domingo, 17 de março de 2019

CATEQUESE QUARESMAL (II) ESPIRITUALIDADE DA QUARESMA – A ORAÇÃO A


A Quaresma se caracteriza como um tempo especial para a conversão; podemos dizer que é um reforço, para cada fiel, a viver bem o convite à santidade: “sede perfeitos, como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48). Mais do que pensar no tempo quaresmal como um tempo de sacrifícios e de renúncias bastantes em si mesmos, devemos encarar as práticas quaresmais como instrumentos para nossa perfeição/santificação. Dentre os exercícios espirituais que somos convidados a viver com maior intensidade nesse caminho quaresmal está a ORAÇÃO. Dizia Sta. Teresinha que “a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado para o céu, é um grito de gratidão e de amor, tanto no meio da tribulação como no meio da alegria”. Esse grito de amor seja na tribulação seja na alegria, viveu Jesus. Nós o encontramos fazendo oração de louvor: “eu te louvo ó Pai...” (Lc 10,21-24); encontramolo rezando em momentos decisivos, por exemplo quando foi escolher os Doze (Mc 3,13); encontramos Jesus ensinando os seus a rezar (Lc 11,1ss), ao mesmo tempo que exorta para que rezemos sempre e sem jamais cessar (Lc 18,1-8). Na sua oração no Monte, quando estava para ser preso (Lc 22,42), Jesus reza: “Pai, afasta de mim esse cálice, mas se não for possível que eu o beba até o fim”. Foi na oração verdadeira que Jesus encontrou forças para levar adiante a vontade do seu Pai do Céu. Ele estava fazendo vivas as palavras que havia ensinado aos apóstolos: “seja feita a tua vontade, assim no céu como na terra”. No Monte, próximo da Paixão, a oração de Jesus, foi intensa sem dúvida, mas foi simples e verdadeira. Em primeiro lugar ele foi o mais transparente possível com seu Pai ao dizer: “Pai, aqui estou eu, prestes a sofrer a Paixão, sei que as horas que virão daqui por diante serão terrivelmente dolorosas; sei que o cálice que está preparado para mim é amargo e seco; tenho medo e te peço, Pai, se for possível afasta de mim essa dor horrenda”. Contudo, a oração de Jesus não terminou no lamento da dor da apresentação do estado atual da sua alma; agora ele passa para um nível superior e elevado: a oração de entrega, de abandono à vontade do Pai: “mas, mesmo na dor, mesmo no sofrimento, mesmo que eu venha a sentir a tua ausência, meu Pai, meu único desejo é fazer o que tu queres, é realizar a tua vontade”. A Igreja sempre viu na oração o caminho da união do fiel com Deus; os santos entenderam que somente a estrada da oração leva à união com o Senhor. Um autor antigo dizia: “A oração, o diálogo com Deus, é um bem incomparável, porque nos põe em comunhão íntima com Deus. Assim como os olhos do corpo são iluminados quando recebem a luz, a alma que se eleva para Deus é iluminada por sua luz inefável. Falo da oração que não é só uma atitude exterior, mas que provém do coração e não se limita a ocasiões ou horas determinadas, prolongando-se dia e noite, sem interrupção” (PseudoCrisóstomo). Por isso, não deveríamos NUNCA DESCUIDAR DA ORAÇÃO, aquela oração que brota do nosso coração, que vem da verdade de nós mesmos diante do Senhor, pois sabemos que a Ele podemos dizer tudo sem medo, porque Ele nos acolhe e nos ama. Jamais deveríamos encontrar desculpas para não rezar durante o dia; aqui me refiro àquela hora especial de encontro pessoal com o Senhor, com a leitura e meditação da Palavra, e mesmo com aquelas orações vocais, com as quais já estamos acostumados. Essa oração deve ser prolongada durante o dia, com a recordação constante de estarmos na presença de Deus, de lembrarmos daquilo que rezamos e procurarmos encarnar na vida a oração que fazemos em espírito. Para esse tempo de Quaresma, gostaria de convidar você a realizar a experiência de dois “tipos” de oração que podem nos fazer entrar em comunhão com o Senhor de uma forma bem especial: a adoração e a oração de intercessão. O Catecismo da Igreja Católica, diz, no número 2628, que “a adoração é a primeira atitude do homem que se reconhece criatura diante do seu Criador. Exalta a grandeza do Senhor que nos criou e a onipotência do Salvador que nos liberta do mal. É a prostração do espírito perante o ‘Rei da glória’ e o silêncio respeitoso face ao Deus ‘sempre maior’. A adoração do Deus três vezes santo e soberanamente amável enche-nos de humildade e dá segurança às nossas súplicas”. Frutos da adoração: reconhecimento de si diante de Deus, do mundo e das pessoas; humildade e confiança. A adoração não é algo “fora de moda”, mas é reconhecer que “onde desaparece Deus, o homem cai na escravidão das idolatrias (...) o objetivo primário da oração é a conversão: o fogo de Deus que transforma o nosso coração e nos torna capazes de ver a Deus e, assim, viver segundo Deus e viver pelo outro. (...) A verdadeira adoração de Deus, portanto, é dar a si mesmo a Deus e aos homens, a verdadeira adoração é o amor. E a verdadeira adoração a Deus não destrói, mas renova, transforma, cria a verdade do nosso ser, recria o nosso coração. E, assim, realmente vivos pela graça do fogo do Espírito Santo, do amor de Deus, somos adoradores em espírito e em verdade” (Bento XVI, Catequese, 15/06/2011). A segunda forma de oração a que nos propomos nesta quaresma é aquela da intercessão. Ainda o Catecismo nos ajuda, dizendo que “interceder, pedir a favor de outrem, é próprio, desde Abraão, dum coração conforme com a misericórdia de Deus. No tempo da Igreja, a intercessão cristã participa na de Cristo: é a expressão da comunhão dos santos. Na intercessão, aquele que ora não ‘olha aos seus próprios interesses, mas aos interesses dos outros’ (Fl 2, 4), e chega até a rezar pelos que lhe fazem mal” (n. 2635). Papa Francisco, em Evangelii Gaudium, n. 283, diz que “os grandes homens e mulheres de Deus foram grandes intercessores. A intercessão é como a ‘levedação’ no seio da Santíssima Trindade. (...) Poderíamos dizer que o coração de Deus se deixa comover pela intercessão, mas na realidade Ele sempre nos antecipa, pelo que, com a nossa intercessão, apenas possibilitamos que o seu poder, o seu amor e a sua lealdade se manifestem mais claramente no povo”. Rezar pelo outros é ter o coração aberto, é a primeira forma de caridade que podemos exercitar. Aproveitemos, então, esse tempo especial da Quaresma para crescermos na intimidade com o Senhor, respondendo desde o nosso interior ao convite à santidade, fazendo da oração a nossa arma na luta pelo Céu, uma vez que “não há muita perfeição [santidade] sem muita oração” (Sto. Afonso M. Liguório).

Roma, 16 de março de 2019
 Pe. Rafhael Silva Maciel Missionário da Misericórdia

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