Abraçar
a cruz "com Jesus e como Ele, nos permite discernir e repelir o veneno do
escândalo com que o demônio procurará envenenar-nos quando chegar
inesperadamente uma cruz na nossa vida", disse Francisco aos sacerdotes
durante a Missa do Crisma, nesta Quinta-feira Santa.
Vatican News
O Papa Francisco presidiu a Missa do Crisma, com os
sacerdotes de Roma, na Basílica de São Pedro, na manhã desta Quinta-feira Santa
(01/04).
"No Evangelho, vemos uma mudança de
sentimentos nas pessoas que escutavam o Senhor. É uma mudança dramática que nos
mostra quão ligadas estão a perseguição e a cruz ao anúncio do Evangelho. Uma
frase que alguém murmurou em voz baixa tornou-se insidiosamente «viral»: «Não é
este o filho de José?»", disse o Pontífice.
Segundo o Papa, "trata-se de uma daquelas
frases ambíguas que se dizem por dizer. Uma pessoa pode usá-la para exprimir
alegria: «Que maravilha ver alguém de origens tão humildes falar com esta
autoridade!» Mas outra pode usá-la com desdém: «E isto, donde lhe veio? Que
pensa ser?» Se notarmos bem, o caso repete-se quando os Apóstolos, no dia de
Pentecostes, cheios do Espírito Santo, começam a pregar o Evangelho. Alguém
disse: «Esses que estão a falar, não são todos galileus?» E enquanto alguns
acolheram a Palavra, outros consideraram-nos bêbados".
Como sempre faz, o Senhor não dialoga com o
espírito maligno; responde apenas com a Sagrada Escritura. Nem mesmo os
profetas Elias e Eliseu foram aceitos pelos seus compatriotas, mas foram-no por
uma viúva fenícia e um sírio leproso: dois estrangeiros, duas pessoas doutra
religião. Os fatos são contundentes e provocam o efeito que profetizara aquele
idoso carismático do Simeão: Jesus seria «sinal de contradição».
"A palavra de Jesus tem o poder de trazer à
luz aquilo que uma pessoa guarda no coração, sendo habitualmente uma mistura de
coisas como o trigo e o joio. E isto provoca luta espiritual", sublinhou
Francisco.
"A rapidez com que se desencadeou a fúria e a
brutalidade do encarniçamento, capaz de matar o Senhor naquele preciso momento,
nos mostra que é sempre a hora", disse o Papa aos sacerdotes, ressaltando
que "andam juntas a hora do anúncio jubiloso e a hora da perseguição e da
cruz". "A proclamação do Evangelho está sempre ligada ao abraço duma
cruz concreta. A luz suave da Palavra gera clareza nos corações bem-dispostos,
e confusão e rejeição naqueles que o não estão. Vemos isto constantemente no
Evangelho", frisou o Papa.
"Ora, a fim de «tirar algum proveito» para a
nossa vida sacerdotal, que reflexão poderemos fazer ao contemplar esta presença
precoce da cruz (da incompreensão, da rejeição, da perseguição) no início e no
meio da pregação evangélica? Vêm-me à mente duas reflexões", disse ainda
Francisco.
"A primeira: não nos deve maravilhar a
constatação de estar presente a cruz na vida do Senhor no início de seu
ministério, pois estava já antes do seu nascimento: já está presente no
primeiro turbamento de Maria ao ouvir o anúncio do Anjo; está presente nas
insónias de José, sentindo-se obrigado a abandonar a sua esposa prometida; está
presente na perseguição de Herodes e nas agruras sofridas pela Sagrada Família,
iguais às de tantas famílias que têm de exilar-se da sua pátria."
Esta realidade nos abre ao mistério da cruz
experimentada antes. Faz-nos compreender que a cruz não é um fato indutivo,
ocasional produzido por uma conjuntura na vida do Senhor. É verdade que todos
os crucificadores da história fazem aparecer a cruz como um dano colateral, mas
não é assim: a cruz não depende das circunstâncias.
"Por que o Senhor abraçou a cruz em toda a sua
integridade? Por que Jesus abraçou a paixão inteira: abraçou a traição e o
abandono dos seus amigos já desde a Última Ceia, aceitou a prisão ilegal, o
julgamento sumário, a sentença desproporcionada, a malvadez sem motivo das
bofetadas e cuspidelas? perguntou o Papa. "Se as circunstâncias
determinassem o poder salvífico da cruz, o Senhor não teria abraçado tudo. Mas
quando chegou a sua hora, abraçou a cruz inteira. Porque a cruz não tolera
ambiguidade; com a cruz, não se regateia!", disse ele.
A segunda reflexão do Papa diz o seguinte: "É
verdade que há algo na cruz que é parte integrante da nossa condição humana,
com os seus limites e fragilidades. Mas é verdade também que, daquilo que
acontece na cruz, há algo que não é inerente à nossa fragilidade, mas é a
mordida da serpente que, vendo o Crucificado indefeso, morde-O e tenta
envenenar e desacreditar toda a sua obra. Mordida, que procura escandalizar,
imobilizar e tornar estéril e insignificante todo o serviço e sacrifício de
amor pelos outros. É o veneno do maligno que continua a insistir: salva-te a ti
mesmo. Nesta mordida, cruel e dolorosa, que pretende ser mortal, aparece
finalmente o triunfo de Deus."
"Peçamos ao Senhor a graça de tirar proveito
destes ensinamentos: é verdade que, no anúncio do Evangelho, há cruz; mas é uma
cruz que salva. Pacificada com o Sangue de Jesus, é uma cruz com a força da
vitória de Cristo que vence o mal e nos liberta do maligno. Abraçá-la com Jesus
e como Ele, nos permite discernir e repelir o veneno do escândalo com que o
demônio procurará envenenar-nos quando chegar inesperadamente uma cruz na nossa
vida", frisou o Pontífice.
O
Papa concluiu sua homilia, partilhando uma lembrança de momento muito escuro de
sua vida. Eu pedia ao Senhor a graça de me libertar daquela situação dura e
difícil. Uma vez, fui pregar o Retiro a algumas religiosas, que, no último dia
– como era costume então –, se confessaram. Veio uma irmã muito idosa, com
olhos límpidos, mesmo luminosos. Era uma mulher de Deus. No fim, senti vontade
de lhe pedir que rezasse por mim, dizendo-lhe: «Irmã, como penitência reze por
mim, porque preciso duma graça. Se for a Irmã a pedi-la, com certeza o Senhor
me la dará». Ela parou um bom bocado, como se estivesse a rezar, e depois
disse-me: «Certamente o Senhor lhe concederá a graça, mas não se engane: ele a
dará segundo o seu modo divino». Isto fez-me muito bem: ouvir que o Senhor nos
dá sempre o que lhe pedimos, mas o faz à sua maneira divina. Esta maneira
envolve a cruz. Não por masoquismo, mas por amor, por amor até o fim".
Fonte: Vatican News
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