Em um diálogo com
jornalistas em seu voo de regresso da Grécia, Francisco falou sobre a viagem,
os migrantes, a fraternidade com os ortodoxos e o caso da renúncia do arcebispo
de Paris Aupetit, vítima de "fofocas"
VATICAN
NEWS
"O
documento da União Europeia (EU) sobre o Natal é um anacronismo" da
"laicidade liquefata". Isto foi dito pelo Papa Francisco ao responder
às perguntas dos jornalistas durante o voo de volta a Roma no final de sua
viagem a Chipre e Grécia.
Costandinos
Tsindas (CYBC):
Santidade,
suas importantes observações sobre o diálogo inter-religioso tanto em Chipre
quanto na Grécia suscitaram expectativas desafiadoras internacionalmente. Dizem
que pedir perdão é a coisa mais difícil de se fazer. O senhor o fez de forma
espetacular. Mas o que o Vaticano pretende fazer para unir o cristianismo
católico e ortodoxo? Está previsto um Sínodo? Junto com o Patriarca Ecumênico
Bartolomeu, o senhor pediu a todos os cristãos que celebrassem em 2025 os 17
séculos do primeiro Sínodo Ecumênico de Niceia. Quais são os passos em frente
neste processo? Por fim, a questão do documento da UE sobre o Natal" ...
Sim,
obrigado. Pedi perdão, pedi perdão na frente de Ieronymos, meu irmão Ieronymos,
pedi perdão por todas as divisões que existem entre os cristãos, mas sobretudo
(por) aquelas que provocamos: os católicos. Também quis pedir perdão, pensando
na guerra pela independência - Ieronymos me apontou isso - alguns católicos se
colocaram do lado dos governos europeus para impedir a independência grega. Por
outro lado, nas ilhas, os católicos das ilhas apoiaram a independência, foram até
para a guerra, alguns deles deram suas vidas pela pátria. Mas o centro -
digamos - naquele momento estava do lado da Europa. Eu não sei qual
governo de lá, e também o pedido de perdão pelo escândalo da divisão, pelo
menos por aquilo que somos culpados.
O
espírito de autossuficiência – nos cala a boca quando ouvimos que devemos pedir
desculpas - sempre me faz pensar que Deus nunca se cansa de perdoar, nunca,
nunca... Somos nós que nos cansamos de pedir perdão, e quando não pedimos
perdão a Deus, dificilmente pediremos perdão aos nossos irmãos. É mais difícil
pedir perdão a um irmão do que a Deus, porque sabemos que ele diz: "Sim,
vá, vá, você está perdoado". Ao invés com os irmãos... há vergonha e
humilhação... Mas no mundo de hoje precisamos da atitude de humilhação e de
pedir desculpas. Tantas coisas estão acontecendo no mundo, tantas vidas
perdidas, tantas guerras... Por que não pedimos desculpas?
Voltando
a isto, que eu queria pedir desculpas pelas divisões, pelo menos por aquelas
que causamos. As outras (são) os responsáveis que peçam por isso, mas (pelas)
nossas peço desculpas, e também por aquele episódio da guerra em que parte dos
católicos se colocou do lado do governo europeu, e os das ilhas foram para a
guerra para defender... não sei se é suficiente...
E
também um último pedido de desculpas - este veio do meu coração - um pedido de
desculpas pelo escândalo do drama dos migrantes, pelo escândalo de tantas vidas
afogadas no mar, e assim por diante.
Sim,
nós somos um só rebanho, é verdade. E fazer esta divisão - clero e leigos - é
uma divisão funcional, sim, de qualificações, mas há uma unidade, um único
rebanho. E a dinâmica entre as diferenças dentro da Igreja é a sinodalidade:
isto é, escutar uns aos outros, e caminhar juntos. Syn odòs: seguir em frente
juntos. Este é o significado de sinodalidade: que suas Igrejas Ortodoxas, mesmo
as Igrejas Católicas Orientais, preservaram isso. Por outro lado, a Igreja
Latina havia esquecido o Sínodo, e foi São Paulo VI quem restabeleceu o caminho
sinodal 54, 56 anos atrás. E estamos fazendo um caminho para entrar no hábito
da sinodalidade, de caminhar juntos.
