sábado, 2 de janeiro de 2021

EDITORIAL – JANEIRO 2021- VOZ DO ARCEBISPO:- “A CULTURA DO CUIDADO COMO PERCURSO DE PAZ”

 

Editorial – janeiro 2021

“A CULTURA DO CUIDADO COMO PERCURSO DE PAZ”
A bússola para um rumo comum

Papa Francisco faz chegar a todos a mensagem papal no dia 1º. de Janeiro de 2021 – Dia da Fraternidade Universal, 54º Dia Mundial da Paz.

Destacamos de sua Mensagem apenas alguns trechos para que estejamos em sintonia com o espírito com o qual iniciamos em comunhão eclesial o Ano 2021 da graça do Senhor:

“O ano de 2020 ficou marcado pela grande crise sanitária da Covid-19, que se transformou num fenômeno plurissetorial e global, agravando fortemente outras crises inter-relacionadas como a climática, alimentar, econômica e migratória, e provocando grandes sofrimentos e incômodos.

Penso, em primeiro lugar, naqueles que perderam um familiar ou uma pessoa querida, mas também em quem ficou sem trabalho. Lembro de modo especial os médicos, enfermeiras e enfermeiros, farmacêuticos, investigadores, voluntários, capelães e funcionários dos hospitais e centros de saúde, que se prodigalizaram – e continuam a fazê-lo – com grande fadiga e sacrifício, a ponto de alguns deles morrerem quando procuravam estar perto dos doentes a fim de aliviar os seus sofrimentos ou salvar-lhes a vida. Ao mesmo tempo que presto homenagem a estas pessoas, renovo o apelo aos responsáveis políticos e ao setor privado para que tomem as medidas adequadas a garantir o acesso às vacinas contra a Covid-19 e às tecnologias essenciais necessárias para dar assistência aos doentes e a todos aqueles que são mais pobres e mais frágeis.

É doloroso constatar que, ao lado de numerosos testemunhos de caridade e solidariedade, infelizmente ganham novo impulso várias formas de nacionalismo, racismo, xenofobia e também guerras e conflitos que semeiam morte e destruição.

Estes e outros acontecimentos, que marcaram o caminho da humanidade no ano de 2020, ensinam-nos a importância de cuidarmos uns dos outros e da criação a fim de se construir uma sociedade alicerçada em relações de fraternidade. Por isso, escolhi como tema desta mensagem «a cultura do cuidado como percurso de paz»a cultura do cuidado* para erradicar a cultura da indiferença, do descarte e do conflito, que hoje muitas vezes parece prevalecer.”

Deus Criador é a origem da vocação humana ao cuidado, modelo do cuidado.

O cuidado se manifesta no ministério de Jesus, é seu projeto e ação. A cultura do cuidado, está na vida dos seguidores de Jesus.

“As obras de misericórdia espiritual e corporal constituem o núcleo do serviço de caridade da Igreja primitiva. Os cristãos da primeira geração praticavam a partilha para não haver entre eles alguém necessitado (cf. At 4, 34-35) e esforçavam-se por tornar a comunidade uma casa acolhedora, aberta a todas as situações humanas, disposta a ocupar-se dos mais frágeis. Assim, tornou-se habitual fazer ofertas voluntárias para alimentar os pobres, enterrar os mortos e nutrir os órfãos, os idosos e as vítimas de desastres, como os náufragos. E em períodos sucessivos, quando a generosidade dos cristãos perdeu um pouco do seu ímpeto, alguns Padres da Igreja insistiram que a propriedade é pensada por Deus para o bem comum. Santo Ambrósio afirmava que «a natureza concedeu todas as coisas aos homens para uso comum. (…) Portanto, a natureza produziu um direito comum para todos, mas a ganância tornou-o um direito de poucos». Superadas as perseguições dos primeiros séculos, a Igreja aproveitou a liberdade para inspirar a sociedade e a sua cultura. «As necessidades da época exigiam novas energias ao serviço da caridade cristã. As crónicas históricas relatam inúmeros exemplos de obras de misericórdia. De tais esforços conjuntos, resultaram numerosas instituições para alívio das várias necessidades humanas: hospitais, albergues para os pobres, orfanatos, lares para crianças, abrigos para forasteiros, e assim por diante».

 Os princípios da doutrina social da Igreja como base da cultura do cuidado

A diaconia das origens, enriquecida pela reflexão dos Padres e animada, ao longo dos séculos, pela caridade operosa de tantas luminosas testemunhas da fé, tornou-se o coração pulsante da doutrina social da Igreja, proporcionando a todas as pessoas de boa vontade um precioso património de princípios, critérios e indicações, donde se pode haurir a «gramática» do cuidado: a promoção da dignidade de toda a pessoa humana, a solidariedade com os pobres e indefesos, a solicitude pelo bem comum e a salvaguarda da criação.

