Coletiva de imprensa do Papa
Francisco no voo de volta do Iraque a Roma.
AVIÃO PAPAL, 08 mar. 21 / 01:44 pm (ACI).-
Seguindo o costume de seus predecessores de conversar com os jornalistas
durante o voo de regresso das viagens internacionais, o Papa Francisco
respondeu algumas perguntas dos profissionais de imprensa que o acompanharam a
Roma após sua visita ao Iraque.
Abaixo apresentamos o texto na
íntegra:
Papa Francisco: "Em primeiro lugar, obrigado pelo
trabalho, pela companhia, e pela fadiga de vocês. Hoje é o Dia da Mulher,
parabéns às mulheres: a festa da mulher. No encontro com a esposa do Presidente
do Iraque, estavam falando sobre o porquê de não haver um dia do homem. Eu
disse: por que nós homens estamos sempre em festa! A esposa do Presidente me
falou sobre as mulheres, disse coisas bonitas hoje, a força que as mulheres têm
para levar a vida adiante, a história, a família,
muitas coisas. Parabéns a todos. E terceiro: ontem foi o aniversário da
jornalista da ( Rede espanhola) Cope: parabéns e devemos festejá-lo, depois
veremos como se pode fazer isso aqui. Muito bem. Agora a palavra é de
vocês".
Abdul Karim Atrach - Sky news
Arabia: Santidade, há dois anos em Abu Dhabi houve o encontro com o Imã de
Al Azhar e a assinatura do Documento sobre a Fraternidade Humana. Três dias
atrás o senhor se encontrou com (o aiatolá) Al Sistani. É possível pensar em
algo semelhante também com o lado xiita do Islã? E depois uma segunda pergunta
sobre o Líbano: São João Paulo II dizia sobre o Líbano que ele é mais do que um
país, O Líbano é uma mensagem. Hoje, infelizmente, como libanês, lhe digo que
esta mensagem está agora desaparecendo. Pensamos em uma eminente visita sua ao
Líbano no futuro?
Papa Francisco: O documento de Abu Dhabi de 4 de fevereiro
foi preparado com o Grão-Imã em segredo, durante seis meses: orando, refletindo
e corrigindo o texto. Diria que foi um pouco presunçoso, mas o tomem como uma
presunção, um primeiro passo disso que você me pergunta. Podemos dizer que este
seria o segundo e que haverá outros. O caminho da fraternidade é importante.
Depois os dois documentos, o de Abu Dhabi deixou em mim a inquietação da
fraternidade, e depois veio a "Fratelli tutti". Ambos os documentos
devem ser estudados porque vão na mesma direção, no caminho da fraternidade.
O aiatolá Al Sistani tem uma frase
que espero recordar bem: ‘Os homens ou são irmãos pela religião ou iguais pela
criação’. A fraternidade e a igualdade, mas sob a igualdade não podemos
caminhar. Acredito que este é também um caminho cultural. Pensemos em nós
cristãos, na Guerra dos Trinta Anos, na Noite de São Bartolomeu, para dar um
exemplo, pensemos nisso. Como a mentalidade muda entre nós: porque nossa fé nos
faz descobrir que é isso a revelação de Jesus... o amor, a caridade e nos leva
a isso, mas quantos séculos para coloca-los em prática! Isto é uma coisa
importante: a fraternidade humana, que como homens somos todos irmãos, e devemos
seguir adiante com as outras religiões.
O Concílio Vaticano II deu um
importante passo nesse sentido com a instituição depois do Conselho para a
Unidade dos Cristãos e o Conselho para o Diálogo Inter-religioso. O cardeal
Ayuso nos acompanha hoje. Você é humano, é um filho de Deus e é meu irmão,
ponto final!
Esta seria a maior indicação, e
muitas vezes é preciso arriscar para dar este passo. Você sabe que há algumas
críticas: que ‘o Papa não é corajoso, é um inconsciente que está dando passos
contra a doutrina católica, que está a um passo da heresia’, há riscos. Mas
estas decisões são sempre tomadas em oração, em diálogo, pedindo conselho, em
reflexão. Não são um capricho e também são a linha que o Concílio ensinou, isso
sobre a primeira pergunta.
Passo à segunda pergunta: o Líbano é
uma mensagem, o Líbano sofre, o Líbano é mais que um equilíbrio. Tem a fraqueza
das diversidades, algumas ainda não reconciliadas, mas tem a fortaleza do
grande povo reconciliado, como a fortaleza dos cedros.
