A VIA DA SALVAÇÃO
Aos poucos vamos chegando na “reta final” deste
tempo de Quaresma. A própria liturgia da Igreja vai fazendo essa indicação
começando a trazer à tona uma mudança de tonalidade nas leituras e orações da
Santa Missa. As leituras, por exemplo, vão indicando com mais tenacidade o
confronto de Jesus com os Mestres da lei, com os fariseus e outras autoridades
religiosas do seu tempo. Foi o que escutamos na I leitura do sábado da IV
Semana da Quaresma do profeta Jeremias (Jr 11,18-20): “Senhor, avisaste-me e eu
entendi; fizeste-me saber as intrigas deles. Eu era como manso cordeiro levado
ao sacrifício, e não sabia que tramavam contra mim: ‘Vamos cortar a árvore em
toda a sua força, eliminá-lo do mundo dos vivos, para seu nome não ser mais
lembrado’. E tu, Senhor dos exércitos, que julgas com justiça e perscrutas os
afetos do coração, concede que eu veja a vingança que tomarás contra eles, pois
eu te confiei a minha causa”. Assim, a Palavra de Deus vai nos fazendo entrar
naquele caminho último que Jesus Cristo viveu para nossa salvação. Ao lermos
essas palavras de Jeremias damo-nos conta não somente de uma entrega
incondicional, da “ovelha que vai sendo levada para o sacrifício”, mas esse
profeta diz algo intrigante, que chama atenção, ele pede a Deus para ver a
vingança contra seus inimigos: “concede que eu veja a vingança que tomarás
contra eles, pois eu te confiei a minha causa”. Parece paradoxal pensarmos numa
entrega voluntária para o sacrifício e ao mesmo tempo num pedido de vingança da
parte de Deus. Afinal, é entrega livre ou espera-se uma “revanche”? O Papa
Bento XVI, em uma homilia sua a Munique, na Alemanha, explicando outra passagem
da Palavra de Deus, dessa vez de Isaías, dizia: “o profeta dirige-se a um povo
oprimido dizendo: ‘A vingança de Deus virá’. Podemos intuir facilmente como o
povo imagina essa vingança. Mas o mesmo profeta revela depois em que ela
consiste: na bondade restabelecedora de Deus. A explicação definitiva da
palavra do profeta, encontramo-la n’Aquele que morreu na Cruz: em Jesus, o
Filho de Deus encarnado que aqui nos olha com tanta insistência. A sua
‘vingança’ é a Cruz: o ‘Não’ à violência, ‘o amor até ao fim’” (10/09/2006).
Esse é o caminho da salvação, vivido por Nosso Senhor Jesus Cristo, o caminho
da Cruz, o caminho santo, que na Quaresma recordamos piamente quando revivemos
em oração percorrendo a Via Sacra. Aquele caminho feito pelas ruas estreitas de
Jerusalém, da saída do Pátio de Pilatos até o Calvário traça o itinerário final
de uma vida totalmente doada a fazer apenas a Vontade do Pai do Céu – e esse
foi o verdadeiro sacerdócio de Jesus: “Nos dias de sua vida mortal, dirigiu
preces e súplicas, entre clamores e lágrimas, àquele que o podia salvar da
morte, e foi atendido pela sua piedade. Embora fosse Filho de Deus, aprendeu a
obediência por meio dos sofrimentos que teve. E uma vez chegado ao seu termo,
tornou-se autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem” (Hb 5,7-9a).
A Via Sacra sempre traz aos nossos corações uma mensagem, uma reflexão, a
partir daquilo que meditamos das Estações. Um grande pensador católico, Pe.
Romano Guardini, dizia: “Duas coisas sobretudo esta devoção te a dizer-nos. Em
primeiro lugar a Via Sacra nos ensina a perceber vivamente aquilo que o Senhor
padeceu. (...) Depois uma segunda coisa: a Via Crucis é uma escola de
superação. Vemos o Senhor padecer amargamente no corpo e na alma, mas também a
vencer o sofrimento com amor a Deus e por nós” (A Via Crucis de nosso Senhor e
Salvador1 , p. 8). 1 Tradução livre nossa, do italiano, que tem como título: La
Via Crucis del nostro Signore e Salvatore, Queriniana, 2018). Assim, podemos
entender que a devoção de rezarmos a Via Sacra nos faz entrar, de algum modo,
no mistério da Paixão do Senhor, a levarmos com Ele a nossa cruz, a fazermos
com Ele um caminho de conversão e de salvação quando somos capazes de nos
arrependermos e convertermos nosso coração para Ele. Ainda, como dizia Pe.
Guardini, percorrer a Via Dolorosa do Filho de Deus deve ser para todos nós uma
“escola de vitória sobre o sofrimento” (p.9). Em um mundo de tantos sofrimentos
e dores, em uma sociedade ferida pela falta de amor a Deus e ao próximo,
meditar a Via Sacra deve nos ajudar a pôr em cada Estação a nossa própria vida,
as nossas angústias e sofrimentos, aqueles pessoais e aqueles sociais, para que
possamos “ver as (...) dificuldades diárias em união com aquele [sofrimento] do
Senhor e dali adquirir discernimento e força não só para levar o próprio
sofrimento, mas também para superá-lo” (p.9). Deste modo, ao entrarmos na
quinta semana da Quaresma proponho que durante esses dias, antes do Domingo de
Ramos e da Paixão do Senhor, meditemos a Via Sacra. Nas livrarias católicas ou
em diversos sites da internet podemos encontrar o texto das Estações. Coloquemo-nos
no mesmo caminho, assumamos o lugar de tantos que ali aparecem: a Virgem Maria,
os soldados, Pilatos, os saduceus, as mulheres de Jerusalém, Verônica, Simão
Cirineu, aqueles que estavam ao pé da Cruz, ou alguém anônimo na multidão. Com
quem nos identificamos? Onde pomos o nosso coração ao meditarmos a Via da
Salvação? Façamos nestes dias, que nos aproximam da Grande Semana e do Tríduo
Pascal, esse esforço de oração e meditação; parafraseando aquilo que escrevia o
Venerável Papa Pio XII, em outro contexto “proponhamo-nos, pois, falar [e
meditar] das riquezas entesouradas no seio da Igreja que Cristo adquiriu com
seu sangue (At 20, 28) e cujos membros se gloriam de uma Cabeça coroada de
espinhos. Isto mesmo já é prova evidente de que a verdadeira glória e grandeza
não nascem senão da dor; por isso nós quando compartilhamos dos sofrimentos de
Cristo, devemos alegrar-nos, para que também na renovação da sua glória
jubilemos e exultemos” (cf. 1 Pd 4, 13) (Encíclica Mystici Corporis, 01). Boa
oração, abençoada meditação!
Roma, 06 de abril de 2019
Pe. Rafhael Silva Maciel Missionário
da Misericórdia
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