A Santa Sé divulgou, nesta
terça-feira, 22 de junho, a Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial dos
Avós e dos Idosos, que será celebrado no próximo dia 25 de julho. Dirigindo-se
aos avós e idosos de todo o mundo, o Papa inclui-se entre os que recebem a
promessa de Jesus que dá o tom das reflexões para essa primeira jornada: “Eu
estou contigo todos os dias”.
Sim, a ti!
«Eu estou contigo todos os dias» são também as palavras que eu, Bispo de Roma e
idoso como tu, gostaria de te dirigir por ocasião deste primeiro Dia
Mundial dos Avós e dos Idosos: toda a Igreja está solidária contigo – ou
melhor, conosco –, preocupa-se contigo, ama-te e não quer deixar-te abandonado.
Francisco
recorda que a mensagem chega aos idosos e avós do mundo inteiro num tempo difícil.
A pandemia foi uma dura provação e reservou um tratamento mais duro aos idosos.
Muitos adoeceram – outros partiram – perderam cônjuges, entes queridos,
enfrentaram a solidão.
“O Senhor
conhece cada uma das nossas tribulações deste tempo. Ele está junto de quantos
vivem a dolorosa experiência de ter sido afastado; a nossa solidão – agravada
pela pandemia – não O deixa indiferente”, garantiu Francisco.
Visita
de um anjo
Citando o
exemplo de São Joaquim, contado numa tradição, que, afastado da comunidade,
recebe a visita de um anjo enviado pelo Senhor, o Papa aponta o
sentido deste Dia Mundial que ele quis celebrar pela primeira vez
precisamente depois dum longo isolamento e com uma retomada ainda lenta da vida
social: “oxalá cada avô, cada idoso, cada avó, cada
idosa – especialmente quem dentre vós está mais sozinho – receba a visita de um
anjo!“.
Este anjo,
continua, algumas vezes, terá o rosto dos nossos netos; outras vezes, dos
familiares, dos amigos de longa data ou conhecidos precisamente neste momento
difícil. “Neste período, aprendemos a entender como são importantes, para cada
um de nós, os abraços e as visitas, e muito me entristece o fato de as mesmas
não serem ainda possíveis em alguns lugares”, pondera. O Brasil, por conta da
lentidão na vacinação, pode ser um desses lugares em que ainda haverá
dificuldades para promover encontros seguros com os idosos.
A visita do
anjo também pode ser através da Palavra de Deus. O Papa motiva que se leia a
cada dia uma página do Evangelho, que se reze com os Salmos, se leia os
Profetas. “Ficaremos comovidos com a fidelidade do Senhor”, garante.
Ide
e fazei discípulos
Francisco fala
ainda da vocação dos Idosos, que também escutam o chamado do Senhor: “Ide e
fazei discípulos”.
“Estas
palavras são dirigidas também a nós, hoje, e ajudam-nos a entender melhor que a
nossa vocação é salvaguardar as raízes, transmitir a fé aos jovens e cuidar dos
pequeninos. Atenção! Qual é a nossa vocação hoje, na nossa idade? Salvaguardar
as raízes, transmitir a fé aos jovens e cuidar dos pequeninos. Não vos
esqueçais disto.”
O Papa ressalta
que não existe uma idade para aposentar-se da tarefa de anunciar o Evangelho.
“Existe uma renovada vocação, também para ti, num momento crucial da história”.
Isso é possível, mesmo com todas as dificuldades, “abrindo o próprio coração à
obra do Espírito Santo, que sopra onde quer. Com a liberdade que tem, o
Espírito Santo move-Se por toda a parte e faz aquilo que quer”.
Construir
o futuro
Também os
idosos e avós tem papel importante para construir, na fraternidade e na amizade
social, o mundo de amanhã. É a saída da crise de forma positiva. Para isso, o
Papa indica três pilares que deverão sustentar esta nova construção, os quais
os idosos “melhor que outros” podem ajudar a colocar: os sonhos, a memória e a
oração.
