O
sonho de Deus de "uma humanidade sem muros de separação, libertada da
inimizade". Deus "nos chama a não nos resignarmos com um mundo
dividido, com comunidades cristãs divididas", disse o Papa em seu último
discurso em terras cipriotas.
Mariangela Jaguraba - Vatican News
A
oração ecumênica com os migrantes na Igreja paroquial de Santa Cruz, em
Nicósia, nesta sexta-feira (03/12), foi o último compromisso público do Papa
Francisco em terras cipriotas.
"Sinto uma grande
alegria por estar aqui com vocês e concluir a minha visita a Chipre com este
encontro de oração", disse Francisco, agradecendo especialmente aos jovens
migrantes pelos seus testemunhos.
Uma comunidade que encarna o sonho de Deus
Depois de ouvi-los, compreende-se melhor "a força profética
da Palavra de Deus, que diz através do apóstolo Paulo: «Já não são estrangeiros
nem migrantes, mas concidadãos dos santos e membros da casa de Deus»",
disse o Papa.
Esta
é a profecia da Igreja: uma comunidade que – com todas as suas limitações
humanas – encarna o sonho de Deus. Pois Deus também sonha, como você, Mariamie,
que vem da República Democrática do Congo e se define «cheia de sonhos». Como
você, Deus sonha um mundo de paz, onde os seus filhos vivam como irmãos e
irmãs.
O ódio poluiu as nossas relações entre cristãos
A seguir, Francisco disse que os testemunhos dos irmãos e irmãs
migrantes "são como um «espelho» para nós, comunidades cristãs".
Thamara, que vem de Sri Lanka, disse que os migrantes não são "números,
indivíduos a catalogar", mas "irmãos, amigos, fiéis, próximos uns dos
outros". Maccolins, que vem dos Camarões, disse que durante sua vida, foi
«ferido pelo ódio». "Ele
nos lembra que o ódio poluiu também as nossas relações entre cristãos. E
isto deixa marcas, marcas profundas que perduram por muito tempo. Trata-se de
um veneno, do qual é difícil desintoxicar-se. É uma mentalidade distorcida que,
em vez de nos fazer reconhecer como irmãos, faz-nos ver como adversários, como
rivais", frisou o Papa.
Caminhar do conflito para a comunhão
Rohz, proveniente do Iraque, disse que é "uma pessoa em
viagem". Segundo o Papa, ele nos lembra "que também nós somos
comunidade a caminho, caminhamos
do conflito para a comunhão.
Neste
caminho, que é longo e feito de subidas e descidas, as diferenças entre nós não
nos devem causar medo, mas sim os nossos fechamentos e preconceitos, que
impedem de nos encontrarmos verdadeiramente e de caminharmos juntos. Os
fechamentos e os preconceitos reconstroem entre nós aquele muro de separação
que Cristo derrubou, ou seja, a inimizade.
"Jesus vem ao nosso encontro com o rosto do irmão
marginalizado e descartado; com o rosto do migrante desprezado, repelido,
engaiolado, mas também do migrante que está em viagem rumo a algo, rumo a uma
esperança, rumo a uma convivência mais humana", disse ainda Francisco.
Uma humanidade sem muros de separação
Segundo o Papa, Deus "nos chama também a não nos
resignarmos com um mundo dividido, com comunidades cristãs divididas, mas a caminhar
na história atraídos pelo sonho de Deus: uma humanidade sem muros de separação,
libertada da inimizade, sem mais estrangeiros, mas apenas
concidadãos".
Francisco concluiu, desejando que esta ilha, "marcada por
uma dolorosa divisão", possa "se tornar com a graça de Deus um
laboratório de fraternidade", onde o sonho de Deus "se traduza numa
viagem diária, feita de passos concretos, do conflito à comunhão, do ódio ao
amor, da fuga ao encontro".
Verdadeiros campos de concentração diante de nossos olhos
"A coisa pior coisa é que estamos nos acostumando a isto:
'Ah, hoje, sim, um barco afundou, tantas pessoas desaparecidas'. Mas este
hábito é uma doença grave e não há antibiótico contra essa doença. Devemos
combater este vício de nos acostumarmos com as tragédias que vemos na televisão
e outros meios de comunicação. Olhando para vocês, penso em tantos que tiveram
que voltar porque foram rejeitados e acabaram nos lagers, verdadeiros campos de
concentração, onde as mulheres são vendidas, os homens escravizados e
torturados". "Muitas vezes", disse ainda Francisco, interrompido
pelos aplausos, "nos perguntamos como foi possível que os campos de
concentração do século passado tenham sido construídos, mas o mesmo acontece
hoje nas costas vizinhas...".
"Ouvi alguns testemunhos sobre isso: lugares de tortura, de
venda de pessoas, digo isto porque é minha responsabilidade ajudar a abrir os
olhos", frisou o Papa.
“A migração forçada não é um
hábito quase turístico, por favor! O pecado que temos dentro de nós nos faz
pensar assim: "Pobres pessoas, pobres!" Com os "pobres
pessoas", cancelamos tudo. É o sofrimento de irmãos e irmãs que não
podemos calar. Aqueles que deram tudo o que tinham para entrar num barco à
noite, sem saber se chegariam. E depois muitos que acabaram em campos de
concentração, lugares de confinamento e escravidão. Esta é a história desta
civilização desenvolvida que chamamos de Ocidente.”
O arame farpado, guerra de ódio
Uma última palavra, o Papa diz que não pode ficar calado: “O
arame farpado ... Aqui vejo um. Esta é uma guerra de ódio que vive um país. Os
arames farpados em outras partes são feitos para impedir a entrada do
refugiado. Quem vem pedir liberdade, pão, ajuda, fraternidade, alegria, quem
foge do ódio encontra-se diante de um ódio que se chama arame farpado. Que o
Senhor desperte a consciência de todos nós diante destas coisas. Desculpem-me
se eu disse as coisas como são, mas não podemos ficar calados".
Fonte:
Vatican News
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