O
senhor se refere ao documento da União Européia sobre o Natal... isto é um
anacronismo. Na história, muitas, muitas ditaduras tentaram fazer isso. Pense
em Napoleão: a partir daí... Pense na ditadura nazista, a comunista... é uma
moda de laicidade liquefata, água destilada... Mas isto é algo que não
funcionou durante a história. Mas isto me faz pensar em algo, falando sobre a
União Europeia, que acredito ser necessário: a União Europeia deve tomar em
mãos os ideais dos Pais fundadores, que eram ideais de unidade, de grandeza, e
ter cuidado para não dar lugar à colonizações ideológicas. Isto poderia levar à
divisão dos países e ao fracasso da União Europeia. A União Europeia deve
respeitar cada país como ele está estruturado dentro. A variedade de países, e
não querer padronizar. Acredito que não o fará, não era sua intenção, mas ter
cuidado, porque às vezes eles vêm e propõem projetos como este e não sabem o
que fazer, não sei, me faz lembrar... Não, cada país tem sua peculiaridade, mas
cada país está aberto aos outros. União Europeia: sua soberania, soberania dos
irmãos em uma unidade que respeita a singularidade de cada país. E tomar
cuidado para não ser veículos de colonizações ideológicas. É por isso que o
documento do Natal é um anacronismo.
Iliana
Magra (Kathimerini):
Santo
Padre, obrigada por sua visita à Grécia. O senhor falou no palácio presidencial
de Atenas sobre o fato de que a democracia está regredindo, particularmente na
Europa. A qual nação se referia? Que diria àqueles líderes que se
professam devotos cristãos, mas, ao mesmo tempo, promovem valores e políticas
não democráticas?
A
democracia é um tesouro, um tesouro de civilidade e deve ser protegido,
protegido. E não somente protegido por uma entidade superior, mas protegido
entre os próprios países, proteger a democracia dos outros.
Eu
hoje talvez veja dois perigos contra a democracia: um é o dos populismos, que
estão um pouco aqui, um pouco ali, e começam a mostrar as garras. Eu penso num
grande populismo do século passado, o nazismo, que foi um populismo que,
defendendo os valores nacionais, assim dizia, conseguiu acabar com a vida democrática,
ou melhor, com a própria vida através da morte das pessoas e se tornou uma
ditadura cruel. Hoje, direi, porque você me perguntou sobre os governos de
direita, estejamos atentos que os governos, não digo direita ou esquerda, digo
outra coisa, atentos que os governos não caiam nesta estrada dos populismos,
dos chamados politicamente “populismos”, que não tem a ver com os popularismos,
que são a expressão livre dos povos, que se mostram com a sua identidade, o seu
folclore, os seus valores, a arte... Populismo é uma coisa [o popularismo
é outra].
De
outro lado, se enfraquece a democracia, [esta] entra num caminho em que
lentamente [se enfraquece] quando se sacrificam os valores nacionais, caem,
digamos uma palavra feia, mas não encontro outra, num “império”, numa espécie
de governo supranacional e isto é algo que deve nos fazer refletir.
Nem
cair nos populismos em que o povo, se diz o povo, mas não é o povo, mas uma
ditadura do “nós e não os outros”, pense no nazismo, nem cair numa diluição das
próprias identidades num governo internacional. A propósito, há um romance
escrito em 1903 (você dirá “que antiquado é este Papa na literatura”!) escrito
por Benson, um escritor inglês, O dono do mundo, que sonha um futuro em que um
governo internacional, com as medidas econômicas e políticas, governa todos os
outros países e quando se têm esses tipos de governo, ele explica, se perde a
liberdade e se tenta fazer uma igualdade entre todos; isto acontece quando há
uma superpotência que impõe os comportamentos econômicos, culturais, sociais
aos outros países.
O
enfraquecimento da democracia se dá pelo perigo dos populismos, que não são
popularismos, e pelo perigo dessas referências a potências internacionais
econômicas, culturais. Isto é o que me vem em mente, mas eu não sou um
cientista político, eu falo dizendo o que me parece.
Manuel
Schwarz (DPA)
A
migração não é uma questão central somente no Mediterrâneo. Também diz respeito
a outras partes da Europa. Diz respeito à Europa Oriental. Pensamos nos arames
farpados. O que espera, por exemplo, da Polônia, da Rússia? E de outros
países, como a Alemanha, o que espera de seu novo governo...
Sobre
as pessoas que impedem a migração ou fecham as fronteiras, direi o seguinte.
Atualmente está na moda levantar muros ou arame farpado ou até mesmo o arame
com concertinas (os
espanhóis sabem o que isso significa). Costuma-se fazer estas coisas para
impedir o acesso. A primeira coisa que direi é: pense no tempo em que você era
um migrante e não o deixavam entrar. Era você quem queria fugir de sua terra e
agora é você quem quer construir muros. Faz bem (pensar nisso). Porque aqueles
que constroem muros perdem o sentido da história, de sua própria história. De
quando se era escravo de outro país. Aqueles que constroem muros têm esta
experiência, pelo menos uma grande parte: a de ter sido escravo. O senhor
poderia me dizer: mas os governos têm o dever de governar. E se uma tal onda de
migrantes chega, não se pode governar. Direi o seguinte: todo governo deve
dizer claramente "eu posso receber determinada quantidade...". Porque
os governantes sabem quantos migrantes podem receber. Este é o direito deles.