O Patriarca Rai me pediu por favor,
durante esta viagem, para fazer uma parada em Beirute, mas pareceu-me um
pouco.... Seria uma migalha em face aos problemas de um país que sofre como o
Líbano. Escrevi-lhe uma carta, assumi o compromisso de fazer uma viagem ao
Líbano, mas o Líbano, neste momento, está em crise, mas em crise - não quero
ofender - em crise de vida. O Líbano é tão generoso no acolhimento dos
refugiados. Em relação à viagem isto é tudo.
Johannes Neudecker - DPA: Até
que ponto o encontro com Al Sistani foi também uma mensagem para os líderes
religiosos do Irã?
Papa Francisco: Creio que tenha sido uma mensagem universal. Senti
o dever de fazer esta peregrinação de fé e de penitência, e de ir encontrar um
grande, um homem sábio, um homem de Deus: só escutando-o é que se pode perceber
isto. Falando em mensagens, diria que é uma mensagem para todos, e ele é uma
pessoa que tem essa sabedoria e também essa prudência. Ele me disse: "Há
10 anos -acho que me disse- não recebo pessoas que venham me visitar com outros
propósitos políticos ou culturais... apenas religiosos”. E ele foi muito
respeitoso, muito respeitoso no encontro. Senti-me honrado. Mesmo no momento da
saudação, ele jamais se levanta... Ele se levantou para me saudar, duas vezes.
Um homem humilde e sábio, este
encontro me fez bem à alma. Ele é uma luz. Estes sábios estão em toda parte
porque a sabedoria de Deus foi espalhada pelo mundo inteiro.
A mesma coisa acontece com os santos
que não são apenas os que estão nos altares. Acontece todos os dias, aqueles que
eu chamo de santos da porta ao lado. Os santos, homens e mulheres que vivem sua
fé, seja ela qual for, com coerência. Aqueles que vivem os valores humanos com
coerência. A fraternidade com coerência. Acho que devemos descobrir essas
pessoas, colocá-las em evidência, porque há tantos exemplos... Quando há
escândalos também na Igreja, tantos, e isso não ajuda, mas
mostremos os santos da porta ao lado às pessoas que buscam o caminho da
fraternidade, e certamente encontraremos pessoas de nossa família, alguma avó,
algum avô.
Eva Fernández - Radio COPE: Durante estes dias, sua viagem teve
uma enorme repercussão no mundo inteiro, o senhor acha que poderia ser "a
viagem" do seu Pontificado? Inclusive foi dito que era a mais arriscada. O
senhor teve medo em algum momento de sua viagem? Está prestes a completar o
oitavo ano de seu pontificado, o senhor ainda acha que será curto? Por fim, a
grande pergunta de sempre: Santo Padre voltará alguma vez à Argentina? A
Espanha ainda terá esperança de que o Papa vá algum dia?
Papa Francisco: Começo pela última, que é uma pergunta, e a entendo
porque naquele livro do meu amigo jornalista Nelson Castro, um médico, ele
tinha feito um livro sobre as doenças dos presidentes e eu lhe disse uma vez:
mas se você vem a Roma, deve fazer um sobre as doenças dos Papas, porque será
interessante conhecer as doenças dos Papas, pelo menos de alguns dos últimos
tempos. Ele começou a fazê-lo. Ele me fez uma entrevista, e o livro saiu:
disseram-me que é bom, eu não o li. Ele me fez uma pergunta: "Se o senhor
renunciar, voltará para a Argentina ou vai ficar aqui (em Roma)?" Eu
disse: não voltarei para a Argentina, mas ficarei aqui na minha diocese. Mas,
sob essa hipótese.
A resposta deve estar unida à
pergunta. Quando vou à Argentina ou porque não vou, eu respondo sempre um pouco
ironicamente: estive 76 anos na Argentina, é suficiente não? Mas, há uma coisa
que, não sei por que, não é dita: uma viagem à Argentina foi programada para
novembro de 2017. Estava começando a se trabalhar, se faria Chile, Argentina e
Uruguai. Era para o final de novembro, mas naquela época, o Chile estava em
campanha eleitoral, naqueles dias, em dezembro, foi eleito o sucessor de
Michelle Bachelet, e eu deveria ir antes que mudasse o governo. Eu não podia
ir. Tínhamos pensado em fazer isso: vamos ao Chile em janeiro e depois à
Argentina e ao Uruguai... Mas não era possível, porque janeiro é como
julho-agosto europeu para os dois países.
