"A
«religião do eu» continua, hipócrita com os seus ritos e as suas «orações»,
porém, muitos são católicos, se confessam católicos, mas se esqueceram de ser
cristãos e humanos", disse Francisco em sua homilia.
Cidade do Vaticano
O Papa Francisco presidiu a missa de
encerramento da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região
Pan-amazônica, neste domingo (27/10), na Basílica de São Pedro.
O Pontífice iniciou sua homilia,
dizendo que neste domingo, “a Palavra de Deus nos ajuda a rezar por meio de
três personagens: na parábola de Jesus, rezam o fariseu e o publicano; na
primeira Leitura, fala-se da oração do pobre”.
Em sua oração, “o fariseu
vangloria-se porque cumpre do melhor modo possível preceitos particulares, mas
esquece o maior: amar a Deus e ao próximo. Transbordando de
confiança própria, da sua capacidade de observar os mandamentos, dos seus
méritos e virtudes, o fariseu aparece centrado apenas em si mesmo. O drama
desse homem é que vive sem amor. Mas, sem amor, até as melhores coisas de nada
seriam, como diz São Paulo. E sem amor, qual é o resultado? No fim das contas,
em vez de rezar, elogia-se a si mesmo. De fato, não pede nada ao Senhor, porque
não se sente necessitado nem em dívida, mas com crédito. Está no templo de
Deus, mas pratica outra religião, a religião do eu”. Muitos grupos
ilustres, cristãos católicos, vão por esta estrada.
E além de Deus, o fariseu esquece o
próximo, o despreza, ou seja, não lhe dá valor. Considera-se melhor que os
outros designados por ele como «o resto, os restantes».
“Em outras palavras, são «restos»,
descartados dos quais manter-se à distância. Quantas vezes vemos acontecer esta
dinâmica na vida e na história! Quantas vezes quem está à frente, como o
fariseu relativamente ao publicano, levanta muros para aumentar as distâncias,
tornando os outros ainda mais descartados. Ou então, considerando-os atrasados
e de pouco valor, despreza as suas tradições, cancela suas histórias, ocupa os
seus territórios e usurpa os seus bens. Quanta superioridade presumida, que se
transforma em opressão e exploração, ainda hoje! Vimos isso no Sínodo quando
falamos da exploração da Criação, das pessoas, dos habitantes da Amazônia, do
tráfico de pessoas, do comércio de pessoas!”
Segundo o Papa, “os erros do passado
não foram suficientes para deixarmos de saquear os outros e causar ferimentos
aos nossos irmãos e à nossa irmã terra: vimos isso no rosto desfigurado da
Amazônia”.
“A «religião do eu» continua,
hipócrita com os seus ritos e as suas «orações», porém, muitos são católicos,
se confessam católicos, mas se esqueceram de ser cristãos e humanos, esquecida
do verdadeiro culto a Deus, que passa sempre pelo amor ao próximo. Até mesmo os
cristãos que rezam e vão à missa aos domingos são seguidores dessa «religião do
eu». Podemos olhar para dentro de nós e ver se alguém, para nós, é inferior,
descartável… mesmo só em palavras. Rezemos pedindo a graça de não nos
considerarmos superiores, não nos julgarmos íntegros, nem nos tornarmos cínicos
e escarnecedores. Peçamos a Jesus que nos cure de criticar e queixar dos
outros, de desprezar seja quem for: são coisas que desagradam a Deus.
Provavelmente, hoje nos acompanham nesta missa não apenas os indígenas da
Amazônia: mas também os pobres das sociedades desenvolvidas, os irmãos e irmãs
doentes da Comunità dell’Arche. Estão conosco.”
A oração do publicano nos ajuda a compreender o que é agradável a
Deus. Ele não começa pelas suas virtudes, “mas pelas suas faltas; não pela
riqueza, mas pela sua pobreza: não uma pobreza econômica, os publicanos eram
ricos e cobravam também injustamente às custas de seus compatriotas, mas uma
pobreza de vida, porque no pecado nunca se vive bem”.
