21 segundos e 33 décimos. Este é o recorde cravado pelo Anderson da Silva Barbosa aos 16 anos nos 200 metros rasos no Campeonato Brasileiro de Escolas, realizado em Curitiba (PR), em 2011. Anderson é um dos primeiros atletas que o Projeto Social Correndo Atrás de um Sonho, coordenado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), viu nascer. Além de ocupar o lugar mais alto do pódio e receber a medalha, Anderson recebeu um abraço de seu pai.
“Uma conquista me marca muito. Foi o recorde que eu quebrei. Foi uma corrida que meu pai foi assistir e subiu ao pódio prá receber a medalha junto comigo. Eu não tinha muita aproximação com ele e o esporte nos reaproximou, fez ele me admirar e a gente ser mais amigo. O esporte uniu também a minha família”, disse. Hoje com 23 anos, Anderson é casado, está cursando o último ano de Direito na faculdade Unip e fazendo estágio.
Esta é uma das muitas histórias que abrigam o Projeto Correndo Atrás de um Sonho que funciona no bairro Incra 8, em Brazlândia, no Distrito Federal. O Incra 8, com uma área de 65,3 hectares num total de 436 lotes, e, aproximadamente, 5 mil habitantes, é uma comunidade vulnerável e basicamente sem equipamentos e atendimentos sociais. A economia do local é baseada na agricultura familiar, o que faz com que a maioria dos moradores ainda tenha que de se deslocar ao Plano Piloto e a Taguatinga para trabalhar.
Quem também tem boas recordações para contar é a Daiane Messias, hoje com 22 anos, uma das primeiras crianças a participar do projeto. Sua trajetória no esporte se confunde com a própria história do Correndo Atrás de um Sonho que iniciou em 17 de junho de 2005. No mesmo ano, ela participou na categoria infantil da maratona Duque de Caxias, realizada no Distrito Federal, hoje em sua 18ª edição. “Eu me lembro bem da minha primeira corrida. Não tinha nenhuma experiência. Quase na reta final, na chegada, o tênis saiu do meu pé. Eu parei e fui voltar para pegar e todo mundo me estimulou a continuar. Então, eu continuei correndo e fiquei em segundo lugar”, relembra.
Ela também foi campeã da 1ª Candanguinha, em 2007, tradicional corrida no Distrito Federal. Entre as atletas que começaram a carreira nesta competição estão Marílson Gomes, vencedor da maratona de Nova York em 2006 e Lucélia Peres, campeã da São Silvestre no mesmo ano.
Hoje Daiane faz faculdade de educação física, influenciada pela experiência que viveu com o esporte. “Não me imagino fazendo outra coisa que não seja o esporte e o atletismo”, disse. Entre os aprendizados que fez no período, ela destaca que ficou mais compreensiva. “O Esporte transforma as pessoas. Eu era muito tímida, o projeto me fez ficar um pouco mais desinibida e a olhar para as pessoas com outros olhos, com mais amor”, diz.
Os recordes e primeiros lugares em pódios, no entanto, escondiam uma realidade de muita dificuldade. Durante muito tempo, o projeto social Correndo Atrás de um Sonho funcionou sem estrutura alguma no Incra 8, em Brazlândia (DF). “Comecei o projeto com três crianças, uma delas minha filha, num campinho de chão batido de 30 por 20 metros, com atividades à tarde, e muitas dificuldades”, conta o Gesifran Martins Messias, de 52 anos, o criador do projeto, funcionário dos Correios há 24 anos.
Ele conta que a inspiração para o projeto surgiu da sua própria experiência. “Sempre gostei do social e tive o sonho de formar um trabalho social justamente com o atletismo”, conta. Gesifran atua como atleta há 25 e acumula em seu currículo a participação em 18 maratonas, tendo obtido boas classificações em diversas competições no Brasil. Entre elas, o 3º lugar na Corrida dos Reis, categoria 40 a 44 anos e 3º colocado na Corrida do Carteiro, realizada no Distrito Federal.
