Papa
Francisco enviou uma carta por ocasião dos cento e sessenta anos da morte do
Cura d’Ars: apoio, proximidade e encorajamento a todos os padres que apesar das
fadigas e desilusões celebram todos os dias os sacramentos e acompanham o Povo
de Deus
Sergio Centofanti – Cidade do
Vaticano
O Papa Francisco escreveu uma carta
aos sacerdotes, recordando os cento e sessenta anos da morte do Cura d’Ars,
padroeiro dos párocos. Uma carta que exprime encorajamento e proximidade aos
“irmãos presbíteros, que sem fazer alarde”, deixam tudo para se empenhar na
vida diária das suas comunidades; aos sacerdotes que trabalham na “trincheira”;
também a todos aqueles que diariamente enfrentam desafios sem pensar em si
mesmos, “para que o povo de Deus seja cuidado e acompanhado”.
“Dirijo-me
a cada um de vocês – escreve o Papa – que, em muitas ocasiões, de modo
inobservado e sacrificado, no cansaço ou na fadiga, na doença ou na desolação,
assumem a missão como um serviço a Deus e ao seu povo e, mesmo com todas as
dificuldades do caminho, escrevem as páginas mais belas da vida sacerdotal”.
Dor
A carta do Paptem início com um olhar ao escândalo dos abusos:
“Nos últimos tempos pudemos ouvir mais claramente o clamor, muitas vezes
silencioso e silenciado, de irmãos nossos, vítimas de abusos de poder, de
consciência e sexuais por parte dos ministros ordenados”. Mas, explica
Francisco, mesmo sem “negar ou ignorar o dano causado”, seria “injusto não
reconhecer que tantos sacerdotes que de maneira constante e íntegra, oferecem
tudo o que são e que têm pelo bem dos outros”. Os padres “que fazem da
sua vida uma obra de misericórdia em regiões ou situações muitas vezes
inóspitas, remotas ou abandonadas, arriscando sua própria vida”.
O Papa agradece todos “pela coragem e constante exemplo” e
escreve que os “tempos da purificação eclesial que estamos vivendo, nos
tornarão mais alegres e simples e em um futuro não muito distante, serão muito
fecundos”.
Convida então a não desencorajar, porque “o Senhor está
purificando a sua Esposa e a todos nos está convertendo a Ele. Permite-nos
experimentar a prova para que comprendamos que, sem Ele, somos pó”.
Gratidão
A segunda palavra chave é “gratidão”. Francisco recorda que a
“vocação, mais do que uma escolha nossa, é resposta de um chamado gratuito do
Senhor”. O Papa exorta a “retornar aos momentos luminosos” em que
experimentamos o chamado do Senhor para consagrar toda a nossa vida ao seu
serviço, voltar “ao sim” crescido no seio de uma “comunidade cristã”.
Em momentos de dificuldade, de fragilidade, de fraqueza, “quando
a pior de todas as tentações é a de ficar a ruminar a desolação”, é crucial –
explica o Pontífice – “não perder a memória cheia de gratidão da passagem do
Senhor na nossa vida” que “nos convidou a apostar n’Ele e pelo seu povo”.
A gratidão “é sempre uma arma poderosa”. Só se formos capazes de
contemplar e agradecer por todos os gestos de amor, generosidade, solidariedade
e confiança, bem como de perdão, paciência, suportação e compaixão com que
fomos tratados, é que deixaremos o Espírito obsequiar-nos com aquele ar puro capaz
de renovar (e não remendar) a nossa vida e missão”.
Francisco agradece os irmãos sacerdotes “pela fidelidade aos
compromissos assumidos”. É “muito significativo” - observa – que em uma
sociedade e em uma cultura que transformou o “gasoso” em valor, a existência de
pessoas que apostem na felicidade de doar a vida.
Agradece pela celebração diária da Eucaristia e pelo ministério
do sacramento da Reconciliação, vivido “sem rigorismos, nem laxismos”,
ocupando-se das pessoas e “acompanhando-as no caminho da conversão”.
Agradece pelo anúncio do Evangelho “feito a todos com ardor”:
“Obrigado por todas as vezes que, deixando-se comover por dentro, vocês
acolheram os que caíram, curaram suas feridas… Nada é mais urgente do que isso:
proximidade, vizinhança, ficar próximo da carne do irmão que sofre”.
O coração do pastor – afirma Francisco – é aquele que “aprendeu
o gosto espiritual de se sentir um só com o seu povo, que não esquece que saiu
dele… com estilo de vida austero e simples, sem aceitar privilégios que não têm
sabor de Evangelho”. Mas o Papa agradece e convida a agradecer também “pela
santidade do Povo fiel de Deus”, manifestada “nos pais que criam seus filhos
com tanto amor, nos homens e mulheres que trabalham para levar o pão para casa,
nos doentes, nas religiosas idosas que continuam a sorrir”.