Pensando nisso novamente, foi feita a
sugestão: por que não associar o Peru? Porque o Peru havia sido deixado de lado
na viagem ao Equador, Bolívia, Paraguai. Tinha sido deixado à parte. E dali
nasceu a viagem em janeiro de 2018 ao Chile e ao Peru. Mas quero dizer isto
para que não haja fantasias de "patriafobia": quando houver
oportunidade, isto pode ser feito, porque está a Argentina, o Uruguai e o sul
do Brasil, que são um complexo cultural bastante grande.
Depois, sobre as viagens. Eu, para
tomar uma decisão sobre as viagens, escuto. Os convites são muitos e escuto o
conselho dos assessores e às vezes alguém vem e diz: o que acha a esse
propósito, devo ir até aquele lugar? É bom para mim ouvir, isto me ajuda a
tomar decisões mais tarde. Escuto os conselheiros e, no final, rezo, reflito
muito, sobre algumas viagens, reflito muito. Depois a decisão vem de dentro,
quase espontaneamente, mas como fruto maduro. É um longo caminho. Alguns são
mais difíceis, outros mais fáceis.
A decisão sobre esta viagem vem de
antes, daquele primeiro convite da embaixadora, uma pediatra que foi
embaixadora do Iraque, insistiu. Depois, veio a embaixadora junto à Itália que
é uma mulher de luta. Depois veio o novo embaixador junto ao Vaticano, e lutou.
Antes disso, tinha vindo o presidente. Todas essas coisas ficaram comigo.
Mas há algo por trás da decisão que
eu gostaria de mencionar: uma de vocês me deu a última edição espanhola do
livro "A última garota" de Nadia Mourad. Eu li em italiano e depois
entreguei a Elisabetta Piqué para que o lesse. Leu? Mais ou menos. É a história
dos Yazidis. E Nadia Mourad conta coisas espantosas, espantosas. Eu os
aconselho a ler, em alguns pontos como é biográfico pode parecer pesado, mas
para mim esta é a razão básica da minha decisão. Esse livro trabalhou-me por
dentro. Primeiro quando escutei Nadia que veio me contar coisas terríveis,
depois com o livro. Todas essas coisas juntas levaram à decisão, pensando em
todos, em todos os problemas, muitos. Mas no final a decisão veio e eu a tomei.
Em seguida, sobre o oitavo ano do
pontificado. Devo fazer desta maneira? -o Papa cruza os dedos-. Não sei se as
viagens se tornarão realidade ou não, só confesso que nesta viagem fiquei muito
mais cansado do que nas outras. Os 84 [anos de idade] não vêm sozinhos, têm uma
consequência... mas veremos.
Agora devo ir à Hungria para a Missa final do Congresso Eucarístico
Internacional, não para uma visita ao país, mas somente para a Missa. Mas,
Budapeste fica a duas horas de carro de Bratislava, por que não fazer uma
visita aos eslovacos? É assim que as coisas saem...
Chico Harlan - Washington
Post: Pessoas sem vacinar estiveram cantando juntas. O senhor fica
preocupado que possam adoecer e morrer por querer vê-lo? Pode explicar esta
reflexão e este cálculo?
Papa Francisco: Como eu disse recentemente, com o tempo as
viagens "ficam cozinhando" na minha consciência, e esta é uma das
coisas que me faziam [dizer]: Talvez, talvez. Pensei muito, rezei muito sobre
isso e finalmente tomei a decisão que realmente veio de dentro. E eu disse:
Aquele que me leva a decidir assim, que cuide das pessoas. Mas isto depois da
oração e da consciência dos riscos. Depois de tudo isso.
DesantPierre - KTO:
Santidade, vimos a coragem, o dinamismo dos cristãos iraquianos, vimos
também os desafios que enfrentam, a ameaça da violência islamista, o êxodo e o
testemunho de fé no seu ambiente. Estes são os desafios dos cristãos em toda a
região. Falamos do Líbano, mas também da Síria, e da Terra Santa. Há dez anos,
foi realizado um Sínodo para o Oriente Médio, mas seu desenvolvimento foi
interrompido pelo ataque à Catedral de Bagdá. O senhor está pensando em fazer
algo para todo o Oriente Médio, um sínodo regional ou qualquer outra
iniciativa?