Isto é verdade. Mas os migrantes devem ser acolhidos, acompanhados, promovidos
e integrados. Se um governo não pode receber mais do que um certo número, deve
entrar em diálogo com outros países, que cuidem dos outros, cada um. A União
Europeia é importante para isso. Porque pode fazer a harmonia entre todos os
governos para a distribuição de migrantes. Pensemos em Chipre, ou na Grécia. Ou
mesmo Lampedusa, a Sicília. Os migrantes chegam e não há harmonia entre todos
os países para enviá-los aqui, ali ou acolá. Esta harmonia geral está faltando.
Repito a última palavra que eu disse: integrados. Integrados. Porque se você
não integrar o migrante, este migrante terá uma cidadania de gueto. Não sei se
disse isso uma vez no avião. O exemplo que mais me impressionou foi a tragédia
de Zaventen. Os jovens que fizeram aquela catástrofe no aeroporto eram belgas,
mas filhos de imigrantes guetizados, não integrados. Se você não integra um
migrante com educação, com trabalho, com assistência, você corre o risco de ter
um guerrilheiro, alguém que depois faz essas coisas. Não é fácil acolher os
migrantes, resolver o problema dos migrantes, mas se não resolvermos o problema
dos migrantes corremos o risco de afundar a civilização, hoje, na Europa, pelo
modo como as coisas estão, por como está a nossa civilização. Não somente
naufragar no Mediterrâneo. Não, a nossa civilização. Que os representantes dos
Governos europeus cheguem a um acordo. Para mim, um modelo no passado de
integração, de acolhimento, foi a Suécia, que acolheu os migrantes
latino-americanos que fugiam das ditaduras (chilenos, argentinos, brasileiros,
uruguaios) e os integrou. Hoje, em Atenas, estive num colégio. Eu olhei. E
disse ao tradutor, mas aqui há uma macedônia de culturas. Todos estão
misturados. Usei uma expressão doméstica. Ele me respondeu: Este é o futuro da
Grécia. A integração. Crescer na integração. Isso é importante. Mas há outro
drama que quero sublinhar. É quando os migrantes, antes de chegarem, caem
nas mãos de traficantes que pegam todo o dinheiro que eles têm e os transportam
em barcos. Quando eles são mandados de volta, estes traficantes os tomam de
volta. E há no Dicastério para os migrantes filmes mostrando o que acontece nos
lugares para onde eles vão quando são mandados de volta. Assim como não podemos
simplesmente recebê-los e deixá-los, mas temos que acompanhá-los, promovê-los,
integrá-los; assim, se mando um imigrante de volta, tenho que acompanhá-lo e
promovê-lo e integrá-lo em seu país; não deixá-lo na costa líbia. Isto é uma
crueldade. Se quiserem saber mais, peçam ao Dicastério para os migrantes, que
têm estes filmes. Há também um filme de "Open arms" que mostra esta
realidade. É doloroso. A civilização é colocada em risco. É colocada em risco a
civilização.
Cecile
Chambraud (Le Monde):
Quando
chegamos na quinta-feira, soubemos que o senhor aceitou a renúncia do arcebispo
de Aueptit de Paris. Por que tanta pressa? E a propósito do relatório Sauvé
sobre os abusos: a Igreja tinha uma responsabilidade institucional e o fenômeno
tinha uma dimensão sistêmica. Qual a sua opinião sobre esta declaração e o que
ela significa para a Igreja universal?
“Começo
com a segunda pergunta. Quando esses estudos são feitos devemos estar atentos
nas interpretações que são feitas por setores de tempo. Quando se faz um estudo
sobre isso em um tempo tão longo, existe o risco de confundir a maneira de
sentir o problema de uma época 70 anos antes da outra. Eu gostaria apenas de
dizer isso como um princípio: uma situação histórica deve ser interpretada com
a hermenêutica da época, não com a nossa. Por exemplo, escravidão. Dizemos: é
brutalidade. Os abusos de 70 ou 100 anos atrás são brutalidade. Mas o modo como
a viviam, não é o mesmo de hoje. Por exemplo, no caso dos abusos na Igreja, o
comportamento era de encobrir. Uma atitude que infelizmente é usada também em
grande número de famílias, nos bairros. Nós dizemos, não, não está certo
encobrir. Mas é preciso sempre interpretar com a hermenêutica da época, não com
a nossa. Por exemplo, o famoso estudo de Indianápolis caiu por falta de uma
interpretação correta: algumas coisas eram verdadeiras, outras não. Elas se
misturavam. Setorizar ajuda. A propósito do relatório: não o li, não ouvi o
comentário dos bispos franceses. Os bispos virão encontrar-me este mês e
pedirei que me expliquem.
