Cardeal Becciu. Foto: Daniel Ibáñez /
ACI Prensa
Vaticano, 25 set. 20 / 03:45 pm (ACI).-
A renúncia do Cardeal Angelo Becciu, aceita nesta quinta-feira, 24 de setembro,
pelo Papa Francisco, após uma série de informações publicadas
pela Catholic News Agency (CNA), agência em inglês do grupo ACI,
sobre os escândalos financeiros no quais estaria envolvido o até ontem,
Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, revelou novos detalhes sobre
os motivos últimos que levaram o Pontífice a pedir a demissão do Purpurado de
72 anos.
Segundo as investigações, o Cardeal
Becciu teria usado milhões de euros de fundos de caridade do Vaticano em
investimentos especulativos e de risco. O dinheiro proveniente das finanças do
Vaticano e da Conferência Episcopal Italiana teria beneficiado projetos
dirigidos pelos irmãos do Cardeal.
As principais acusações contra o
Cardeal Becciu referem-se ao período em que atuou como Substituto da Secretaria
de Estado do Vaticano entre 2011 e 2018, ano em que o Papa Francisco o nomeou
Cardeal e o nomeou Prefeito da Congregação para as Causas do Santos.
De acordo com informações divulgadas
pela CNA, 200 milhões de dólares foram usados para
financiar a compra pela Secretaria de Estado de um imóvel de luxo na Sloane
Avenue, em Londres. Parte desses 200 milhões teria sido obtida por meio de um
empréstimo concedido pelo BSI, um banco suíço om uma longa trajetória de
violação das salvaguardas contra lavagem de dinheiro e fraude.
Além disso, de acordo com um recente
artigo publicado pelo semanário italiano L'Espresso, o cardeal Becciu entregou
ao financista Enrico Crasso, ex-diretor do Credit Suisse, o controle de milhões
de euros de fundos de investimento do Vaticano da Secretaria de Estado e do
fundo de caridade do Óbolo de São Pedro.
Crasso também é diretor do Centurion
Global Fund, um fundo de investimento empregado pela Secretaria de Estado com
vínculos com bancos suíços investigados ou implicados em subornos e escândalos
de lavagem de dinheiro.
Segundo informou CNA, trata-se do
mesmo fundo com o qual a Secretaria de Estado do Vaticano investiu milhões de
euros, incluindo dinheiro do Óbolo de São Pedro.
Os relatórios mostram que, embora os
fundos mútuos tenham perdido dinheiro, seus administradores, incluindo Crasso,
ganharam milhões em comissões. O fundo de investimento Centurion está sob
investigação por parte das autoridades do Vaticano desde dezembro de 2019.
Segundo a informação publicada por
L'Espresso, Crasso direcionou o dinheiro do Vaticano para fundos altamente
especulativos com baixas margens de retorno e estabelecidos em paraísos
fiscais. Nessa mesma informação, detalha-se que o Cardeal Becciu usou dinheiro
do Óbolo de São Pedro para financiar projetos de três de seus irmãos.
L'Espresso cita, especificamente, que
o Cardeal Becciu obteve doações da Conferência Episcopal Italiana no valor de
300 mil euros destinados à cooperativa Spes entre 2013 e 2015.
A Cooperativa Spes é o braço
operacional da Cáritas Diocesana da Diocese de Ozieri, na Sardenha, à qual
pertencia o Cardeal. O responsável e representante legal da Cooperativa Spes é
um dos irmãos do cardeal Becciu.
Em 2018, o Cardeal entregou a Spes a
quantia de 100 mil euros do Óbolo de São Pedro, que era controlado por ele
quando era Substituto do Secretário de Estado.
Sobre a denúncia, o Cardeal Becciu
assegurou nesta sexta-feira, 25 de setembro, em uma entrevista coletiva em
Roma, que esses 100 mil dólares não foram tocados e ainda estão no fundo da Cáritas
da diocese de Ozieri.
“Pareceu-me estranho que esse
dinheiro fosse absorvido pela Cooperativa, tanto que, quando cheguei em casa,
liguei para o meu irmão pelo telefone, liguei para o Bispo, e disseram-me,
'não, os 100 mil estão aí, no fundo da Cáritas, ainda não usamos, porque
estamos pensando em fazer um projeto importante para os pobres'. Portanto, não
entendo que esteja sendo acusado de peculato ou de favorecer minha família, meu
irmão. Porque o dinheiro ainda está lá”.