Papa Francisco: Não estou pensando em um Sínodo. Iniciativas, sim,
estou aberto a muitas iniciativas. Mas não me ocorreu uma. Você acaba de lançar
a primeira semente. Vamos ver o que vai acontecer. A vida dos cristãos no
Iraque é uma vida dura, mas não só a dos cristãos. Falamos [nestes dias] com
yazidis e [com membros] de outras religiões que não se submeteram ao poder do
Daesh [Estado Islâmico]. E isto, não sei porque, deu-me uma força muito grande,
mas há o problema que você diz da migração. Ontem, quando estávamos voltando de
carro de Qaraqosh para Erbil, vi muita gente, jovens, a faixa etária é muito
baixa. Muita gente jovem. E a pergunta que alguém me fez é a pergunta destes
jovens: Qual será o futuro deles? Para onde eles irão? Muitos terão que deixar
o país, muitos. Antes de sair de viagem, no dia seguinte, doze refugiados
iraquianos vieram se despedir de mim. Um deles tinha uma prótese na perna
porque tinha escapado debaixo de um caminhão e sofreu um acidente, muitos
escaparam.
A migração é um direito duplo: está o
direito de não migrar e o direito de migrar. Mas, estas pessoas não têm nenhum
dos dois, porque não podem não migrar, não sabem como fazê-lo. E não podem
migrar porque o mundo ainda não se deu conta de que a migração é um direito
humano. Da outra vez, um sociólogo italiano me disse, falando da queda
demográfica na Itália: dentro de quarenta anos teremos que "importar"
estrangeiros para trabalhar e pagar impostos para nossas pensões. Vocês
franceses foram mais espertos, avançaram dez anos com a lei em prol da família,
o seu nível de crescimento é muito grande. Mas a migração é vivida como uma
invasão. Ontem eu quis receber após a missa, porque ele pediu, o pai de Alan
Kurdi, esta criança que é um símbolo, Alan Kurdi é um símbolo: por isso eu dei
a escultura para a FAO. É um símbolo que vai além de uma criança que morreu na
migração, um símbolo de civilizações que morrem que não podem sobreviver, um
símbolo de humanidade. São necessárias medidas urgentes para que as pessoas
tenham trabalho em seus próprios países e não tenham que migrar. E também
medidas para proteger o direito de migrar.
É verdade que cada país deve estudar
bem a capacidade de receber porque não é apenas a capacidade de recebê-los e
deixá-los na praia. Trata-se de recebê-los, acompanhá-los, fazê-los progredir e
que se integrem. A integração do migrante é a chave.
Dois casos: em Zaventem, na Bélgica,
os terroristas eram belgas. Nascidos na Bélgica, mas migrantes islâmicos
fechados em guetos, não integrados. O outro exemplo, quando fui à Suécia, a
ministra que participou da minha despedida era muito jovem e tinha uma
fisionomia peculiar, não típica dos suecos. Era filha de um migrante e de uma
sueca, estava tão integrada que se tornou ministra... Pensemos nestes dois
casos, nos farão pensar muito: integrar. Sobre as migrações, que eu acho que é
o drama da região. Gostaria de agradecer aos países generosos que recebem
migrantes: o Líbano que tem, creio, dois milhões de sírios; a Jordânia -
infelizmente não sobrevoaremos o país, o rei queria nos homenagear com aviões
quando passássemos - foi muito generosa de sua parte: ali há mais de um milhão
e meio de migrantes. Agradeço a esses países generosos! Muito obrigado!
Stefania Falasca, Avvenire: Bom dia
Santo Padre. Em três dias, neste país-chave do Oriente Médio, o senhor fez o
que os poderosos da Terra vêm discutindo há trinta anos. O senhor já explicou
qual é o interesse original de suas viagens, como surgem as escolhas de suas
viagens, mas agora nesta contingência, olhando para o Oriente Médio, pode ser
colocada em conta uma viagem à Síria? Quais poderiam ser os objetivos daqui a
um ano de outros lugares onde sua presença é solicitada?