O projeto começou em 2005 sem grandes pretensões, como um clube de atletas, na definição de seu próprio criador. “A ideia no início não era formar atletas mas ser uma oportunidade para as crianças ocuparem o tempo quando não estavam nas escolas”, revela. Contudo, logo vieram os bons resultados. Em agosto do mesmo ano em que foi criado, na corrida Duque de Caxias, no parque da cidade uma participante do projeto ficou em segundo lugar. “Ali já comecei a traçar outra meta e ter outra mentalidade do que o projeto poderia ser”.
Parceria com a CNBB
Apesar da boa vontade de Gesifran, a atuação dos participantes durante muito tempo se limitou às corridas no próprio Distrito Federal e o projeto atuou por longos anos sem estrutura e apoio, inclusive do governo local e do Distrito Federal. Ele lembra que saia, de porta em porta, no comércio local pedindo ajuda para garantir passagens dos atletas para competições fora de Brazlândia. Realidade que se reverteu quando a CNBB, ao optar por ser certificada como uma organização de assistência social, decidiu desenvolver o projeto social no DF para atender as exigência previstas na lei nº 12.101.
Apesar da boa vontade de Gesifran, a atuação dos participantes durante muito tempo se limitou às corridas no próprio Distrito Federal e o projeto atuou por longos anos sem estrutura e apoio, inclusive do governo local e do Distrito Federal. Ele lembra que saia, de porta em porta, no comércio local pedindo ajuda para garantir passagens dos atletas para competições fora de Brazlândia. Realidade que se reverteu quando a CNBB, ao optar por ser certificada como uma organização de assistência social, decidiu desenvolver o projeto social no DF para atender as exigência previstas na lei nº 12.101.
A Ana Karoline, a primeira assistente social que atuou na CNBB de 2014 a 2018, acompanhou de perto o processo que levou a CNBB a adotar o projeto. “Em 2014, quando cheguei na CNBB com o desafio de implantar o departamento de Assistência Social, uma das primeiras conversas que tiveram comigo foi sobre a necessidade de a entidade ter um projeto próprio, diferente de outros projetos que apoiava por meio do Fundo Nacional de Solidariedade”, lembra.
Um dos critérios adotados, lembra Karoline, foi identificar um projeto já existente mas que não contava com nenhuma participação e apoio de governos e outra instituições. “Foi realizada em Brasília uma pesquisa dos projetos sociais que já existiam. No meio deste caminho, por muita eventualidade, eu vi uma reportagem do projeto Correndo Atrás de um Sonho em uma rede social e o achei muito interessante. O seu nome expressa no fundo o objetivo de todos nós”, disse.
Karoline lembra que começou, a partir daí, um processo de conhecimento mútuo entre a CNBB e o projeto, com reuniões com os coordenadores e visitas à comunidade. “Quando a CNBB conheceu a fundo a realidade daquela comunidade a vida daquelas crianças teve a certeza que era onde iria implantar o projeto”, relembra.
O padre Antônio S. da Paixão, subsecretário adjunto geral da CNBB lembra que desde 2011 a CNBB buscou amadurecer a ideia de desenvolver um projeto próprio. A ideia, segundo ele, não era criar um projeto novo mas dar vida à algo que já existisse mas que estivesse com dificuldade e com perspectivas de futuro muito boas. “Num processo de escolha entre outros 3 projetos, o Correndo Atrás de um Sonho foi eleito o que iríamos abraçar e assumir, o que de fato aconteceu”, reforça.
Ao assumir o projeto, a CNBB trouxe a legalidade e a identidade jurídica e implantou alguns ajustes necessários do ponto de vista da Assistência Social, como por exemplo transformá-lo para serviço de convivência, o que o tornou permanente. A CNBB também alugou um espaço mais amplo para acolher um número maior de crianças e permitir redimensionar atendimento socioesportivo para crianças e famílias da comunidade, na qual até então não há nenhum outro projeto em atuação.