“A proximidade
do Senhor dará – mesmo aos mais frágeis de nós – a força para empreender um
novo caminho pelas estradas do sonho, da memória e da oração”, salientou.
Confira a mensagem
na íntegra em vídeo (com legendas em Português) e, logo abaixo, em texto:
MENSAGEM DO SANTO PADRE
Dia Mundial dos Avós e dos Idosos
«Eu estou contigo todos os
dias»
Queridos avôs, queridas avós!
«Eu estou contigo todos os dias» (cf. Mt 28, 20) é a
promessa que o Senhor fez aos discípulos antes de subir ao Céu; e hoje repete-a
também a ti, querido avô e querida avó. Sim, a ti! «Eu estou contigo todos os
dias» são também as palavras que eu, Bispo de Roma e idoso como tu, gostaria de
te dirigir por ocasião deste primeiro Dia Mundial dos Avós e dos Idosos:
toda a Igreja está solidária contigo – ou melhor, conosco –, preocupa-se
contigo, ama-te e não quer deixar-te abandonado.
Bem sei que esta mensagem te chega num tempo difícil: a pandemia
foi uma tempestade inesperada e furiosa, uma dura provação que se abateu sobre
a vida de cada um, mas, a nós idosos, reservou-nos um tratamento especial, um
tratamento mais duro. Muitíssimos de nós adoeceram – e muitos partiram –, viram
apagar-se a vida do seu cônjuge ou dos próprios entes queridos, e tantos –
demasiados – viram-se forçados à solidão por um tempo muito longo, isolados.
O Senhor conhece cada uma das nossas tribulações deste tempo. Ele
está junto de quantos vivem a dolorosa experiência de ter sido afastado; a
nossa solidão – agravada pela pandemia – não O deixa indiferente. Segundo uma
tradição, também São Joaquim, o avô de Jesus, foi afastado da sua comunidade,
porque não tinha filhos; a sua vida – como a de Ana, sua esposa – era
considerada inútil. Mas o Senhor enviou-lhe um anjo para o consolar. Estava
ele, triste, fora das portas da cidade, quando lhe apareceu um Enviado do
Senhor e lhe disse: «Joaquim, Joaquim! O Senhor atendeu a tua oração insistente».[1] Giotto dá a impressão, num afresco famoso[2], de colocar a cena de noite, uma daquelas
inúmeras noites de insónia a que muitos de nós se habituaram, povoadas por
lembranças, inquietações e anseios.
Ora, mesmo quando tudo parece escuro, como nestes meses de
pandemia, o Senhor continua a enviar anjos para consolar a nossa
solidão repetindo-nos: «Eu estou contigo todos os dias». Di-lo a ti, di-lo a
mim, a todos. Está aqui o sentido deste Dia Mundial que eu quis celebrado pela
primeira vez precisamente neste ano, depois dum longo isolamento e com uma
retomada ainda lenta da vida social: oxalá cada avô, cada idoso, cada avó, cada idosa – especialmente
quem dentre vós está mais sozinho – receba a visita de um anjo!
Este anjo, algumas vezes, terá o rosto dos nossos netos; outras
vezes, dos familiares, dos amigos de longa data ou conhecidos precisamente
neste momento difícil. Neste período, aprendemos a entender como são
importantes, para cada um de nós, os abraços e as visitas, e muito me
entristece o fato de as mesmas não serem ainda possíveis em alguns lugares.
Mas o Senhor envia-nos os seus mensageiros também através da
Palavra divina, que Ele nunca deixa faltar na nossa vida. Cada dia, leiamos uma
página do Evangelho, rezemos com os Salmos, leiamos os Profetas! Ficaremos
comovidos com a fidelidade do Senhor. A Sagrada Escritura ajudar-nos-á também a
entender aquilo que o Senhor nos pede hoje na vida. De facto, Ele manda os
operários para a sua vinha a todas as horas do dia (cf. Mt 20, 1-16),
em cada estação da vida. Eu mesmo posso dar testemunho de que recebi a chamada
para me tornar Bispo de Roma quando tinha chegado, por assim dizer, à idade da
aposentação e imaginava que já não podia fazer muito de novo. O Senhor está
sempre junto de nós – sempre – com novos convites, com novas palavras, com a
sua consolação, mas está sempre junto de nós. Como sabeis, o Senhor é eterno e
nunca vai para a reforma. Nunca.