Papa Francisco: Obrigado. No Oriente Médio, a única hipótese, e
também a promessa, é o Líbano. Não pensei em uma viagem à Síria, e não o pensei
porque não tive esta inspiração, mas estou muito próximo da martirizada e amada
Síria, como eu a chamo. Lembro-me, no início do pontificado, naquela tarde de
oração na Praça de São Pedro, havia o terço, adoração do Santíssimo. Mas
quantos muçulmanos com tapetes no chão estavam rezando conosco. Todos pela paz
na Síria, para parar o bombardeio, no momento em que foi dito que haveria um
bombardeio feroz. Levo a Síria no meu coração. Mas pensar em uma viagem, ainda
não me veio à mente neste momento. Obrigado".
Sylvia Wysocka, imprensa
polonesa: Santidade, nestes doze meses muito difíceis a sua atividade
também esteve muito limitada. Ontem o senhor teve o primeiro contato direto
muito próximo com as pessoas em Qaraqosh: o que o senhor sentiu? Em sua
opinião, agora com todo o atual regime de saúde, poderão ser retomadas as
audiências gerais com a presença das pessoas, com os fiéis, como antes?
Papa Francisco: Eu me sinto diferente quando estou longe das
pessoas nas audiências. Gostaria de recomeçar as audiências gerais o mais
rápido possível. Esperamos que existam condições. Nisto eu sigo as normas das
autoridades, eles são os responsáveis e têm a graça de Deus para nos ajudar
nisto. Eles são responsáveis por dar as normas. Quer queiramos ou não. Os
responsáveis são eles e têm que fazer isso. Agora comecei novamente com o
Ângelus na praça, com distanciamento é possível fazê-lo.
Há a proposta de pequenas audiências
gerais, mas ainda não decidi porque o desenvolvimento da situação não estava
claro. Depois destes meses de “prisão”, eu realmente me sentia um pouco
aprisionado, esta viagem para mim foi um reviver. Reviver porque é tocar a
Igreja, tocar o povo santo de Deus, tocar todos os povos. Um padre torna-se
padre para servir, a serviço do povo de Deus, não para fazer carreira, não por
dinheiro.
Esta manhã, na Missa, havia a leitura
bíblica sobre a cura de Naamã, o sírio, e dizia que este Naamã queria dar
presentes depois de ter obtido a cura. Mas o profeta Eliseu os recusou. A
Bíblia continua: o assistente do profeta Eliseu, quando eles partiram, acomodou
bem o profeta e apressadamente seguiu Naamã e pediu os presentes para ele. E
Deus disse: "a lepra que Naamã tinha será para ti".
Temo que nós, homens e mulheres da
Igreja, especialmente nós sacerdotes, não tenhamos essa proximidade gratuita
com o povo de Deus que é quem nos salva. E fazer como o servo de Naamã: sim,
ajudar, mas depois ir atrás para os presentes. Dessa lepra eu tenho medo. E o
único que nos salva da lepra da ganância, do orgulho, é o povo santo de Deus.
Aquele sobre o qual Deus falou a Davi: "Eu te tirei do rebanho, não te
esqueças do rebanho". Aquilo que Paulo falou a Timóteo: "Lembra-te de
tua mãe e de tua avó que te amamentaram na fé".
Não perder a pertença ao povo de Deus
para se tornar uma casta privilegiada de consagrados, clérigos, ou que quer que
seja. O contato com as pessoas nos salva, nos ajuda, nós damos a Eucaristia, a pregação, cumprimos nossa
função. Mas elas nos dão a pertença. Não esqueçamos essa pertença ao povo de
Deus.
Depois, você começava assim, o que eu
encontrei no Iraque, em Qaraqosh? Eu não imaginava a ruínas de Mossul e
Qaraqosh, não imaginava realmente... Sim, posso ter visto coisas, eu li livros,
mas isso toca, é comovente.
Depois, o que mais me tocou foi o
testemunho de uma mãe em Qaraqosh. Deu o seu testemunho um padre que realmente
conhece a pobreza, o serviço, a penitência, e uma mulher que perdeu seu filho
nos primeiros bombardeios do Daesh. Ela disse uma palavra: perdão. Eu fiquei
comovido. Uma mãe que diz: eu perdoo, eu peço perdão por eles. Veio-me a
memória a minha viagem à Colômbia, o encontro em Villavicencio onde tantas
pessoas, sobretudo mulheres, mães e esposas, falaram de sua experiência com o
assassinato de seus filhos e maridos. Elas disseram: "Eu perdoo, eu
perdoo". Perdemos esta palavra, sabemos muito bem como insultar, sabemos
muito bem como condenar, eu por primeiro. Mas perdoar... perdoar nossos
inimigos, isto é puro Evangelho. Isto é o que mais me impressionou em Qaraqosh.
