Entre
os que receberam o barrete cardinalício em 28 de novembro passado está Raniero
Cantalamessa, frade capuchinho, que desde 1980 é o pregador da Casa Pontifícia.
“Estou muito feliz por continuar minha missão como Pregador Apostólico e por
sair para levar a Boa Nova - diz ele - enquanto minha saúde me permitir
'servir'”
Debora Donnini - Cidade do Vaticano
Um rosto conhecido pela sua simplicidade de frade,
que há 40 anos prega ao Papa e à Cúria Romana. Chamado a esta missão por São
João Paulo II, foi confirmado por Bento XVI e depois pelo Papa Francisco.
Escreveu livros e, no passado, tendo um espaço na Rai Uno, nunca perdeu aquele
traço sereno e humilde e aquele vínculo tão forte com a Ordem dos Frades
Menores Capuchinhos a que pertence.
Desde 2009, quando não está dedicado à pregação na
Casa Pontifícia ou em outras partes do mundo, vive na Ermida do Amor
Misericordioso em Cittaducale, na província de Rieti, prestando seu serviço
sacerdotal a uma pequena comunidade de freiras de clausura.
Na entrevista ao Vatican News, o agora cardeal
explica porque pediu a dispensa da ordenação episcopal prescrita pelo direito
canônico para aqueles que recebem a púrpura cardinalícia e a sua ligação com
São Francisco, que marcou o sentido profundo de sua missão.
Como pregador da Casa Pontifícia o senhor, desde 1980, tem feito meditações todos os anos para o Papa e para a Cúria Romana durante os tempos fortes do Ano Litúrgico. Como o senhor se sente em pregar para o Papa? E onde encontra inspiração para suas meditações?
R.- Na realidade os papéis, neste caso, estão
invertidos. É o Papa quem prega ao pregador e ao resto da Igreja. Às vezes,
quando João Paulo II me agradecia depois da pregação, eu dizia a ele que a
verdadeira pregação era aquela que ele estava dando para mim e para toda a
Igreja. Um Papa que, todas as sextas-feiras de manhã às 9 horas, no Advento e
na Quaresma, encontra tempo para ir ouvir a pregação de um simples padre da
Igreja!
Desde o início, recém-saído da experiência do batismo
no Espírito, me convenci de que o que é mais necessário, ao centro como no
resto da Igreja, não é um anúncio moral ou moralista sobre vícios e virtudes,
ou denúncias vibrantes do mundo contemporâneo, como foi feito durante séculos
antes do Concílio Vaticano II. Em vez disso, é necessária uma pregação
querigmática que anuncie - e quase faça respirar - o senhorio de Cristo. Tive a
alegria de encontrar uma confirmação com muito mais autoridade neste sentido,
no que o Papa Francisco escreveu na Evangelii gaudium sobre o
Querygma, a saber, que deve estar no início, no meio e no fim de todo o anúncio
cristão.
O senhor está particularmente ligado à experiência
da Renovação no Espírito (Renovação Carismática, ndr). Que papel
desempenham hoje os movimentos na Igreja, em particular na caminhada ecumênica?
R.- O que fiz em meu ministério ecumênico
aconteceu, em parte, graças ao meu ofício de pregador pontifício, mas mais
ainda, creio, à experiência do Espírito Santo e do novo Pentecostes que os
cristãos fizeram juntos nas várias Igrejas. Para nós, católicos, este foi um
fruto do Vaticano II, que São João XXIII concebeu como a ocasião de um
"novo Pentecostes" para a Igreja. Em 1977, depois de muita
resistência, me rendi e durante uma estada nos Estados Unidos recebi o que -
nas palavras de Jesus em Atos 1, 5 - é chamado de "o batismo no
Espírito". Foi a maior graça da minha vida, depois do batismo, da
profissão religiosa e da ordenação sacerdotal. Uma graça que renovou e
revigorou todas as graças anteriores e que eu recomendaria a todos que
fizessem, cada um na forma e na ocasião que o Espírito lhe oferece. O Papa
Francisco não deixa passar a ocasião para nos recordar disso: uma verdadeira
renovação da vida cristã e da Igreja só pode acontecer "no Espírito Santo".
A própria unidade dos cristãos é obra sua. Aquele que impele os fiéis das
várias denominações cristãs a superar as barreiras criadas por séculos de
contraposições é o mesmo que, no início, levou a Igreja apostólica a se abrir
primeiro aos "judeus praticantes de todas as nações" (no dia de
Pentecostes) e depois aos próprios pagãos (na casa do centurião Cornélio).
Vendo que Deus concede seu Espírito - muitas vezes com as mesmas idênticas
manifestações e fenômenos externos - a pessoas de fora da Igreja Católica, eu
também fui obrigado a concluir como Pedro no caso de Cornélio: "Pois se
Deus lhes deu a mesma graça que a nós, que cremos no Senhor Jesus Cristo, com
que direito me oporia eu a Deus?" (Atos 11, 17). Sei com certeza que a
mesma constatação é o que levou mais de um protestante e um pentecostal a mudar
de atitude para com os católicos. Falo da Renovação Carismática, mas todos os
movimentos eclesiais, me parece que caminham por essa.
O senhor poderia nos explicar o significado de seu
pedido de dispensa da ordenação episcopal prescrita pelo direito canônico para
aqueles que recebem a púrpura cardinalícia?
R. - Ser consagrado bispo não é um título
honorário, é uma missão. Como bispos, se tornam pastores, e com a minha idade,
86 anos, eu não poderia me tornar um pastor de uma parte do povo, por isso
preferi pedir dispensa ao Santo Padre, também porque assim poderia permanecer
frade capuchinho em todos os efeitos, algo que, com a ordenação episcopal, me
teria sido tirado. A minha não foi uma novidade, outros, tanto durante o
pontificado de João Paulo II como de Bento XVI e do Papa Francisco, o fizeram.
No Consistório em que vos criou cardeais, o Papa
recordou que se sentirdes já não ser o pastor próximo do povo e apenas "a
eminência", se estará "fora da rota", exortando-vos a seguir o
caminho de Jesus, o caminho do "Servo do Senhor". Como essas palavras
ressoam no senhor?
R. - Em meu coração ressoam com força e são
plenamente compartilhadas, por isso estou muito feliz por continuar minha
missão de Pregador Apostólico e sair por aí levando a Boa Nova, até que minha
saúde me permita "servir", como fiz por quarenta anos.
No Consistório, o senhor vestiu o tradicional
hábito marrom de um frade capuchinho. Qual a importância dessa pertença, na
história da sua vocação?
R.-
Aos doze anos senti o chamado do Senhor e com uma clareza tal que jamais
poderia duvidar no resto da minha vida. Sempre considerei isso dom especial e
imerecido de Cristo, pelo qual eu só poderia agradecer. Aconteceu-me, por
vezes, de falar disso por ocasião de retiros aos jovens, para os ajudar a
descobrir os sinais de uma vocação, ou às pessoas consagradas para as encorajar
a redescobrir, por detrás de todos os acontecimentos da sua vida, aquela
semente da qual tudo floresceu e encontrar nela a força para um novo recomeço.
Depois de 60 anos de vida consagrada franciscana, deixar o hábito pela púrpura
parecia-me quase negar os valores particulares de meu Pai São Francisco e
perder minha identidade. Com a sua benevolente concessão, o Papa Francisco
deu-me um grande presente, permitindo-me chegar à morte com o meu hábito e
sendo um frade capuchinho.
Fonte: Vatican News
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