Quanto
ao caso Aupetit: eu me pergunto, mas o que ele fez de tão grave que teve que
renunciar? Alguém me responda, o que ele fez?
Não
o sabemos ... problema do governo ou algo assim
E se
não conhecemos a acusação não podemos condenar ... Antes de responder eu diria:
investiguem, hein, porque existe o perigo de dizer: foi condenado. Quem o condenou?
A opinião pública, o mexerico... não sabemos ... se vocês sabem o porquê digam,
do contrário não posso responder. E não sabem porque foi uma falta dele, uma
falta contra o sexto mandamento, mas não total, de pequenos carinhos e
massagens que fazia na secretária, essa é a acusação. Isso é um pecado, mas não
é dos pecados mais graves, porque os pecados da carne não são os mais graves.
Os mais graves são aqueles que têm mais angelicalidade: a soberba, o ódio.
Assim, Aupetit é um pecador, assim como eu - não sei se você se sente ...
talvez - como foi Pedro, o bispo sobre quem Jesus Cristo fundou a Igreja.
Porque a comunidade daquele tempo havia aceitado um bispo pecador, e aquele era
com pecados com tanta angelicalidade, como era negar Cristo! Porque era uma
Igreja normal, era acostumada a sempre se sentir pecadora, todos, era uma
igreja humilde. Vemos que a nossa Igreja não está habituada a ter bispo
pecador, fingimos dizer: o meu bispo é um santo ... Não, este chapéu vermelho
... somos todos pecadores. Mas quando o mexerico cresce, cresce, cresce tira a
fama de uma pessoa, não, não poderá governar porque perdeu a fama, não pelo seu
pecado, que é pecado - como o de Pedro, como o meu, como o teu - mas pelo
mexerico das pessoas. Por isso aceitei a renúncia, não sobre o altar da
verdade, mas sobre o altar da hipocrisia.
Vera
Scherbakova (Itar-Tass)
O
senhor encontrou os líderes das Igrejas Ortodoxas e disse belas palavras sobre
a comunhão e a reunificação: quando o senhor irá encontrar Kirill, quais
projetos comuns vocês têm e quais dificuldades são encontradas neste caminho?
Um
encontro com o Patriarca Kyrill está em um horizonte não distante, acredito que
na próxima semana Hilarion virá até mim para organizar um possível encontro. O
patriarca deve viajar, talvez para a Finlândia, e de qualquer forma estou
sempre disposto a ir a Moscou, para dialogar com um irmão. Para dialogar com um
irmão não existem protocolos, um irmão ortodoxo que se chama Kyrill,
Chrysostomos, Ieronymos, e quando nos encontramos não dançamos o minueto,
dizemos as coisas cara a cara, mas como irmãos. E é bom ver irmãos brigar
porque pertencem à mesma mãe, a Mãe Igreja, mas alguns estão um pouco divididos
pela herança, outros pela história que os dividiu. Mas devemos procurar
caminhar juntos, trabalhar e caminhar em unidade e para a unidade. Agradeço a
Ieronymos, a Chrysostomos e a todos os patriarcas que têm este desejo de
caminhar juntos. O grande teólogo ortodoxo Ziziulas está estudando a
escatologia e, em tom de brincadeira, disse uma vez: encontraremos a unidade no
Escaton! Ali haverá unidade. Mas é uma forma de dizer: não devemos ficar
parados esperando que os teólogos cheguem a um acordo. Aquilo que dizem que
Atenágoras disse a Paulo VI: coloquemos todos os teólogos em uma ilha para discutir
e nós vamos juntos para outro lugar. Mas isso é uma brincadeira. Que os
teólogos continuem a estudar, porque isso é bom para nós e nos leva a
compreender bem o encontrar a unidade. Mas ao mesmo tempo, seguimos em frente
juntos, rezando juntos, fazendo caridade juntos. Eu conheço por exemplo a
Suécia, que acho que a caritas luterana e católica trabalham juntas. Trabalhar
juntos e rezar juntos, isso nós podemos fazer, o resto que o façam os teólogos,
que não entendemos como se faz.
Fonte:
Vatican News
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