Em um comunicado de 24 de setembro, o
Bispo de Ozieri e presidente da Cáritas Diocesana, Dom Corrado Melis, afirmou
que esta instituição “nunca se beneficiou” de favores duvidosos ou ilegítimos e
que “nunca usaram um centavo” de fundos destinados a obras de caridade para
propósitos diferentes dessa finalidade.
Por outro lado, o Cardeal Becciu
também intercedeu, segundo informações publicadas, em favor de outro irmão
quando era Núncio em Angola e, posteriormente, em Cuba. Nesse período,
contratou-se a empresa de carpintaria do irmão do Cardeal para mobiliar e
reparar as igrejas em ambos os países.
O Cardeal Becciu também teria ajudado
a conseguir clientes para a empresa Angel’s srl, uma distribuidora de alimentos
e bebidas da qual outro irmão do Cardeal é o sócio majoritário e representante
legal.
Em um comunicado divulgado nesta
sexta-feira, 25, a família do Cardeal Becciu afirma que as notícias que
denunciam que o Cardeal Becciu favoreceu seus irmãos são “infundadas,
maliciosas e falsas, em particular as referências imaginativas e não
comprovadas da concessão de doações do Óbolo de São Pedro”.
Segundo as informações, os grandes
lucros das empresas dos irmãos Becciu teriam sido reinvestidos em produtos
financeiros, ações e em valores de refúgio de baixo risco. Os rendimentos
gerados por estes investimentos foram, por sua vez, reinvestidos em fundos de
investimento do Secretário de Estado, como o Fundo Centurión.
Por meio de Crasso, o Cardeal Becciu
também teria entrado em contato com Lorenzo Vangelisti, diretor-geral do Valeur
Group, empresa de gestão de ativos, assessoria, comércio e imobiliária.
Vangelisti esteve envolvido na compra
pelo Vaticano da propriedade da Sloane Avenue, em Londres, junto com o diretor
de ações da Valeur, Alessandro Noceti, que trabalhava para a Suisse Credit em
Londres.
O Cardeal Becciu, segundo informou a
CNA no ano passado, também foi acusado de contratar sua sobrinha, Maria Piera
Becciu, como secretária pessoal do Pe. Franco Decaminada, ex-presidente de um
hospital italiano também ligado a um escândalo financeiro no Vaticano.
Decaminada foi detido em 2013 e
enviado para a prisão por seu envolvimento na fraude massiva e corrupção
causadas pelo colapso do Instituto Dermopático da Imaculada.
Conforme informou CNA em 2019, o
Cardeal Becciu também foi acusado de tentar disfarçar os empréstimos nos
balanços do Vaticano, cancelando-os contra o valor da propriedade comprada no
bairro londrino de Chelsea, uma manobra contábil proibida pelas novas políticas
financeiras aprovadas pelo Papa Francisco em 2014.
A suposta tentativa teria sido
detectada pela Prefeitura de Economia, então liderada pelo cardeal George Pell.
Altos funcionários do secretariado disseram à CNA que quando o cardeal
australiano pediu para ver os detalhes dos empréstimos, o Cardeal Becciu o
chamou à Secretaria de Estado para uma "reprimenda".
Na coletiva de imprensa realizada
nesta sexta-feira em Roma, o Cardeal Becciu afirmou que se sente “atordoado.
Tudo me parece surreal, mas tento ser realista. É uma coisa surreal porque
ontem, até as 18h02, me sentia amigo do Papa, fiel servidor do Papa. E, depois,
o Papa, falando, me diz que não tem mais confiança em mim porque os magistrados
assinalaram que eu havia cometido atos de peculato”.
Além disso, assegurou que renova sua
confiança no Santo Padre. “Eu lhe prometi fidelidade até o final e, inclusive,
ao criar-me Cardeal, prometi dar a vida pela Igreja e
pelo Papa, e eu não o trairei jamais, sou fiel e estou preparado para dar minha
vida por eles”.
Segundo assegurou, ainda não recebeu
nenhuma comunicação da justiça das acusações contra ele.
Por outro lado, o Vaticano ainda não
se pronunciou sobre as razões que levaram à renúncia do Cardeal Becciu. Após a
coletiva de imprensa do Cardeal, nenhum comunicado ou declaração da Santa Sé
foi divulgada.
Fonte: ACI Digital
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