Papa Francisco: Estamos falando há quase uma hora e eu continuo,
mas com esforço... façamos a última antes de festejar o aniversário.
Catherine Marciano - AFP: Santidade, eu queria saber o que
o senhor sentiu vendo do helicóptero a cidade destruída de Mossul e depois
rezando nas ruínas de uma igreja. Se me permite, já que é Dia da Mulher,
gostaria de fazer uma pequena pergunta também sobre as mulheres. O senhor
apoiou as mulheres em Qaraqosh com palavras muito bonitas, mas o que o senhor
acha do fato de que uma mulher muçulmana apaixonada não pode se casar com um
cristão sem ser descartada pela sua família ou algo pior? A primeira pergunta
era sobre Mossul, obrigado Santidade.
Papa Francisco: "De Mosul eu
disse um pouco "en passant" o que eu senti. Quando estive diante da
igreja destruída, não tive palavras. Inacreditável, inacreditável... Não apenas
aquela igreja, mas também outras igrejas, também uma mesquita destruída.
Pode-se dizer que não estavam de acordo com essas pessoas. Inacreditável a
nossa crueldade humana. Neste momento, não quero dizer a palavra “recomeçar”,
mas olhemos para a África. E com a nossa experiência de Mossul, essas igrejas
destruídas e tudo mais, cria-se inimizade, a guerra e também recomeça a agir o
chamado Estado islâmico. Isto é ruim, muito ruim.
E, antes de passar à outra pergunta,
uma pergunta que me veio à mente na igreja foi esta: mas quem vende as armas
para esses destruidores? Porque as armas eles não fabricam. Sim, eles produzem
algumas armas... Mas quem vende as armas? Quem é o responsável? Ao menos eu
pediria àqueles que vendem as armas a sinceridade de dizer: nós vendemos as
armas. Eles não dizem isso. É horrível.
Agora as mulheres. As mulheres são
mais corajosas do que os homens, mas isso sempre foi assim. Mas a mulher ainda
hoje é humilhada, vamos a esse extremo. Não sei quem, uma de vocês me mostrou,
não sei se foi você Eva, a lista de preços das mulheres (preparada pelo Isis
que comprava as mulheres cristãs e yazidis). Não podia acreditar... se a mulher
possuía tais características então custava tanto. As mulheres são vendidas, as
mulheres são escravizadas.
Também no centro de Roma, o trabalho
contra o tráfico de seres humanos é um trabalho cotidiano. Durante o Jubileu,
fui visitar uma das muitas casas da Obra Don Benzi. Garotas resgatadas, uma com
a orelha cortada porque não tinha trazido dinheiro naquele dia, a outra trazida
de Bratislava no porta mala do carro, escrava, sequestrada. Isso acontece entre
nós! O tráfico de pessoas.
Nesses países, especialmente na parte
da África, há a mutilação com um ritual que deve ser feito. Mas as mulheres
ainda são escravas e devemos lutar, lutar, pela dignidade da mulher. São elas
que continuam a história, isto não é um exagero, as mulheres continuam a
história e isto não é um elogio porque hoje é o dia da mulher.
Também a escravidão é assim, a
rejeição à mulher... Pensar que em um lugar houve uma discussão se o repúdio à
esposa deveria ser dado por escrito ou apenas oralmente. Nem mesmo o direito de
ter o ato de repúdio! Mas isto está acontecendo hoje.
Mas, para não nos distanciarmos,
pensemos no centro de Roma, nas jovens que são sequestradas e exploradas. Acho
que já disse tudo sobre este assunto. Desejo-lhes um bom fim de viagem e
peço-lhes que rezem por mim, pois o necessito”.
Ao chegar a Roma, o Santo Padre foi à
Basílica de Santa Maria Maior levar um buquê de flores e agradecer à Virgem,
invocada com o nome de Salus Populi Romani, pela sua 33ª viagem internacional.
O Papa Francisco se converteu assim
no primeiro Papa a visitar o Iraque.
Fonte: ACI Digital
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