"Romper
com toda a cultura do silêncio e do sigilo entre nós, para fazer entrar mais
luz na nossa Igreja. Reconheçamos nossa vulnerabilidade, sejamos proativos e
não reativos ao enfrentar os desafios que se apresentam ao mundo dos jovens e
às pessoas vulneráveis, e aprofundemos sem medo as outras questões de abusos na
Igreja e na sociedade”, disse a religiosa na primeira conferência do sábado.
Jackson Erpen – Cidade do Vaticano
A nossa visão de mundo, se cristã,
deve ser baseada no respeito e na dignidade por todo ser humano. Como a Igreja
clerical pode calar, acobertando as atrocidades dos abusos?
A
contraposição entre a missão a que a Igreja é chamada a cumprir e o escândalo
dos abusos guiaram a primeira conferência na manhã deste sábado na Sala Nova do
Sínodo, proferida pela Irmã Veronica Openibo, SHCJ, da Sociedade do Santo Jesus
Menino, que enfatizou que “a Igreja deve fazer todo o possível para
proteger seus membros jovens vulneráveis. É preciso concentrar-se não no medo
ou na vergonha, mas sim na missão da Igreja de servir com integridade e
justiça”.
Como
resultado da auto compreensão de sua missão no mundo de hoje – disse a
religiosa fazendo uma breve síntese de seu discurso - a Igreja deve atualizar e
criar novos sistemas e práticas que promovam a ação sem medo de cometer erros.
Os abusos sexuais por clérigos representam uma crise que diminuiu a
credibilidade da Igreja, onde a transparência deveria ser a marca registrada da
missão, como seguidores de Jesus Cristo. O fato de que hoje muitos acusem a Igreja
Católica de negligência, é perturbador.
Passar do medo do escândalo à verdade
“No presente vivemos em estado de crise e vergonha”, diz a
religiosa. “Ofuscamos severamente a graça da missão de Cristo. É possível para
nós passarmos do medo do escândalo à verdade? Como tiramos as máscaras que
escondem nossa negligência escandalosa? Que políticas, programas e
procedimentos nos levarão a um novo ponto de partida, revitalizado,
caracterizado por uma transparência que ilumine o mundo com a esperança de Deus
por nós na edificação do Reino de Deus?”
Revelando ter “derramado lágrimas de dor” ao ver o filme
Spotligh, quando no final a longa lista de casos de abusos e das dioceses
onde ocorreram, a irmã questiona:
“Como
pode a Igreja clerical ter ficado em silêncio, encobrindo essas atrocidades? O
silêncio, os segredos trazidos no coração daqueles que cometeram abusos, a
duração dos abusos e as constantes transferências dos autores dos mesmos são
inimagináveis. Presumivelmente no confessionário e na direção espiritual, havia
sinais importantes. Com um coração pesado e triste, penso em todas as
atrocidades que cometemos como membros da Igreja”.
Evangelizar, catequisar e educar todos os membros da Igreja
Proclamamos os Dez Mandamentos, diz a religiosa, e nos gloriamos
de ser custódios dos padrões, dos valores morais e do bom comportamento na
sociedade, mas às vezes somos hipócritas. “Por que ficamos em silêncio por
tanto tempo? Como podemos inverter isso – pergunta - transformando-o em
um tempo para evangelizar, catequizar e educar todos os membros da Igreja,
incluindo clérigos e religiosos? É verdade que a maioria dos bispos não fez
nada em relação aos abusos sexuais contra menores? Alguns fizeram, outros não
por medo ou encobrir”.
A questão hoje – afirma ela, reconhecendo as medidas que a
Igreja está tomando para deter esta situação - é mais sobre como lidar com a
questão dos abusos contra menores de maneira mais direta, transparente e
corajosa como Igreja, já que por mais de dois decênios fez tudo privadamente.
“A estrutura e os sistemas hierárquicos da Igreja deveriam ser
uma bênção para nos permitir alcançar o mundo inteiro com mecanismos muito
claros para enfrentar esta e muitas outras questões. Por que isso não aconteceu
o suficiente?” questiona, acrescentando que “temos outros problemas relativos à
sexualidade que não são suficientemente abordados, como por exemplo, o abuso de
poder, dinheiro, clericalismo, discriminação de gênero, o papel das mulheres e
dos leigos em geral? Talvez as estruturas hierárquicas e os longos protocolos
que influenciaram negativamente a velocidade das ações tenham se preocupado
mais com as reações da mídia?”
