Cinco
detentos, uma família vítima de homicídio, a filha de um condenado a prisão
perpétua, uma educadora, um juiz corregedor de presídios, a mãe de um
presidiário, uma catequista, um sacerdote acusado injustamente, um frade
voluntário, um policial, todos ligados à Capelania do Cárcere “Due Palazzi” de
Pádua: são os autores das meditações que serão lidas durante a Via-Sacra deste
ano, presidida pelo Papa Francisco no adro da Basílica de São Pedro
Adriana Masotti – Cidade do Vaticano
“Acompanhar Cristo no Caminho da
Cruz, com a voz rouca dos que vivem no mundo carcerário, é uma oportunidade
para assistir ao prodigioso duelo entre a Vida e a Morte, descobrindo como os
fios do bem se entrelacem inevitavelmente com os fios do mal”. São palavras
escritas na introdução das meditações da Via-Sacra publicadas pela Libreria
Editrice Vaticana. Os textos, as narrações do capelão do Instituto carcerário
“Due Palazzi” de Pádua, padre Marco Pozza, e da voluntária Tatuana Mario, foram
escritos por eles mesmos, mas pretendem dar voz a todos os que compartilham a
mesma condição no mundo inteiro.
No cárcere, Jesus me procurou
“Crucifica-o, crucifica-o!”. A pessoa
que comenta a primeira estação (Jesus é condenado à morte) é um condenado à
prisão perpétua. Crucifica-o “é um grito que ouvi dirigido a mim”, escreve. A
sua crucificação iniciou quando era criança, uma criança marginalizada, agora
considera-se mais semelhante a Barrabás do que a Cristo. O seu passado é algo
que lhe causa repulsa. “Depois de 29 anos de prisão – afirma – ainda não perdi
a capacidade de chorar, de me envergonhar pelo mal que fiz (…) porém sempre
procurei algo que fosse vida”. Hoje “percebo, no coração, que aquele Homem
inocente, condenado como eu, veio me procurar no cárcere para me educar para a
vida”.
O amor é mais forte que o mal
Na segunda estação (“Jesus carrega a
cruz”), a meditação foi escrita por um casal que teve sua filha assassinada.
“Nossa vida foi sempre uma vida de sacrifícios, baseada no trabalho e na
família. Muitas vezes nos perguntamos: Por que este mal foi acontecer
exatamente conosco? Não temos paz”. Sobreviver à morte de um filho é doloroso,
mas “no momento em que o desespero parece tomar conta de tudo, o Senhor, de
mais de um modo, vem ao nosso encontro, nos dando a graça de nos amarmos como
casal, apoiando-nos um ao outro, mesmo com dificuldade”. Continuam a fazer o
bem aos outros, e deste modo encontram uma forma de salvação, não querem se
render ao mal. Provam que “o amor de Deus é capaz de regenerar a vida”.
No mundo há também a bondade
Na terceira estação (“Jesus cai pela
primeira vez”) um presidiário conta que a sua queda, a primeira foi o seu fim.
Depois de uma vida difícil, na qual não se dava conta que o mal estava
crescendo dentro de si, dominando-o, tirou a vida de uma pessoa. “Uma noite, em
um instante, como uma avalanche – escreve – desencadearam na minha cabeça todas
as injustiças às quais fui submetido durante a vida. A raiva assassinou a
gentileza, cometi um mal imensamente maior do que todos os que tinha recebido”.
Na prisão tentou o suicídio, mas depois encontrou a luz, por meio do encontro
com pessoas que lhe davam novamente “a confiança perdida”, mostrando-lhe que
neste mundo existe também a bondade.
O olhar do amor entre a mãe e o filho
“Nem mesmo por um instante tive a
tentação de abandonar meu filho à sua condenação”, afirma a mãe de um detento.
As suas palavras comentam a quarta estação (Jesus encontra Maria, sua Mãe”).
