"A
Igreja é a família dos filhos de Deus; uma família, onde se regozija com
aqueles que estão na alegria e se chora com aqueles que estão na tribulação ou
se sentem desanimados com a vida", foi uma das passagens do discurso do
Santo Padre aos presentes no Croke Park Stadium, em Dublin.
Cidade do Vaticano
A noite de sábado, 25 de agosto, foi
dedicada à Festa nas Famílias no Croke Park Stadium, em Dublin.
Francisco chegou de papamóvel, sendo
ovacionado pela multidão presente no estádio. Após as palavras de boas-vindas
do cardeal Kevin Jospeh Farrel, foram executados números de dança ao som de
músicas típicas irlandesas e cânticos, que foram intercalados com testemunhos.
Então, o Santo Padre proferiu o seu discurso (não estão incluídas no texto as
palavras ditas de forma espontânea):
“Queridos irmãos e irmãs, boa noite!
Obrigado pelas vossas calorosas
boas-vindas. É bom estar aqui! É bom celebrar, porque nos torna mais humanos e
mais cristãos. Também nos ajuda a partilhar a alegria de saber que Jesus nos
ama, acompanha no percurso da vida e, cada dia, nos atrai para mais perto de
Si.
Em cada celebração familiar, sente-se
a presença de todos: pais, mães, avós, netos, tios e tias, primos, quem não
pôde vir e quem vive demasiado longe. Hoje, em Dublin, reunimo-nos para uma
celebração familiar de ação de graças a Deus pelo que somos: uma única família
em Cristo, espalhada por toda a terra. A Igreja é a família dos filhos de Deus;
uma família, onde se regozija com aqueles que estão na alegria e se chora com
aqueles que estão na tribulação ou se sentem desanimados com a vida. Uma
família onde se cuida de cada um, porque Deus nosso Pai nos fez, a todos, seus
filhos no Batismo. Por isso mesmo, continuo a encorajar os pais a levar ao
Batismo os filhos logo que possível, para que se tornem parte da grande família
de Deus. É preciso convidar cada um para a festa!
Vós, queridas famílias, sois a grande
maioria do povo de Deus. Que fisionomia teria a Igreja sem vós? Foi para nos
ajudar a reconhecer a beleza e a importância da família, com as suas luzes e
sombras, que escrevi a Exortação Amoris laetitia sobre a
alegria do amor, e quis que o tema deste Encontro Mundial das Famílias fosse «O
Evangelho da família, alegria para o mundo». Deus quer que cada família
seja um farol que irradia a alegria do seu amor pelo mundo. Que significa isto?
Significa que nós, depois de ter encontrado o amor de Deus que salva,
procuramos, com palavras ou sem elas, manifestá-lo através de pequenos gestos
de bondade na vida rotineira de cada dia e nos momentos mais simples da
jornada.
Isto quer dizer santidade. Gosto de
falar dos santos «ao pé da porta», de todas aquelas pessoas comuns que refletem
a presença de Deus na vida e na história do mundo (cf. Exort. ap. Gaudete
et exsultate, 6-7). A vocação ao amor e à santidade não é algo reservado
para poucos privilegiados. Mesmo agora, se tivermos olhos para ver, podemos
vislumbrá-la ao nosso redor. Está silenciosamente presente no coração de todas
as famílias que oferecem amor, perdão e misericórdia, quando veem que há
necessidade, e fazem-no tranquilamente, sem tocar a tromba. O Evangelho da
família é, verdadeiramente, alegria para o mundo, visto que lá, nas nossas
famílias, sempre se pode encontrar Jesus; lá habita, em simplicidade e pobreza,
como fez na casa da Sagrada Família de Nazaré.
O matrimônio cristão e a vida
familiar são compreendidos em toda a sua beleza e fascínio, se estiverem
ancorados no amor de Deus, que nos criou à sua imagem para podermos dar-Lhe
glória como ícones do seu amor e da sua santidade no mundo. Pais e mães, avôs e
avós, filhos e netos são todos chamados a encontrar, na família, a realização
do amor. A graça de Deus ajuda dia a dia a viver com um só coração e uma só
alma. Mesmo as sogras e as noras! Ninguém diz que seja fácil... É como preparar
um chá: é fácil ferver a água, mas uma boa taça de chá requer tempo e
paciência; é preciso deixar em infusão! Então, dia após dia, Jesus aquece-nos
com o seu amor, fazendo de modo que penetre todo o nosso ser. Do tesouro do seu
Sagrado Coração, derrama sobre nós a graça que precisamos para curar as nossas
enfermidades e abrir a mente e o coração para nos escutarmos, compreendermos e
perdoarmos uns aos outros.