Segundo Francisco, “aquele homem
reconhece-se pobre diante de Deus, e o Senhor ouve a sua oração, feita apenas
de sete palavras, mas de atitudes verdadeiras. De fato, enquanto o fariseu
estava à frente, de pé, o publicano mantém-se à distância e «nem sequer ousava
levantar os olhos ao céu», porque crê que o Céu está ali e é grande, enquanto
ele se sente pequeno. E «batia no peito», porque no peito está o coração”.
“A sua oração nasce do coração, é
transparente: coloca diante de Deus o coração, não as aparências. Rezar é
deixar-se olhar dentro por Deus sem simulações, sem desculpas, nem
justificações. Porque, do diabo, vêm escuridão e falsidade; de Deus, luz e
verdade. Foi bom, e lhes agradeço, queridos padres e irmãos sinodais, termos
dialogado, nestas semanas, com o coração, com sinceridade e franqueza,
colocando fadigas e esperanças diante de Deus e dos irmãos.”
O Papa sublinhou que através do
publicano, “descobrimos o ponto de onde recomeçar: do fato de nos
considerarmos, todos, necessitados de salvação. É o primeiro passo da religião
de Deus, que é misericórdia com quem se reconhece miserável. Considerar-se
justo é deixar Deus, o único justo, fora de casa”.
Jesus faz um confronto entre as
atitudes da pessoa mais piedosa e devota de então, o fariseu, e o pecador
público por excelência, o publicano. “E a sentença final inverte as coisas:
quem é bom, mas presunçoso, falha; quem é deplorável, mas humilde, acaba
exaltado por Deus. Se olharmos para dentro de nós com sinceridade, vemos os
dois em nós: o publicano e o fariseu. Somos um pouco publicanos, porque
pecadores, e um pouco fariseus, porque presunçosos, capazes de nos sentirmos
justos, campeões na arte de nos justificarmos! Isto, com os outros, muitas
vezes dá certo; mas, com Deus, não”.
Peçamos a Deus “a graça de nos
sentirmos necessitados de misericórdia, pobres intimamente. Por isso, faz-nos
bem frequentar os pobres, para nos lembrarmos que somos pobres, para nos
recordarmos de que a salvação de Deus só age num clima de pobreza interior”.
O Livro do Eclesiástico fala que
a oração do pobre «chegará até as nuvens». “Enquanto a oração
de quem se considera justo fica por terra, esmagada pela força de gravidade do
egoísmo, a do pobre sobe, direta, até Deus. O sentido da fé do Povo de Deus viu
nos pobres «os porteiros do Céu»: são eles que nos abrirão, ou não, as portas
da vida eterna; eles que não se consideraram senhores nesta vida, que não se
antepuseram aos outros, que tiveram só em Deus a sua própria riqueza. São
ícones vivos da profecia cristã”.
“Neste Sínodo, tivemos a graça de
escutar as vozes dos pobres e refletir sobre a precariedade de suas vidas,
ameaçadas por modelos de progresso predatórios. E, no entanto, precisamente
nesta situação, muitos nos testemunharam que é possível olhar a realidade de
modo diferente, acolhendo-a de mãos abertas como uma dádiva, habitando na
criação, não como meio a ser explorado, mas como casa a ser protegida,
confiando em Deus. Ele é Pai e «ouvirá a oração do oprimido». Quantas vezes,
mesmo na Igreja, as vozes dos pobres não são ouvidas, acabando talvez
desprezadas ou silenciadas porque incômodas.”
Francisco
concluiu, dizendo que devemos rezar “pedindo a graça de saber ouvir o grito dos
pobres: é o grito de esperança da Igreja. Assumindo nós o seu
grito, temos a certeza de que a nossa oração atravessará as nuvens”.
Fonte: Vatican News
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