Desde a prisão do filho “as feridas crescem com o passar dos dias, tirando-nos
até mesmo o ar que respiramos. Percebo a proximidade de Nossa Senhora… Confiei
meu filho a Ela: posso confiar os meus medos somente a Maria, visto que ela
mesma os sofreu enquanto subia o Calvário”. E continua: “Imagino Jesus, ao
elevar seu olhar, tenha cruzado com os olhos de sua mãe cheios de amor e não
tenha se sentido sozinho em nenhum momento. Assim eu quero que meu filho se
sinta”.
O sonho de ser um Cireneu para os
outros
A quinta estação também é explicada
por um prisioneiro (O Cireneu ajuda Jesus a levar a cruz”). A cruz a ser
carregada é pesada, mas “dentro da prisão Simão Cireneu é conhecido por todos:
é o segundo nome dos voluntários, dos que sobem este calvário para ajudar a
levar a uma cruz”. Um outro Simão Cireneu é o seu companheiro de cela, capaz de
uma generosidade inesperada. Conclui: “Estou envelhecendo na prisão: sonho em
um dia poder confiar no homem. Torna-me um cireneu da alegria para alguém”.
Um olhar que permite recomeçar
“Como catequista enxugo muitas
lágrimas, deixando-as escorrer: não se pode deter o pranto de corações dilacerados”.
São as palavras de uma catequista que reflete deste modo a sexta estação
(“Verônica enxuga o rosto de Jesus”). Como fazer para abrandar a angústia de
homens “que não encontram uma saída depois de cederam ao mal?”. O único caminho
é ficar ali, ao lado deles, sem nenhum medo, “respeitando seus silêncios,
escutando suas dores, procurando olhar além do preconceito”. Assim como faz
Jesus com as nossas fragilidades. E escreve: “A cada um, também aos reclusos, é
oferecido todos os dias, a possibilidade de se tornarem pessoas novas graças
Àquele olhar que não julga, mas inspira vida e esperança”.
A vontade de reconstruir a própria
vida
Na sétima estação (“Jesus cai pela
segunda vez”), um prisioneiro culpado de tráfico de drogas, que causou a prisão
de toda sua família junto com ele, sente uma infinita vergonha de si mesmo.
Escreve: “Só hoje consigo admitir: naquela época que não sabia o que fazia,
agora que sei, com a ajuda de Deus, estou tentando reconstruir a minha vida”. A
ideia de que o mal continue e comandar a sua vida lhe é insuportável, tornou-se
a sua via-sacra. A oração ao Senhor é: “Por todos os que ainda não souberam
como escapar do poder de Satanás, a todo o fascínio das suas obras e às suas
múltiplas formas de sedução”.
Para mim esperar é uma obrigação
“Há 28 anos pago a pena de crescer
sem pai”, é a experiência de uma filha de um condenado à prisão perpétua ao
comentar a oitava estação (“Jesus encontra as mulheres de Jerusalém”). Na minha
família tudo se desagregou, ela viaja pela Itália para ficar perto de seu pai
todas as vezes que o transferem de uma prisão a outra, e refletindo sobre sua
vida diz: “Há pais que por amor aprendem a esperar que o filho amadureça. Para
mim, por amor, espero a volta de meu pai. Para os que vivem como nós, a esperança
é uma obrigação”.
A força de se levantar e a coragem de
deixar-se ajudar
Cair e todas as vezes se levantar é o
testemunho de um detento que se identifica com o que vê na nona estação (“Jesus
cai pela terceira vez”). “Como Pedro procurei e encontrei mil desculpas para os
meus erros: o fato estranho é que um fragmento de bem sempre ficou aceso dentro
de mim”, escreve. E conclui: “É verdade que me despedacei em mil pedaços, mas a
beleza é que aqueles pedaços podem ainda ser recompostos. Não é fácil: porém é
a única coisa, que aqui dentro, ainda tenha um significado”.