Acabamos de ouvir os testemunhos de
Felicité, Isaac e Ghislain, que vêm do Burkina Faso. Contaram-nos uma história
comovente de perdão em família. O poeta dizia que «errar é humano, perdoar é
divino». É verdade! O perdão é um dom especial de Deus, que cura as nossas
feridas e nos aproxima dos outros e d’Ele. Gestos humildes e simples de perdão,
renovados dia a dia, são o fundamento sobre o qual se constrói uma vida
familiar cristã sólida. Obrigam-nos a superar o orgulho, o isolamento e o
embaraço, e a fazer paz. É verdade! Gosto de dizer que, nas famílias,
precisamos de aprender três palavras: «desculpa», «por favor» e «obrigado».
Quando tiveres discutido em casa, certifica-te, antes de ir dormir, que pediste
desculpa dizendo que sentes pesar pelo sucedido. Mesmo se te sentires tentado a
ir dormir noutro quarto, sozinho e isolado, bate simplesmente à porta e diz:
«Por favor, posso entrar?» Basta um olhar, um beijo, uma palavra doce... e tudo
volta a estar como antes! Digo isto porque as famílias, quando o fazem,
sobrevivem. Não existe uma família perfeita; sem o hábito do perdão, a família cresce
doente e gradualmente desmorona-se.
Perdoar significa doar algo de si
mesmo. Jesus perdoa-nos sempre. Com a força do seu perdão, também nós podemos
perdoar aos outros, se o quisermos de verdade. Não é isso que pedimos, quando
rezamos o Pai Nosso? Os filhos aprendem a perdoar quando veem que
seus pais se perdoam entre si. Se compreendermos isto, poderemos apreciar a
grandeza da doutrina de Jesus sobre a fidelidade no matrimónio. Longe de ser
uma fria obrigação legal, trata-se sobretudo duma promessa poderosa da
fidelidade do próprio Deus à sua palavra e à sua graça sem limites. Cristo
morreu por nós para que, por nossa vez, possamos perdoar-nos e reconciliar-nos
uns com os outros. Deste modo, como pessoas e como famílias, aprendemos a
compreender a verdade daquelas palavras de São Paulo: tudo passa, mas «o amor
jamais passará» (1 Cor 13, 8).
Obrigado, Nisha e Ted, pelos vossos
testemunhos da Índia, onde estais a ensinar aos vossos filhos a serem uma
verdadeira família. Ajudastes-nos também a compreender que os meios de
comunicação social não são necessariamente um problema para as famílias, mas
podem contribuir para a construção duma «rede» de amizade, solidariedade e
apoio mútuo. As famílias podem conectar-se através da internet e beneficiar
disso. Os meios de comunicação social podem ser benéficos, se forem usados com
moderação e prudência. Vós, por exemplo, que participais neste Encontro Mundial
das Famílias, formais uma «rede» espiritual e de amizade, e os meios de
comunicação social podem ajudar-vos a manter esta ligação e alargá-la a outras
famílias em muitas partes do mundo. Contudo, importante que estes meios nunca
se tornem uma ameaça para a verdadeira rede de relações de carne e sangue,
prendendo-nos numa realidade virtual e isolando-nos das relações autênticas que
nos estimulam a dar o melhor de nós mesmos em comunhão com os outros. Talvez a
história de Ted e Nisha possa ajudar às famílias a interrogar-se sobre a
obrigação de reduzir o tempo que gastam com esses meios tecnológicos, e de
passar um tempo de qualidade entre eles e com Deus.
Ouvimos, de Enass e Sarmaad, como o
amor e a fé em família podem ser fontes de força e paz, mesmo no meio da
violência e da destruição, causadas pela guerra e a perseguição. A sua história
recorda-nos as trágicas situações que sofrem quotidianamente muitas famílias,
forçadas a abandonar as suas casas à procura de segurança e de paz. Mas Enass e
Sarmaad indicaram-nos também como, a partir da família e graças à solidariedade
manifestada por muitas outras famílias, a vida pode ser reconstruída e renascer
a esperança. Vimos este apoio no vídeo de Rammy e seu irmão Meelad, onde Rammy
expressou profunda gratidão pelo incentivo e a ajuda que a sua família recebeu
de muitas outras famílias cristãs do mundo inteiro, fazendo com que fosse
possível que eles voltassem para o seu vilarejo. Em cada sociedade, as famílias
geram paz, porque ensinam o amor, o acolhimento e o perdão, que são os melhores
antídotos contra o ódio, o preconceito e a vingança que envenenam a vida de
pessoas e comunidades.
