Nesta Sexta-feira Santa, o
Papa Francisco presidiu a Via-Sacra diante do Coliseu de Roma. Depois da
meditação sobre as vítimas do tráfico de seres humanos durante as XIV estações,
o Pontífice fez uma oração lembrando todas as “cruzes do mundo”: da cruz das
pessoas que têm fome de pão e amor à cruz da Igreja, “a Tua esposa, que se
sente continuamente atacada por dentro e por fora”.
Andressa Collet, Silvonei
José, Tiziana Campisi – Cidade do Vaticano
O Coliseu de Roma mais uma
vez acolheu o Papa Francisco e milhares de fiéis nesta Sexta-feira Santa para
as meditações das XIV estações da Via-Sacra. Ao término da cerimônia e antes da
Bênção Apostólica, o Pontífice fez uma oração, lembrando todas as “cruzes do
mundo”:
“Senhor Jesus, ajuda-nos a
ver na Tua Cruz todas as cruzes do mundo:
a cruz das pessoas que têm
fome de pão e amor;
a cruz das pessoas
sozinhas e abandonadas até mesmo por seus próprios filhos e parentes;
a cruz das pessoas
sedentas de justiça e paz;
a cruz das pessoas que não
têm o conforto da fé;
a cruz dos idosos que se
arrastam sob o peso dos anos e da solidão;
a cruz dos migrantes que
encontram as portas fechadas por causa do medo e dos corações blindados por
cálculos políticos;
a cruz dos pequenos,
feridos na sua inocência e na sua pureza;
a cruz da humanidade que
vaga na escuridão da incerteza e na escuridão da cultura do momentâneo;
a cruz das famílias
despedaçadas pela traição, pelas seduções do mal ou pela homicida
superficialidade e pelo egoísmo;
a cruz dos consagrados que
procuram incansavelmente levar a Tua luz ao mundo e se sentem rejeitados,
zombados e humilhados;
a cruz dos consagrados
que, no caminho, esqueceram o seu primeiro amor;
a cruz dos teus filhos
que, acreditando em Ti e procurando viver de acordo com Tua palavra, se
encontram marginalizados e descartados até mesmo por suas famílias e coetâneos;
a cruz das nossas fraquezas,
das nossas hipocrisias, das nossas traições, dos nossos pecados e das nossas
muitas promessas quebradas;
a cruz da Tua Igreja que,
fiel ao Teu Evangelho, fadiga a levar o Teu amor até mesmo entre os próprios
batizados;
a cruz da Igreja, a Tua
esposa, que se sente continuamente atacada por dentro e por fora;
a cruz da nossa casa comum
que murcha seriamente diante dos nossos olhos egoístas e cegos pela ganância e
pelo poder.
Senhor Jesus, reaviva em
nós a esperança da ressurreição e da Tua vitória definitiva contra todo o mal e
toda a morte. Amém!”
A oração pelas vítimas do tráfico de seres humanos
As meditações da Via-Sacra
deste ano foram confiadas à Ir. Eugenia Bonetti, missionária da Consolata.
Durante as 14 estações foram lembradas as vítimas do tráfico de seres humanos,
os menores explorados, as mulheres obrigadas à prostituição e os migrantes como
os novos crucificados que devem ser despertados na consciência de todos.
"Com Cristo e com as
mulheres no caminho da cruz", a religiosa, presidente da Associação
“Slaves no more”, quis idealmente percorrer “junto a todos os pobres, aos
excluídos da sociedade e aos novos crucificados da história de hoje, vítimas
dos nossos fechamentos, dos poderes e das legislações, da cegueira e do
egoísmo, mas sobretudo do nosso coração endurecido pela indiferença”.
Quem tem responsabilidade, escute o grito dos pobres
Na primeira estação, a
figura de Pilatos inspirou a oração “para aqueles que ocupam papeis de
responsabilidade para que escutem o grito dos pobres” e “de todas aquelas
jovens vidas que, em maneiras diferentes, estão condenadas à morte pela
indiferença gerada por políticas exclusivas e egoístas”. Em Jesus pregado na
cruz há, ao contrário, o convite em reconhecer “os novos crucificados de hoje:
os sem-teto, os jovens sem esperança, sem trabalho e sem perspectivas, os
imigrantes obrigados a viver em barracas às margens da nossa sociedade, depois
de terem enfrentado sofrimentos inimagináveis”.
Mas o pensamento vai
também às crianças “discriminadas por causa da sua proveniência, da cor da pele
e classe social”. Diante de tudo isso, o exemplo pra seguir é aquele de Cristo,
que falava de serviço, perdão, renúncia e sofrimento, manifestando com a sua
vida “o amor verdadeiro e desinteressado ao próximo”.