Transparência
Irmã Veronica, africana, viveu em Roma por 15 anos e estudou nos
Estados Unidos três. Trabalhou outros nove na Nigéria na área de educação
sexual. E baseada em sua experiência, sugeriu alguns pontos em favor de uma
maior transparência:
- não esconder mais fatos semelhantes. “Está em jogo a nossa
credibilidade”, enfatiza. O problema deve ser enfrentado e deve ser buscada a
cura para as vítimas.
- Todos os responsáveis que forem julgados culpados,
independente do “status clerical”, devem receber a própria pena pelos abusos
cometidos contra menores.
- O primeiro passo para uma verdadeira transparência é admitir
as violações e depois tornar público o que foi feito desde os tempos do Papa
João Paulo II, para assim sanar a situação.
- Construir processos eficazes e eficientes, baseados na busca
do desenvolvimento humano como também no direito civil e canônico, para a Proteção
dos Menores, com políticas e diretrizes claras expostas em paróquias e
divulgadas na internet.
- Melhor gestão dos casos, com um diálogo face a face,
transparente corajoso com as vítimas e os culpados, assim como com os grupos de
investigação.
- A desculpa de que se deve respeito a alguns sacerdotes em
virtude de sua idade avançada e da sua posição é inaceitável, defende a
religiosa, visto os crimes cometidos quando eram mais jovens.
- Buscar criar um ambiente para a oração e o discernimento, para
que possa haver transformação e cura das vítimas e dos culpados.
Caminho estratégico para seguir em frente
Para muitas vítimas, ser ouvidas e ajudadas psicologicamente e
espiritualmente foi o início do processo de cura. Para isto, deveriam ser
formadas pessoas com sensibilidade e compaixão para oferecer este serviço em
todos os países, propõe Irmã Veronica, que também recorda que devem ser
enfrentados de forma concreta as questões da prostituição e do tráfico. Neste
sentido, a indústria cinematográfica poderia ser de grande ajuda, sugere.
Outro ponto considerado como essencial pela religiosa, é uma
educação e uma formação clara e equilibrada sobre sexualidade e seus limites em
seminários e nas casas de formação, na formação permanente de sacerdotes, religiosos
e religiosas e bispos.
“O estudo do desenvolvimento humano deve levantar uma questão
séria sobre a existência de seminários menores”. A exemplo do que acontece
muitas vezes com seminaristas, “também a formação das jovens religiosas pode
muitas vezes levar a um falso sentimento de superioridade em relação às irmãs e
irmãos leigos, pensando que seu chamado é "superior"”.
Além disso, deveria ser pedido aos leigos responsáveis e
sensíveis, assim como às religiosas, para fazerem uma avaliação verdadeira e
honesta dos candidatos à nomeação episcopal.
Na opinião da religiosa, também seria importante existir em cada
diocese uma comissão formada por pessoas íntegras e qualificadas para
compartilhar a experiência sobre procedimentos documentais, protocolos, implicações
legais e financeiras das denúncias e os necessários canais de responsabilidade
e imputabilidade.
Romper com a cultura do silêncio
Ao agradecer ao Papa por possibilitar a presença da União das
Superioras Gerais no encontro, Irmã Veronica recorda que “as mulheres
adquiriram muita experiência útil que podem colocar à disposição neste campo, e
já fizeram muito para apoiar as vítimas e também para trabalhar de forma
criativa sobre seu uso de poder e de autoridade”.
“Espero e rezo – disse ao concluir - para que, no final desta
conferência, escolhamos deliberadamente romper com toda a cultura do silêncio e
do sigilo entre nós, para fazer entrar mais luz na nossa Igreja. Reconheçamos
nossa vulnerabilidade, sejamos proativos e não reativos ao enfrentar os
desafios que se apresentam ao mundo dos jovens e às pessoas vulneráveis, e
aprofundemos sem medo as outras questões de abusos na Igreja e na sociedade”.
Fonte: VaticanNews
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