Tristeza
pelas feridas sofridas, mas também gratidão pela coragem da denúncia. É o que
Francisco expressa à luz dos dados coletados em dois anos e meio de
investigação e apresentados esta terça-feira (05/10) em Paris pela Comissão
independente sobre os abusos sexuais em menores na Igreja francesa: 216 mil
vítimas de padres e religiosos católicos desde 1950. O núncio apostólico, dom
Celestino Migliore, também participou da coletiva de imprensa
Vatican News
As vítimas e a Igreja na França estão hoje no
coração do Papa, repleto de tristeza por causa de uma "terrível
realidade". Esta terça-feira (05/10), ao término da apresentação do
Relatório em Paris, fruto de mais de dois anos de trabalho, o diretor da Sala de
Imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni, comunicou que Francisco, que dias atrás se
encontrou com os bispos da França em visita ad limina, havia sido informado do
fato.
"Seu pensamento dirige-se primeiramente para
as vítimas, com grande tristeza, por suas feridas, e gratidão, por sua coragem
em denunciar, e para a Igreja na França, para que, consciente desta terrível
realidade, unida ao sofrimento do Senhor por seus filhos mais vulneráveis,
possa empreender um caminho de redenção."
As vítimas estão novamente no centro da oração do
Papa. Em sua oração, Francisco confiou ao Senhor o "povo de Deus na
França", particularmente as vítimas, "a fim de que lhes conceda
conforto e consolo e para que através da justiça se possa alcançar o milagre da
cura".
As palavras e a oração vêm assim no final de uma
manhã delicada e difícil. Conforme anunciado à imprensa, o Relatório em sua
totalidade é extenso e detalhado. O trabalho dos 21 membros da Comissão
independente designada pelos bispos e religiosos da França foi árduo e intenso.
Na abertura da coletiva de imprensa, o presidente da comissão, Jean-Marc Sauvé,
citou uma carta de uma vítima para dizer que o que surgiu em quase dois anos e
meio pode às vezes ser "desestabilizador e desencorajador", mas dá
esperança "de um novo início", de "outra relação" com esta
história de dor. Uma "clima humano", sublinhou um membro da Comissão,
caracterizou a escuta das vítimas - um aspecto central na elaboração do
relatório - lembrando em particular as "lágrimas de uma mulher de 70
anos" e a "raiva de uma mulher". Escuta, portanto, antes de ser
uma investigação de especialistas.
François Devaux, vítima do padre Preynat na
Arquidiocese de Lyon e cofundador da associação La Parole Libérée, falou em
nome das vítimas de abusos. Seu discurso foi cheio de sofrimento e raiva, mas
também de gratidão pelo trabalho da Comissão, que ele descreveu como um
"sacrifício pelo bem comum". "É do inferno que vocês, os membros
da Comissão, voltaram", disse ele, pedindo à Igreja reformas profundas,
expressando seu sentimento de traição pelos silêncios e pelas "disfunções
sistêmicas" que enfrentou em sua dolorosa luta.
Os números assustadores
O Relatório, baseado em testemunhos, pesquisas e
dados de arquivo, é muito detalhado - como explicou o presidente Sauvè - mas
não pretende ser exaustivo. Conforme anunciado à imprensa nos últimos dias, a
Comissão estimou em 2.900 a 3.200 o número de padres e religiosos envolvidos em
crimes de pedofilia na França entre 1950 e 2020. Mas a avaliação é parcial. Uma
pesquisa nacional dá conta de que um total de 216 mil pessoas na França hoje
(com uma margem de erro de 50 mil) foram abusadas por padres e religiosos
católicos. Se forem incluídas as agressões cometidas por leigos (sobretudo nas
escolas), esta estimativa sobe para 330 mil pessoas.
Jean-Marc Sauvé explicou que, na sociedade francesa
como um todo, cinco milhões e meio de pessoas (14,5% das mulheres e 6,4% dos
homens) haviam sofrido violência sexual antes dos 18 anos de idade. As famílias
e amigos ainda são os principais contextos, mas a prevalência de agressões na
Igreja católica continua alta, mesmo em tempos recentes, e 80% desses abusos
envolvem meninos.
O apelo por uma "ação
vigorosa"
Denunciando a mentalidade corporativista da Igreja
católica, que há muito procurava encobrir esses casos (em particular fazendo do
silêncio das vítimas uma condição para a indenização), Jean-Marc Sauvé apelou,
portanto, para uma "ação vigorosa", incluindo o reconhecimento de
atos passados, e medidas preventivas na formação e no discernimento vocacional.
O relatório também fez 45 recomendações específicas, incluindo um
fortalecimento dos mecanismos de controle interno, uma melhor definição do
papel do bispo para evitar que ele seja tanto juiz quanto parte em causa, e um
melhor envolvimento dos leigos no governo da Igreja.
Chamando a um "trabalho de verdade, perdão e
reconciliação", o presidente Sauvé também enfatizou que a Igreja católica
é "um componente essencial da sociedade" e deve trabalhar para
"restabelecer uma aliança que foi danificada". "Nossa esperança
não pode e não será destruída. A Igreja pode e deve fazer tudo para restaurar o
que foi danificado e reconstruir o que foi rompido", concluiu, destacando
a coragem das vítimas.
A reação da Igreja
Dor e vergonha na reação da Igreja: os bispos e
religiosos que encomendaram o Relatório estiveram presentes na coletiva de
imprensa. Em seu discurso, o arcebispo de Reims e presidente da Conferência
Episcopal (CEF), dom Éric de Moulins-Beaufort, reconheceu a extensão
"assustadora" da violência na Igreja. A voz das vítimas "nos
choca, nos impressiona", reconheceu ele, elogiando em particular a
franqueza e as "verdadeiras palavras" de François Devaux. O
presidente da CEF prometeu que os bispos dedicariam o tempo necessário para
estudar o relatório e tirar conclusões a partir dele, em particular durante sua
assembleia plenária em novembro.
Por
sua vez, a presidente da Conferência das Religiosas da França (CORREF), Irmã
Véronique Margron, expressou sua "tristeza infinita" e "vergonha
absoluta" perante os "crimes contra a humanidade do sujeito íntimo,
crente e amoroso". As 45 recomendações são um "sinal de exigente
confiança na Igreja", que terá de trabalhar com as outras instituições.
Fonte:
Vatican News
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