Coragem
A terceira palavra é “coragem”. O Papa quer encorajar os
sacerdotes: “A missão à qual fomos chamados não significa que devemos ser
imunes ao sofrimento, à dor e até mesmo à incompreensão, ao contrário, pede-nos
para os enfrentar e assumir a fim de deixar que o Senhor os transforme e nos
configure mais a Ele”.
Um bom teste para saber como se encontra o coração do pastor –
escreve Francisco – “é perguntar-se como enfrentamos a dor”. De fato, às vezes
pode acontecer, de se comportar como o levita ou o sacerdote da parábola do Bom
Samaritano, que ignora o homem caído no chão, outras vezes aproxima-se da dor
intelectualizando, e refugiando-se em frases comuns (“a vida é assim, não se
pode fazer nada”) terminando por dar espaço ao fatalismo. “Ou então aproxima-se
com um olhar de preferência seletiva gerando apenas isolamento e exclusão”.
O Papa adverte também o que Bernanos definiu como o “elixir mais
precioso do demônio”, isto é, “a tristeza adocicada que os padres do Oriente
chamavam acédia. A tristeza que paralisa a coragem de continuar no trabalho, na
oração”, que “torna estéril todas as tentativas de transformação e conversão,
propagando ressentimento e aversão”.
Francisco convida a pedir “ao Espírito Santo que venha
despertar-nos”, para “dar uma sacudida na nossa sonolência”, para desafiar a
habitualidade e “nos deixarmos mover pelo que acontece ao nosso redor e pelo
clamor da Palavra viva do Ressuscitado”.
“Ao longo da nossa vida, pudemos contemplar que com Jesus Cristo
renasce sem cessar a alegria”. Uma alegria, afirma o Pontífice, que “não nasce
de esforços voluntariosos ou intelectualistas, mas da confiança de saber que
continuam eficazes as palavras de Jesus a Pedro”.
Na oração – explica o Papa – “experimentamos aquela nossa
bendita precariedade que nos lembra que somos discípulos carecidos do auxilio
do Senhor e nos liberta da tendência prometeuca dos que confiam unicamente em
suas próprias forças”.
A oração do pastor “nutre-se e encarna-se no coração do Povo de
Deus. Traz as marcas da alegria e das feridas do seu povo”. Uma confiança que
preserva-nos a todos de procurar ou querer respostas fáceis, rápidas ou
pré-fabricadas, permitindo ao Senhor ser Ele (e não as nossas receitas e
prioridades) a mostrar-nos um caminho de esperança”. Portanto “reconheçamos a
nossa fragilidade, sim, mas deixemos que Jesus a transforme e nos projete
sempre de novo para a missão”.
Para manter o coração animado, o Papa observa que não devem ser
negligenciadas duas ligações constitutivas da nossa identidade. A primeira com
Jesus. É o convite a não esquecer “o acompanhamento espiritual, tendo um irmão
com quem falar, confrontar-se, debater e discernir o próprio caminho”.
A segunda ligação é com o povo. “Não se isolem do seu povo e dos
presbíteros ou das comunidades. E muito menos não em grupos fechados ou
elitistas… um ministro corajoso é um ministro sempre em saída”. O Papa pede aos
sacerdotes para “estar perto dos que sofrem, de estar sem vergonha perto das
misérias humanas e, porque não, vivê-las como próprias para as tornar
Eucaristia”. Para serem “artesãos de relação e comunhão, abertos e confiantes e
esperançosos da novidade que o Reino de Deus quer suscitar hoje”.
Louvor
A última palavra proposta na carta é “louvor”. É impossível
falar de gratidão e encorajamento sem contemplar Maria que “nos ensina o louvor
capaz de abrir o olhar para o futuro e devolver a esperança ao presente”.
Porque “olhar Maria é voltar a crer na força revolucionária da ternura e do
afeto”.
Por isso – conclui o Papa – “se alguma vez nos sentirmos
tentados a isolar-nos e fechar-nos em nós mesmos e nos nossos projetos,
protegendo-nos dos caminhos sempre poeirentos da história, ou se o lamento, a queixa,
a crítica ou a ironias tomam conta das nossas ações sem vontade de lutar,
esperar e amar … olhemos a Maria para que purifique os nossos olhos de todos os
“ciscos” que nos possa impedir de estarmos atentos e despertos para contemplar
e celebrar a Cristo que vive no meio do seu Povo”.
“Irmãos – são as palavras no final da carta – digo mais uma vez,
não cesso de dar a graças a Deus por todos vocês… deixemos que seja a gratidão
a suscitar o louvor e que nos encoraje mais uma vez na missão de ungir os nossos
irmãos na esperança. A ser homens que testemunhem com a sua vida a compaixão e
a misericórdia que só Jesus nos pode dar”.
Fonte: Vatican News
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