
Etiópia, Cáucaso e Myanmar.
No caso da
América, a análise do Pontífice foi sagaz:
“As desigualdades profundas,
as injustiças e a corrupção endêmica, assim como as várias formas de pobreza
que ofendem a dignidade das pessoas, continuam a alimentar conflitos sociais
também no continente americano, onde as polarizações cada vez mais fortes não ajudam
a resolver os problemas reais e urgentes dos cidadãos, sobretudo dos mais
pobres e vulneráveis.”
Todos os
conflitos são favorecidos pela abundância de armas à disposição. Citando Paulo
VI, recordou que quem possui armas acaba mais cedo ou mais tarde por usá-las,
porque, “não se pode amar com armas ofensivas nas mãos”.
Dentre as
armas que a humanidade produziu, causam particular preocupação as armas
nucleares, disse o Papa, reiterando a posição contrária da Santa Sé: “A sua
posse é imoral”.
Jamais
abdicar da responsabilidade de educar
Convencido
de que “diálogo e fraternidade são os dois focos essenciais para superar as
crises do momento presente”, o Santo Padre concluiu repropondo dois elementos
da mensagem para o Dia
Mundial da Paz 2022: educação e trabalho. E manifestou sua dor diante
dos abusos cometidos em centros educativos, como paróquias e escolas e a
necessidade de justiça.
“Não
obstante a gravidade de tais atos, nenhuma sociedade pode jamais abdicar da
responsabilidade de educar.”
Ao se
despedir dos embaixadores, Francisco citou o profeta Jeremias, que lembra que
Deus tem para nós “desígnios de prosperidade e não de calamidade”.
“Por isso,
não devemos ter medo de abrir espaço para a paz na nossa vida, cultivando o
diálogo e a fraternidade entre nós. A paz é um bem ‘contagioso’, que se propaga
a partir do coração de quantos a desejam e aspiram a vivê-la abraçando o mundo
inteiro.”
*
A Santa Sé
mantém relações diplomáticas com 183 países. A estes se acrescentam a União
Europeia e a Soberana Militar Ordem de Malta.
Fonte: Vatican News
Nenhum comentário:
Postar um comentário