quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

CARDEAL CANTALAMESSA: É PRECISO UMA PREGAÇÃO CENTRADA NO QUERIGMA

 



Entre os que receberam o barrete cardinalício em 28 de novembro passado está Raniero Cantalamessa, frade capuchinho, que desde 1980 é o pregador da Casa Pontifícia. “Estou muito feliz por continuar minha missão como Pregador Apostólico e por sair para levar a Boa Nova - diz ele - enquanto minha saúde me permitir 'servir'”

Debora Donnini - Cidade do Vaticano

Um rosto conhecido pela sua simplicidade de frade, que há 40 anos prega ao Papa e à Cúria Romana. Chamado a esta missão por São João Paulo II, foi confirmado por Bento XVI e depois pelo Papa Francisco. Escreveu livros e, no passado, tendo um espaço na Rai Uno, nunca perdeu aquele traço sereno e humilde e aquele vínculo tão forte com a Ordem dos Frades Menores Capuchinhos a que pertence.

Desde 2009, quando não está dedicado à pregação na Casa Pontifícia ou em outras partes do mundo, vive na Ermida do Amor Misericordioso em Cittaducale, na província de Rieti, prestando seu serviço sacerdotal a uma pequena comunidade de freiras de clausura.

Na entrevista ao Vatican News, o agora cardeal explica porque pediu a dispensa da ordenação episcopal prescrita pelo direito canônico para aqueles que recebem a púrpura cardinalícia e a sua ligação com São Francisco, que marcou o sentido profundo de sua missão.

Como pregador da Casa Pontifícia o senhor, desde 1980, tem feito meditações todos os anos para o Papa e para a Cúria Romana durante os tempos fortes do Ano Litúrgico. Como o senhor se sente em pregar para o Papa? E onde encontra inspiração para suas meditações?

R.- Na realidade os papéis, neste caso, estão invertidos. É o Papa quem prega ao pregador e ao resto da Igreja. Às vezes, quando João Paulo II me agradecia depois da pregação, eu dizia a ele que a verdadeira pregação era aquela que ele estava dando para mim e para toda a Igreja. Um Papa que, todas as sextas-feiras de manhã às 9 horas, no Advento e na Quaresma, encontra tempo para ir ouvir a pregação de um simples padre da Igreja!

Desde o início, recém-saído da experiência do batismo no Espírito, me convenci de que o que é mais necessário, ao centro como no resto da Igreja, não é um anúncio moral ou moralista sobre vícios e virtudes, ou denúncias vibrantes do mundo contemporâneo, como foi feito durante séculos antes do Concílio Vaticano II. Em vez disso, é necessária uma pregação querigmática que anuncie - e quase faça respirar - o senhorio de Cristo. Tive a alegria de encontrar uma confirmação com muito mais autoridade neste sentido, no que o Papa Francisco escreveu na Evangelii gaudium sobre o Querygma, a saber, que deve estar no início, no meio e no fim de todo o anúncio cristão.

O senhor está particularmente ligado à experiência da Renovação no Espírito (Renovação Carismática, ndr). Que papel desempenham hoje os movimentos na Igreja, em particular na caminhada ecumênica?

R.- O que fiz em meu ministério ecumênico aconteceu, em parte, graças ao meu ofício de pregador pontifício, mas mais ainda, creio, à experiência do Espírito Santo e do novo Pentecostes que os cristãos fizeram juntos nas várias Igrejas. Para nós, católicos, este foi um fruto do Vaticano II, que São João XXIII concebeu como a ocasião de um "novo Pentecostes" para a Igreja. Em 1977, depois de muita resistência, me rendi e durante uma estada nos Estados Unidos recebi o que - nas palavras de Jesus em Atos 1, 5 - é chamado de "o batismo no Espírito". Foi a maior graça da minha vida, depois do batismo, da profissão religiosa e da ordenação sacerdotal. Uma graça que renovou e revigorou todas as graças anteriores e que eu recomendaria a todos que fizessem, cada um na forma e na ocasião que o Espírito lhe oferece. O Papa Francisco não deixa passar a ocasião para nos recordar disso: uma verdadeira renovação da vida cristã e da Igreja só pode acontecer "no Espírito Santo". A própria unidade dos cristãos é obra sua. Aquele que impele os fiéis das várias denominações cristãs a superar as barreiras criadas por séculos de contraposições é o mesmo que, no início, levou a Igreja apostólica a se abrir primeiro aos "judeus praticantes de todas as nações" (no dia de Pentecostes) e depois aos próprios pagãos (na casa do centurião Cornélio). Vendo que Deus concede seu Espírito - muitas vezes com as mesmas idênticas manifestações e fenômenos externos - a pessoas de fora da Igreja Católica, eu também fui obrigado a concluir como Pedro no caso de Cornélio: "Pois se Deus lhes deu a mesma graça que a nós, que cremos no Senhor Jesus Cristo, com que direito me oporia eu a Deus?" (Atos 11, 17). Sei com certeza que a mesma constatação é o que levou mais de um protestante e um pentecostal a mudar de atitude para com os católicos. Falo da Renovação Carismática, mas todos os movimentos eclesiais, me parece que caminham por essa.

O senhor poderia nos explicar o significado de seu pedido de dispensa da ordenação episcopal prescrita pelo direito canônico para aqueles que recebem a púrpura cardinalícia?

R. - Ser consagrado bispo não é um título honorário, é uma missão. Como bispos, se tornam pastores, e com a minha idade, 86 anos, eu não poderia me tornar um pastor de uma parte do povo, por isso preferi pedir dispensa ao Santo Padre, também porque assim poderia permanecer frade capuchinho em todos os efeitos, algo que, com a ordenação episcopal, me teria sido tirado. A minha não foi uma novidade, outros, tanto durante o pontificado de João Paulo II como de Bento XVI e do Papa Francisco, o fizeram.

No Consistório em que vos criou cardeais, o Papa recordou que se sentirdes já não ser o pastor próximo do povo e apenas "a eminência", se estará "fora da rota", exortando-vos a seguir o caminho de Jesus, o caminho do "Servo do Senhor". Como essas palavras ressoam no senhor?

R. - Em meu coração ressoam com força e são plenamente compartilhadas, por isso estou muito feliz por continuar minha missão de Pregador Apostólico e sair por aí levando a Boa Nova, até que minha saúde me permita "servir", como fiz por quarenta anos.

No Consistório, o senhor vestiu o tradicional hábito marrom de um frade capuchinho. Qual a importância dessa pertença, na história da sua vocação?

R.- Aos doze anos senti o chamado do Senhor e com uma clareza tal que jamais poderia duvidar no resto da minha vida. Sempre considerei isso dom especial e imerecido de Cristo, pelo qual eu só poderia agradecer. Aconteceu-me, por vezes, de falar disso por ocasião de retiros aos jovens, para os ajudar a descobrir os sinais de uma vocação, ou às pessoas consagradas para as encorajar a redescobrir, por detrás de todos os acontecimentos da sua vida, aquela semente da qual tudo floresceu e encontrar nela a força para um novo recomeço. Depois de 60 anos de vida consagrada franciscana, deixar o hábito pela púrpura parecia-me quase negar os valores particulares de meu Pai São Francisco e perder minha identidade. Com a sua benevolente concessão, o Papa Francisco deu-me um grande presente, permitindo-me chegar à morte com o meu hábito e sendo um frade capuchinho.

Fonte: Vatican News

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