Como ensinou um bom padre irlandês,
«a família que reza unida permanece unida» e irradia paz. Tal família pode ser
um apoio especial para outras famílias que não vivem em paz. Depois da morte do
padre Ganni, Enass, Sarmaad e as suas famílias optaram pelo perdão e a
reconciliação, em vez do ódio e do rancor. À luz da Cruz, viram que o mal só se
pode contrastar com o bem, e o ódio só se pode superar com o perdão. De forma
quase incrível foram capazes de encontrar paz no amor de Cristo, um amor que
faz novas todas as coisas. Nesta noite partilham esta paz connosco.
O amor de Cristo, que tudo renova, é
o que torna possível o matrimónio e um amor conjugal caracterizado por
fidelidade, indissolubilidade, unidade e abertura à vida. Foi o que quis evidenciar
no quarto capítulo de Amoris laetitia. Vimos este amor em Mary e
Damian e na sua família com dez filhos. Obrigado pelas vossas palavras e o
vosso testemunho de amor e fé! Experimentastes a capacidade que o amor de Deus
tem de transformar completamente a vossa vida e de vos abençoar com a alegria
de uma linda família. Dissestes-nos que a chave da vossa vida familiar é a
sinceridade. Pela vossa história, compreendemos como é importante continuar a
ir àquela fonte da verdade e do amor que pode transformar a nossa vida: Jesus,
que inaugurou o seu ministério público numa festa de núpcias. Lá, em Caná,
mudou a água num vinho novo e doce que permitiu continuar magnificamente a
jubilosa celebração. O mesmo se passa com o amor conjugal. O vinho novo começa a
ferver durante o tempo do noivado, necessário mas passageiro, e matura ao longo
da vida matrimonial num mútuo dom de si mesmo que torna os esposos capazes de
se fazerem, de dois, «uma só carne». E de abrir, por sua vez, os corações a
quem tem necessidade de amor, especialmente quem está sozinho, abandonado,
fraco e, enquanto vulnerável, muitas vezes posto de lado pela cultura do
descarte.
Por toda a parte, as famílias são
chamadas a continuar a crescer e seguir em frente, mesmo no meio de
dificuldades e limites, precisamente como fizeram as gerações passadas. Todos
somos parte duma grande cadeia de famílias, que remonta ao início dos tempos.
As nossas famílias são tesouros vivos de memória, com os filhos que, por sua
vez, se tornam pais e, depois, avós. Deles recebemos a identidade, os valores e
a fé. Vimo-lo em Aldo e Marissa, casados há mais de cinquenta anos. O seu
matrimónio é um monumento ao amor e à fidelidade! Os seus netos os mantêm
jovens; a sua casa está repleta de alegria, de felicidade e de danças. O seu
amor mútuo é um dom de Deus, um dom que estão a transmitir com alegria aos seus
filhos e netos.
Uma sociedade que não valorize os
avós é uma sociedade sem futuro. Uma Igreja que não tenha a peito a aliança
entre gerações acabará sem o que conta verdadeiramente, o amor. Os nossos avós
ensinam-nos o significado do amor conjugal e paternal. Eles próprios cresceram
numa família e experimentaram o afeto de filhos e filhas, de irmãos e irmãs.
Por isso, constituem um tesouro de experiência e sabedoria para as novas
gerações. É um grande erro não interpelar os idosos sobre as suas experiências
ou pensar que seja uma perda de tempo conversar com eles. A propósito, quero
agradecer a Missy o seu testemunho. A senhora nos disse que, entre os nómades,
a família sempre foi uma fonte de força e de solidariedade. O seu testemunho
nos lembra que, na casa de Deus, há um lugar à mesa para todos. Ninguém deve
ser excluído; o nosso amor e a nossa atenção devem estender-se a todos.
É tarde e estais cansados! Mas deixai
que vos diga uma última coisa. Vós, famílias, sois a esperança da Igreja e do
mundo! Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, criou a humanidade à sua imagem para
fazê-la participante do seu amor, para que fosse uma família de famílias e
gozasse daquela paz que só Ele pode dar. Com o vosso testemunho do Evangelho,
podeis ajudar Deus a realizar o seu sonho. Podeis contribuir para aproximar
todos os filhos de Deus, para que cresçam na unidade e aprendam o que
significa, para o mundo inteiro, viver em paz como uma grande família. Por este
motivo, desejei entregar a cada um de vós uma cópia de Amoris laetitia,
que escrevi para ser uma espécie de guia a fim de se viver com alegria o
Evangelho da família. Que Maria nossa Mãe, Rainha da família e da paz, sustente
a todos vós no percurso da vida, do amor e da felicidade!
E agora, no final do nosso serão,
rezaremos a oração deste Encontro das Famílias.
[Oração e Bênção]
Boa
noite. Dormi bem; até amanhã”.
Fonte: Vatican News
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