Sustentar os que perderam tudo
Na décima estação é recordado “Jesus
é despojado de suas vestes”, uma educadora que trabalha na prisão vê isso em
muitos cárceres, pessoas despojadas de sua dignidade e do respeito por si e
pelos outros. São homens e mulheres “desesperados em suas fragilidades, muitas
vezes privados do necessário para compreender o mal que cometeram. Porém,
lentamente assemelham a crianças recém-nascidas que ainda podem ser modeladas”.
Mas não é fácil levar adiante este compromisso. “Neste serviço tão delicado –
escreve – temos necessidade de não nos sentirmos tão abandonados, para poder
sustentar tantas vidas que nos foram confiadas e que correm todos os dias o
risco de naufragarem”.
Os inocentes culpados por falsas
acusações
Na décima-primeira estação da Via-Sacra
(“Jesus é pregado na cruz”), a meditação é de um sacerdote acusado e depois
absolvido. A sua pessoal via-sacra durou 10 anos, “inundada por arquivos,
suspeitas, acusações e injúrias”. Enquanto subia o calvário, conta, encontrou
muitos cireneus que lhe ajudaram a carregar o peso da cruz. Juntos rezaram pelo
jovem que o tinha acusado. “O dia em que fui absolvido – escreve – descobri que
era mais feliz do que dez anos atrás: toquei com a mão a ação de Deus na minha
vida. Preso na cruz, o meu sacerdócio se iluminou”.
A pessoa por trás da culpa
O comentário da décima-segunda
estação é de um juiz corregedor de presídios (“Jesus morre na cruz”). Uma
verdadeira justiça – afirma – é possível somente através da misericórdia que
não prega o homem na cruz para sempre”. É necessário ajudá-lo a se levantar,
descobrindo que o bem, apesar de tudo, “nunca se apaga completamente no seu
coração”. Mas isso só será possível aprendendo “a reconhecer a pessoa escondida
por trás da culpa cometida”, deste modo pode-se “entrever um horizonte que pode
dar esperança às pessoas condenadas”. A oração ao Senhor é pelos “magistrados,
juízes e advogados, para que se mantenham íntegros no exercício de seu serviço”
em favor principalmente dos mais pobres.
Imaginarmo-nos diferente de como nos
vemos
Na décima-terceira estação (“Jesus é
descido da cruz”) a meditação é de um frade que é voluntário há sessenta anos
nos cárceres. Nós cristãos – afirma – facilmente caímos na tentação de nos
sentirmos melhores do que os outros (…) Passando de uma cela a outra vejo a
morte que mora ali dentro”. A sua tarefa é a de se deter em silêncio diante dos
muitos “rostos devastados pelo mal e escutá-los com misericórdia”. Acolher a
pessoa é deslocar do seu olhar o erro que cometeu. “Só assim poderá confiar em
si mesmo e reencontrar a força de se render ao Bem, imaginando-se outra pessoa
de como agora se vê”. Esta é a missão da Igreja.
Gestos e palavras que fazem a
diferença
“Jesus é depositado no sepulcro” é a
última estação, a décima-quarta. As palavras de um agente da Polícia
Penitenciária, diácono permanente, concluem a Via-Sacra. No seu trabalho, todos
os dias vive com o sofrimento e sabe que no cárcere “um homem bom pode se
tornar um homem sádico. Um homem mau pode se tornar melhor”. Depende também dele.
E dar outra possibilidade aos que fizeram o mal é a sua tarefa diária que se
traduz “em gestos, atenções e palavras capazes de fazer a diferença”. Capazes
de dar novamente esperança a pessoas resignadas e assustadas pelo pensamento de
receber, ao cumprir a pena, uma nova rejeição por parte da sociedade. “No
cárcere – conclui – recordo a todos que, com Deus, nenhum pecado jamais terá a
última palavra”.
Confira
o texto integral das meditações: https://is.gd/vrEHWj
Fonte: Vatican News
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