No Evangelho de Mateus, Jesus diz aos Apóstolos: «Ide, pois, fazei
discípulos de todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado» (28,
19-20). Estas palavras são dirigidas também a nós, hoje, e ajudam-nos a
entender melhor que a nossa vocação é salvaguardar as raízes, transmitir a fé
aos jovens e cuidar dos pequeninos. Atenção! Qual é a nossa vocação hoje, na
nossa idade? Salvaguardar as raízes, transmitir a fé aos jovens e cuidar dos
pequeninos. Não vos esqueçais disto.
Não importa quantos anos tens, se ainda trabalhas ou não, se
ficaste sozinho ou tens uma família, se te tornaste avó ou avô ainda
relativamente jovem ou já avançado nos anos, se ainda és autónomo ou precisas
de ser assistido, porque não existe uma idade para aposentar-se da tarefa de
anunciar o Evangelho, da tarefa de
transmitir as tradições aos netos. É preciso pôr-se a caminho e, sobretudo,
sair de si mesmo para empreender algo de novo.
Portanto existe uma renovada vocação, também para ti, num momento
crucial da história. Perguntar-te-ás: Mas, como é possível? As minhas energias
vão-se exaurindo e não creio que possa ainda fazer muito. Como posso começar a
comportar-me de maneira diferente, quando o hábito se tornou a regra da minha
existência? Como posso dedicar-me a quem é mais pobre, se já tenho tantas
preocupações com a minha família? Como posso alongar o meu olhar, se não me é
permitido sequer sair da residência onde vivo? Não é um fardo já demasiado
pesado a minha solidão? Quantos de vós se interrogam: Não é um fardo já
demasiado pesado a minha solidão? O próprio Jesus ouviu Nicodemos dirigir-Lhe
uma pergunta deste tipo: «Como pode um homem nascer, sendo velho?» (Jo 3,
4). Isso é possível – responde o Senhor –, abrindo o próprio coração à obra do
Espírito Santo, que sopra onde quer. Com a liberdade que tem, o Espírito Santo
move-Se por toda a parte e faz aquilo que quer.
Como afirmei já mais de uma vez, da crise que o mundo atravessa,
não sairemos iguais: sairemos melhores ou piores. E «oxalá não seja mais um
grave episódio da história, cuja lição não fomos capazes de aprender [somos de
cabeça dura!]. Oxalá não nos esqueçamos dos idosos que morreram por falta de
respiradores (…). Oxalá não seja inútil tanto sofrimento, mas tenhamos dado um
salto para uma nova forma de viver e descubramos, enfim, que precisamos e somos
devedores uns dos outros, para que a humanidade renasça» (Papa Francisco, Enc. Fratelli
tutti, 35). Ninguém se salva sozinho. Devedores uns dos outros. Todos irmãos.
Nesta perspectiva, quero dizer que há necessidade de ti para se
construir, na fraternidade e na amizade social, o mundo de amanhã: aquele em
que viveremos – nós com os nossos filhos e netos –, quando se aplacar a
tempestade. Todos devemos ser «parte ativa na reabilitação e apoio das
sociedades feridas» (Ibid., 77). Entre os vários pilares que deverão sustentar
esta nova construção, há três que tu – melhor que outros – podes ajudar a
colocar. Três pilares: os sonhos, a memória e a oração. A
proximidade do Senhor dará – mesmo aos mais frágeis de nós – a força para
empreender um novo caminho pelas estradas do sonho, da memória e da oração.
Uma vez o profeta Joel pronunciou esta promessa: «Os vossos
anciãos terão sonhos e os jovens terão visões» (3, 1). O futuro do
mundo está nesta aliança entre os jovens e os idosos. Quem, senão os jovens,
pode agarrar os sonhos dos idosos e levá-los por diante? Mas, para isso, é
necessário continuar a sonhar: nos nossos sonhos de justiça, de paz, de solidariedade
reside a possibilidade de os nossos jovens terem novas visões e, juntos,
construirmos o futuro. É preciso que testemunhes, também tu, a possibilidade de
se sair renovado duma experiência dolorosa. E tenho a certeza de que não será a
única, pois, na tua vida, terás tido tantas e sempre conseguiste triunfar
delas. E, dessa experiência que tens, aprende como sair da provação atual.
Nisto se vê como os sonhosestão entrelaçados com a memória. Penso
como pode ser de grande valor a memória dolorosa da guerra, e quanto podem as
novas gerações aprender dela a respeito do valor da paz. E, a transmitir isto,
és tu que viveste a tribulação das guerras. Recordar é uma missão verdadeira e
própria de cada idoso: conservar na memória e levar a memória aos outros. Segundo
Edith Bruck que sobreviveu à tragédia do Holocausto, «mesmo que seja para
iluminar uma só consciência, vale a pena a fadiga de manter viva a recordação
do que foi… e continua. Para mim, a memória é viver».[3] Penso também nos meus avós e naqueles de
vós que tiveram de emigrar e sabem quanto custa deixar a própria casa, como
fazem muitos ainda hoje à procura dum futuro. Talvez tenhamos algum deles ao
nosso lado a cuidar de nós. Esta memória pode ajudar a construir um mundo mais
humano, mais acolhedor. Mas, sem a memória, não se pode construir; sem
alicerces, tu nunca construirás uma casa. Nunca. E os alicerces da vida estão
na memória.
Por fim, a oração. Como disse o meu predecessor, Papa Bento
(um idoso santo, que continua a rezar e trabalhar pela Igreja), «a oração dos
idosos pode proteger o mundo, ajudando-o talvez de modo mais incisivo do que a
fadiga de tantos».[4] Disse-o
quase no fim do seu pontificado, em 2012. É belo! A tua oração é um recurso
preciosíssimo: é um pulmão de que não se podem privar a Igreja e o mundo (cf.
Papa Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 262). Sobretudo neste tempo
tão difícil para a humanidade em que estamos – todos na mesma barca – a
atravessar o mar tempestuoso da pandemia, a tua intercessão pelo mundo e pela
Igreja não é vã, mas indica a todos a serena confiança de um porto seguro.
Querida avó, querido avô! Ao concluir esta minha mensagem,
gostaria de indicar, também a ti, o exemplo do Beato (e proximamente Santo)
Carlos de Foucauld. Viveu como eremita na Argélia e lá, naquele contexto
periférico, testemunhou «os seus desejos de sentir todo o ser humano como um
irmão» (Enc. Fratelli tutti, 287). A sua história mostra como é possível,
mesmo na solidão do próprio deserto, interceder pelos pobres do mundo inteiro e
tornar-se verdadeiramente um irmão e uma irmã universal.
Peço ao Senhor que cada um de nós, graças também ao seu exemplo,
alargue o próprio coração e o torne sensível aos sofrimentos dos últimos e
capaz de interceder por eles. Oxalá cada um de nós aprenda a repetir a todos, e
em particular aos mais jovens, estas palavras de consolação que ouvimos hoje
dirigidas a nós: «Eu estou contigo todos os dias». Avante e coragem! Que o
Senhor vos abençoe.
Roma, São João de Latrão, na Festa da Visitação da Virgem Santa
Maria, 31 de maio de 2021.
FRANCISCO
_______________________
[1] O episódio é narrado no Protoevangelho de
Tiago.
[2] Trata-se da imagem escolhida como
logótipo do Dia Mundial dos Avós e dos Idosos.
[3] «La memoria è vita, la scrittura è
respiro», in L’Osservatore Romano (26 de janeiro de 2021).
[4] Visita à casa-família “Viva gli anziani”,
12 de novembro de 2012.
Fonte: Vatican News/ CNBB
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