O cuidado como promoção da dignidade e dos direitos da pessoa, do bem comum

Cada aspeto da vida social, política e econômica encontra a sua realização, quando se coloca ao serviço do bem comum… Quão verdadeiro e atual seja tudo isto, no-lo mostra a pandemia Covid-19, perante a qual «nos demos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados mas ao mesmo tempo importantes e necessários, todos chamados a remar juntos», porque «ninguém se salva sozinho» e nenhum Estado nacional isolado pode assegurar o bem comum da própria população.

O cuidado através da solidariedade – A solidariedade exprime o amor pelo outro de maneira concreta, não como um sentimento vago, mas como «a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum, ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos».

O cuidado na salvaguarda da criação – A propósito, desejo reiterar que «não pode ser autêntico um sentimento de união íntima com os outros seres da natureza, se ao mesmo tempo não houver no coração ternura, compaixão e preocupação pelos seres humanos».

A bússola para um rumo comum – Na verdade, este permitiria estimar o valor e a dignidade de cada pessoa, agir conjunta e solidariamente em prol do bem comum, aliviando quantos padecem por causa da pobreza, da doença, da escravidão, da discriminação e dos conflitos. Através desta bússola, encorajo todos a tornarem-se profetas e testemunhas da cultura do cuidado, a fim de preencher tantas desigualdades sociais. …

A bússola dos princípios sociais, necessária para promover a cultura do cuidado, vale também para as relações entre as nações, que deveriam ser inspiradas pela fraternidade, o respeito mútuo, a solidariedade e a observância do direito internacional. A este respeito, hão de ser reafirmadas a proteção e a promoção dos direitos humanos fundamentais, que são inalienáveis, universais e indivisíveis.

Para educar em ordem à cultura do cuidado – A promoção da cultura do cuidado requer um processo educativo, e a bússola dos princípios sociais constitui, para o efeito, um instrumento fiável para vários contextos relacionados entre si. A propósito, gostaria de fornecer alguns exemplos:

A educação para o cuidado nasce na família, núcleo natural e fundamental da sociedade, onde se aprende a viver em relação e no respeito mútuo. Mas a família precisa de ser colocada em condições de poder cumprir esta tarefa vital e indispensável.

Sempre em colaboração com a família, temos outros sujeitos encarregados da educação como a escola e a universidade e analogamente, em certos aspetos, os sujeitos da comunicação social. São chamados a transmitir um sistema de valores fundado no reconhecimento da dignidade de cada pessoa, de cada comunidade linguística, étnica e religiosa, de cada povo e dos direitos fundamentais que dela derivam. A educação constitui um dos pilares de sociedades mais justas e solidárias.

As religiões em geral, e os líderes religiosos em particular, podem desempenhar um papel insubstituível na transmissão aos fiéis e à sociedade dos valores da solidariedade, do respeito pelas diferenças, do acolhimento e do cuidado dos irmãos mais frágeis. Recordo, a propósito, as palavras que o Papa Paulo VI proferiu no Parlamento do Uganda em 1969: «Não temais a Igreja; esta honra-vos, educa-vos cidadãos honestos e leais, não fomenta rivalidades nem divisões, procura promover a liberdade sadia, a justiça social, a paz; se tem alguma preferência é pelos pobres, a educação dos pequeninos e do povo, o cuidado dos atribulados e desvalidos».

Não há paz sem a cultura do cuidado – A cultura do cuidado, enquanto compromisso comum, solidário e participativo para proteger e promover a dignidade e o bem de todos, enquanto disposição a interessar-se, a prestar atenção, disposição à compaixão, à reconciliação e à cura, ao respeito mútuo e ao acolhimento recíproco, constitui uma via privilegiada para a construção da paz.

Neste tempo, em que a barca da humanidade, sacudida pela tempestade da crise, avança com dificuldade à procura dum horizonte mais calmo e sereno, o leme da dignidade da pessoa humana e a «bússola» dos princípios sociais fundamentais podem consentir-nos de navegar com um rumo seguro e comum. Como cristãos, mantemos o olhar fixo na Virgem Maria, Estrela do Mar e Mãe da Esperança. Colaboremos, todos juntos, a fim de avançar para um novo horizonte de amor e paz, de fraternidade e solidariedade, de apoio mútuo e acolhimento recíproco. Não cedamos à tentação de nos desinteressarmos dos outros, especialmente dos mais frágeis, não nos habituemos a desviar o olhar, mas empenhemo-nos cada dia concretamente por «formar uma comunidade feita de irmãos que se acolhem mutuamente e cuidam uns dos outros».

(MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO PARA A CELEBRAÇÃO DO 54º DIA MUNDIAL DA PAZ – 1º DE JANEIRO DE 2021)

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