Em plena pandemia, há gente de igrejas tomada pelo frenesi de “voltar à normalidade”. Que normalidade? A missa de sempre, o terço de sempre, as festas de padroeiro de sempre? É isso?
Voltar à vidinha cotidiana pode parecer a escolha mais óbvia e prática. E as igrejas fechadas e o sofrimento sem fim de hoje em dia? Será que Deus está tentando nos dizer algo?
Por que não pensar corajosamente, à semelhança de Jesus, numa igreja que, para além das celebrações, promove a paz, denuncia as injustiças e luta contra a exclusão?
A crise da pandemia tem sua origem num sistema econômico baseado na lógica do lucro. Essa crise é velha, profunda. Está nos destruindo e devorando à luz do dia e não reagimos.
Pior ainda é a aliança que se criou, entre políticos e religiosos. Eles utilizam a imagem de Cristo para legitimar um projeto de morte. Esta cegueira é o terreno fértil onde se alimenta o ódio contra os pobres e o papa Francisco. Cegos, guiando cegos. Por que a gente precisa de tantos cadáveres para compreender o que deveria ser óbvio? Estão exterminando os pobres só “administrando” a Covid-19. Que desafio para o cristianismo!
É urgente acelerar o caminho de reforma indicado pelo papa Francisco. Ele compara a igreja a um “hospital de campanha” para as igrejas entenderem a necessidade de derrubar seus muros e sair ao encontro da humanidade dilacerada.
Na véspera da sua eleição papal, Francisco citou um trecho do Apocalipse em que Jesus está à porta e bate. E acrescentou: “Hoje, Cristo bate a partir de dentro da igreja e quer sair”.
Saindo vamos reconhecer o Senhor vivo quando tocamos suas feridas e as feridas da humanidade que Ele assumiu quando nasceu em Belém.
Já não basta as igrejas acolherem “as ovelhas perdidas”. O Mestre chama-nos, agora, para ir, junto com ele, para o mar aberto, caminhando sobre as ondas bravas dos conflitos sociais, como Pedro. (Mt 14,22)
Para descobrir uma nova identidade para o cristianismo devemos deixar de lado muitas atividades habituais e voltar essa quarentena à reflexão para perceber como ser sal e luz, a partir das feridas dos nossos bairros e do mundo. Aí, finalmente, podemos responder a questão de fundo: “E agora, o que devemos fazer?”.
Assim o centro de nossas preocupações não será a igreja, mas serão os pobres, os presos, os migrantes, os desempregados, os famintos… os crucificados de sempre. (Mt 25,31-40 e Lc 4,16-21) Esta atitude é urgente para dar sentido pleno à eucaristia que não é só o pão e o vinho, mas é também lavar os pés, isto é, assumir sobre si a compaixão pela humanidade.
Para curar estas feridas e criar um mundo de paz, precisamos de milhões de pessoas conscientes, honestas e competentes: uma tarefa gigantesca para as igrejas. Nossa conversão é necessária e urgente para nos juntarmos àqueles que, dentro e fora das igrejas institucionais, já estão sacrificando suas vidas para esta finalidade. Será um processo longo e sofrido, mas “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário