"Vocês
são motivados a cuidar dos últimos e da criação, e querem fazê-lo seguindo o
exemplo de São Francisco de Assis, com mansidão e laboriosidade", disse o
Papa aos membros da comunidade Laudato Si, propondo-lhes duas palavras-chave da
ecologia integral: contemplação e compaixão.
Vatican News
No final da manhã deste sábado o Papa Francisco
recebeu na Sala Paulo VI cerca de 250 participantes da comunidade Laudato Si.
Eis o texto escrito de seu pronunciamento (sem os acréscimos feitos):
Queridos irmãos e irmãs!
Dou-lhes as boas-vindas e, ao cumprimentá-los,
desejo chegar a todos os membros das Comunidades Laudato si’, na
Itália e no mundo. Vocês colocaram a ecologia integral proposta pela
Encíclica Laudato si’ como a força propulsora de todas as suas
iniciativas. Integral, porque somos todos criaturas e tudo na criação está em
relação, tudo está relacionado. Até mesmo a pandemia demonstrou isso: a saúde
do ser humano não pode ser separada da saúde do ambiente em que ele vive.
Também é evidente que as mudanças climáticas não só perturbam o equilíbrio da
natureza, mas também causa pobreza e fome, afetam os mais vulneráveis e às
vezes os obriga a deixar suas terras. A falta de cuidado com a criação e as
injustiças sociais se influenciam reciprocamente: pode-se dizer que não há
ecologia sem equidade e que não há equidade sem ecologia.
Vocês são motivados a cuidar dos últimos e da
criação, e querem fazê-lo seguindo o exemplo de São Francisco de Assis, com
mansidão e laboriosidade. Agradeço-lhes por isso e renovo o apelo para que se
comprometam a salvaguardar a nossa Casa comum. Esta é uma tarefa que diz
respeito a todos, especialmente os responsáveis pelas nações e atividades
produtivas. É necessária uma vontade real para enfrentar na raiz as causas das
atuais mudanças climáticas. Compromissos genéricos não são suficientes, e não
se pode olhar apenas para o consentimento imediato dos próprios eleitores ou
financiadores. É preciso olhar distante, caso contrário, a história não
perdoará. É preciso trabalhar hoje para o amanhã de todos. Os jovens e os
pobres vão nos pedir conta.
Queridos amigos, agora gostaria de partilhar com
vocês duas palavras-chave da ecologia integral: contemplação e
compaixão.
Contemplação. Hoje,
a natureza que nos circunda não é mais admirada, mas “devorada”. Tornamo-nos
vorazes, dependentes do lucro e dos resultados imediatos a qualquer custo. O
olhar sobre a realidade é cada vez mais rápido, distraído, superficial,
enquanto em pouco tempo as notícias e as florestas se queimam. Doentes de
consumo, nos preocupamos em ter o último “aplicativo”, mas não sabemos mais os
nomes de nossos vizinhos, muito menos sabemos distinguir uma árvore da outra. E
o que é mais grave, com este estilo de vida se perdem as raízes, se perde a
gratidão por aquilo que tem e por quem nos deu. Para não esquecer, é preciso
voltar à contemplação; para não nos distrair com mil coisas inúteis, é preciso
reencontrar o silêncio; para que o coração não fique doente, é preciso parar.
Não é fácil. É necessário, por exemplo, libertar-se da prisão do telefone
celular, para olhar nos olhos quem está ao nosso lado e a criação que nos foi
doada.
Contemplar é dar-se tempo para ficar em silêncio,
para rezar, para que na alma retorne a harmonia, o equilíbrio saudável entre
cabeça, coração e mãos, entre pensamento, sentimento e ação. A contemplação é o
antídoto para as escolhas precipitadas, superficiais e inconclusivas. Quem
contempla, aprende a sentir o chão que o sustenta, entende que não está sozinho
e sem sentido no mundo. Descobre a ternura do olhar de Deus e entende que é
precioso. Cada um é importante aos olhos de Deus, cada um pode transformar um
pouco de mundo poluído pela voracidade humana na realidade boa querida pelo
Criador. Quem sabe contemplar não fica com as mãos paradas, mas faz algo
concreto.
Eis a segunda palavra: compaixão. É
o fruto da contemplação. Como se entende que alguém é contemplativo, que
assimilou o olhar de Deus? Se tem compaixão pelos outros, se vai além das
desculpas e teorias, para ver nos outros irmãos e irmãs para amar. Esta é a
prova, porque o mesmo acontece com o olhar de Deus que, apesar de todo o mal
que pensamos e fazemos, sempre nos vê como filhos amados. Ele não vê
indivíduos, mas filhos, nos vê irmãos e irmãs de uma única família, que mora na
mesma casa. Nunca somos estranhos aos seus olhos. A sua compaixão é o oposto de
nossa indiferença.
Vale também para nós: a nossa compaixão é a melhor
vacina contra a epidemia da indiferença. “Não me diz respeito”, “não me
importa”, “não me interessa”: estes são os sintomas da indiferença. Quem tem
compaixão passa do “não me importo com você” ao “você é importante para mim”.
Mas a compaixão não é um sentimento bonito, não é pietismo, é criar um novo
vínculo com o outro. É assumir, como fez o bom Samaritano que, movido pela
compaixão, cuida daquela vítima que nem mesmo conhece. O mundo precisa dessa
caridade criativa e ativa, de pessoas que não estão diante de uma tela para
comentar, mas que sujam as mãos para remover a degradação e restabelecer a
dignidade. Ter compaixão é uma escolha: é escolher não ter nenhum inimigo para
ver o meu próximo em cada um.
Isso não significa amolecer e parar de lutar. Pelo
contrário, quem tem compaixão entra numa dura luta cotidiana contra o descarte
e o desperdício, o descarte dos outros e o desperdício das coisas. Dói
pensar quantas pessoas são descartadas sem compaixão: idosos, crianças,
trabalhadores, pessoas com deficiência... Mas o desperdício das coisas também é
escandaloso. A FAO documentou que, nos países industrializados, mais de um
bilhão de toneladas de alimentos comestíveis são jogados fora em um ano! Vamos
nos ajudar e lutar juntos contra o descarte e o desperdício. Vamos exigir
escolhas políticas que combinem progresso e equidade, desenvolvimento e
sustentabilidade para todos, para que ninguém seja privado da terra em que
vive, do bom ar que respira, da água que tem o direito de beber e do alimento
que tem o direito de comer.
Tenho
certeza de que os membros de cada uma de suas comunidades não se contentarão em
viver como espectadores, mas serão sempre protagonistas bons e determinados na
construção do futuro de todos. Desejo que nutram a contemplação e a compaixão,
ingredientes indispensáveis da ecologia integral. Mais uma vez obrigado por sua
presença e por seu compromisso. Eu os abençoo e lhes peço, por favor, que rezem
por mim.
Fonte: Vatican News
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