“O apoio começou a se dar com aquelas atividades que eles já realizavam. Eles precisavam de recursos para viagens, para o uniforme e na oferta de condições materiais para que os meninos e meninas e os colaboradores do projeto tivessem condições para realizar o seu trabalho. Também trabalhamos para construir a pista de corrida hoje usada como um equipamento por toda comunidade”, destaca padre Antônio.
O resultado da parceria se apresenta não apenas no aumento do número de medalhas e conquistas dos participantes do projeto, como na ampliação dos atendimentos à comunidade. A última competição da qual participaram foi no Troféu Centro-Oeste Caixa de Atletismo no início de setembro. Brasília ficou com três medalhas na competição, duas do projeto, incluindo uma de melhor técnico.
Novos passos
Os novos passos no projeto que, atualmente atende 25 participantes entre crianças, adolescentes, jovens e adultos, é a edificação de uma sede própria no Incra 8, em espaço cedido para a CNBB. Na área próxima à pista de corrida, está sendo construído um centro de treinamento, com espaço destinado à realização de oficinas e treinamento de várias modalidades esportivas. O centro será aberto à toda comunidade.
Os novos passos no projeto que, atualmente atende 25 participantes entre crianças, adolescentes, jovens e adultos, é a edificação de uma sede própria no Incra 8, em espaço cedido para a CNBB. Na área próxima à pista de corrida, está sendo construído um centro de treinamento, com espaço destinado à realização de oficinas e treinamento de várias modalidades esportivas. O centro será aberto à toda comunidade.
Segundo informa padre Antônio a ideia também é de abrir outros tipos de atividades, dentro deste mesmo projeto, que vão ajudar adolescentes e jovens a se prepararem para o ingresso no mercado de trabalho e também a desenvolver atividades de geração de renda. “Esta é uma das perspectivas que a gente tem”, aponta.
Sobre o futuro do projeto, Gesifran é esperançoso. “Eu vislumbro muito mais trabalho e responsabilidade. Também teremos mais competitividade com um espaço melhor para trabalhar com os meninos nos treinos”, orgulha-se.
Do vício ao pódio
O projeto deu uma guinada na vida de Mirtes Maria Alves da Silva, 57 anos, moradora do Incra 8. Há 5 anos ela participa das atividades como atleta e como voluntária. A sua relação com o projeto teve início quando ela decidiu parar de fumar e buscar uma vida com mais qualidade de vida. “Eu levava uma vida muito sedentária. Fu fumava, bebia e não praticava nenhum esporte”, disse. Sua maior conquista, segundo afirmou, é ser reconhecida como campeã brasileira de atletismo depois de 50 anos de idade.
O projeto deu uma guinada na vida de Mirtes Maria Alves da Silva, 57 anos, moradora do Incra 8. Há 5 anos ela participa das atividades como atleta e como voluntária. A sua relação com o projeto teve início quando ela decidiu parar de fumar e buscar uma vida com mais qualidade de vida. “Eu levava uma vida muito sedentária. Fu fumava, bebia e não praticava nenhum esporte”, disse. Sua maior conquista, segundo afirmou, é ser reconhecida como campeã brasileira de atletismo depois de 50 anos de idade.
“Eu já ganhei o título de Cidadã Honorária. Eu chego nas corridas e as pessoas vem me entrevistar. Isto prá mim é motivo de muito orgulho e satisfação. Porque antes eu não tinha nada disto. Hoje eu me considero uma pessoa reconhecida. Eu posto uma foto no ‘facebook’ e chega a 300 curtidas. As pessoas me reconhecem como atleta e isto prá mim é uma grande vitória’, relata.
Quem também deu virada na vida, foi a Dayse Silva, 35 anos, que se inspirou no próprio filho que participava do projeto. Ex-trabalhadora doméstica, ela também abandonou o vício, no seu caso o álcool, para dedicar-se às corridas. Cursando o terceiro semestre de educação física, hoje ela atua como monitora do projeto onde auxilia nos treinamentos e cuida da ginástica laboral na sede da CNBB. “O projeto foi um impulso para eu me reerguer pessoal e profissionalmente”, avalia.
Fonte: CNBB
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