Não sabemos mais reconhecer quem tem necessidades
Nas etapas de Jesus em
direção ao Calvário, Ir. Eugenia Bonetti reconhece vários episódios dos quais
foi testemunha: no encontro com Maria vislumbra “as muitas mães que deixaram
partir suas jovens filhas para a Europa na esperança de ajudar as suas famílias
em pobreza extrema, enquanto encontraram humilhações, desprezo e, às vezes,
inclusive a morte”; em Jesus que cai pela primeira vez, fragilidade e fraqueza
humana são indicações para recordar os samaritanos de hoje que se inclinam “com
amor e compaixão sobre tantas feridas físicas e morais de quem, toda noite,
vive o medo do escuro, da solidão e da indiferença”.
“Infelizmente, muitas
vezes hoje não sabemos mais reconhecer quem tem necessidades, ver quem está
ferido e humilhado”, escreve a religiosa da Consolata. “Frequentemente
reivindicamos os nossos direitos e interesses, mas esquecemos aqueles dos
pobres e dos últimos da fila”. É então que devemos pedir a Deus de nos ajudar a
amar e a não sermos insensíveis ao choro, aos sofrimentos e ao grito de dor dos
outros.
Os menores, os migrantes e as vítimas do tráfico
E como não ver na
Via-Sacra as tantas “crianças, em várias partes do mundo que não podem vir à
escola”, “exploradas nas mineiras, nos campos, na pesca, vendidas e compradas
por traficantes de carne humana para transplantes de órgãos, além de usadas e
exploradas... por muitos cristãos inclusive”. São os menores “privados do
direito a uma infância feliz”, “criaturas usadas como mercadorias de pouco
valor, vendidas e compradas por prazer”.
Mas, no centro das
meditações de Ir. Eugenia Bonetti, que há anos luta contra o tráfico de seres
humanos, estão os migrantes e as vítimas do tráfico. O pedido para “aumentar a
consciência que todos somos responsáveis pelo problema” e que “todos podemos e
devemos fazer parte da solução” se lê na oitava estação, “Jesus encontra as
mulheres”. E sobretudo as mulheres “é solicitado o desafio da coragem”, “de
saber ver e agir”, de considerar “o pobre, o estrangeiro, o diverso não como um
inimigo pra rejeitar ou combater, mas, sobretudo, como um irmão ou uma irmã
para acolher e ajudar”.
A humilhação de Cristo, aquela das mulheres vítimas da
cultura do usa e joga fora
Na nona estação, quando
Jesus cai pela terceira vez, “humilhado sobre o peso da cruz”, estão as “tantas
mulheres, obrigadas a estarem nas ruas pelos grupos de traficantes de escravos,
que não suportam a fadiga e a humilhação de ver o próprio corpo jovem ser
manipulado, abusado, destruído, junto aos seus sonhos”. São o fruto da cultura
do usa e joga fora.
Dinheiro, bem estar e poder dos ídolos
A imagem do corpo
despojado de Cristo, comparável àquele dos menores, objeto de compra-e-venda,
deixa refletir sobre ídolos de todos os tempos: dinheiro, bem estar e poder.
Aparece menos “a centralidade do ser humano, a sua dignidade, beleza e força”.
Mas há quem ainda desafia a própria vida para salvar outras, sobretudo no
Mediterrâneo, onde em muitos ajudaram “famílias em busca de segurança e de
oportunidades”, “seres humanos em fuga da pobreza, da ditadura, corrupção e
escravidão”; todas pessoas que precisam redescobrir a beleza e a riqueza, “dom
único” de Deus “para colocar a serviço da sociedade inteira e não para alcançar
interesses pessoais”.
No túmulo de Cristo, morte e ressurreição como ensinamentos
de vida
A última estação, que
conduz ao túmulo de Jesus, faz pensar aos “novos cemitérios de hoje”: o deserto
e os mares, onde hoje encontram moradia eterna “homens, mulheres, crianças que
não pudemos ou não quisemos salvar”. “Enquanto os governos discutem, fechados
nos palácios do poder, o Saara se enche de esqueletos de pessoas que não
resistiram à fadiga, à fome, à sede” e o mar se transformou num “túmulo de
água”.
“ O desejo é que a morte
de Cristo possa “doar aos líderes das Nações e aos responsáveis das leis a
consciência do seu papel em defesa de todas as pessoas”, criadas à imagem e
semelhança de Deus e que, a sua ressurreição, “seja farol de esperança, de
alegria, de vida nova, de fraternidade, de acolhimento e de comunhão entre os
povos, as religiões e as leis. ”
Fonte: Vatican News
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