Marcos 10,17-30
28º DOMINGO DO TEMPO COMUM
O evangelho de hoje (Mc 10,17-30)
retoma a condição fundamental para ser discípulo de Jesus: o desapego dos bens.
Um tema inevitável para quem quer compreender a pessoa de Jesus e seu modo de
viver. Um dos temas mais difíceis do cristianismo. O Concílio disse que o
espírito de pobreza e a caridade são a glória e o testemunho de Cristo. (Cf.
GUADIUM ET nº88). O cristão não considera más as riquezas, mas vive desprendido
delas. Não é conquista de bens nem materiais nem espirituais a sua meta. Mas a
aproximação sempre maior de Deus. E os bens são amarras que impedem o voo, são
jaulas, ainda que, às vezes de ouro, que encurtam os horizontes do destino
humano.
Vejamos um pouco o sentido da
pergunta que o homem (Mateus fala que era um jovem, CF 19,20) fez a Jesus. Ela
indica uma maneira típica de o Antigo Testamento encarar a vida eterna. ”Que
devo fazer para ganhar a vida eterna?”, como se pudesse comprar a vida eterna
com obras. Nenhuma obra humana é suficiente para merecer a vida divina. Homem
nenhum poderá exigir em troca de obras suas o dom de Deus. Apenas o Cristo, por
ser Filho de Deus, foi capaz de merecer a vida eterna. É um dom dele para nós,
pago com seu sangue. Por isso Paulo chama Cristo de nossa justificação, isto é,
nossa santificação. No entanto, é pelas obras que crescemos na fé. Somos
chamados a fazer o bem a todos. Fazemos o bem, porque Cristo fez. Mas não somos
nós que julgamos o bem que fazemos. Deus dará recompensa como ele quiser. Não
fazemos boas obras, para, em troca, ganhar o céu. Mas fazemos boas obras para
com elas, glorificar a Deus. Dizia-o tão bem São Paulo aos Coríntios:” Fazei
tudo para a glória de Deus” (1 Cor. 10,31). Precisamos prestar muita atenção
aos cristãos que costumam fazer promessas. Elas não podem ser uma espécie de
comércio com Deus. E também as pessoas engajadas na ação social em suas
comunidades devem atenção para o desinteresse. É necessário o engajamento, mas
isso não obriga Deus a lhes dar precedências nos pedidos.
O homem pergunta como ganhar a vida
eterna; Jesus lhes responde como entrar no Reino de Deus. O homem pensava em
vida depois da morte, na qual o Antigo Testamento acreditava. Havia discrição
sobre se todos haveriam de ressuscitar ou se só os justos teriam o privilégio.
Discutia-se se o corpo também ressuscitaria ou se só a alma era imortal. Jesus
introduz a expressão Reino de Deus e faz dela a ideia central de toda a sua
pregação. Ora o reino é sua pessoa presente entre os homens; é o modo de o
homem viver a presença de Deus. Para Jesus, o reino tem duas fases: uma atual,
neste mundo; outra futura, que é a glória eterna. A segunda depende da
primeira. A vida do homem sobre a terra foi muito valorizada por Jesus. Esta
vida já é parte da eternidade. Já nesta vida vivemos a vida divina. Esse Reino,
que deve ser a primeira preocupação do homem e pelo qual deve se sacrificar
tudo, só é compreendido pelos que têm espírito de pobre e se desenvolveu
lentamente na vida presente, alcançando a sua plenitude na ressurreição, quando
os corpos são trans formados. Se para entrar no Reino é preciso espírito de
pobre, a exigência de Jesus ao homem rico se torna clara como a luz do dia.
Poder-se-ia pensar que essa pobreza fosse indicada somente para os que fazem votos
religiosos. Para eles, com muita razão. Mas a exigência é para todos os
cristãos. O homem entristeceu e recuou. Era rico, e para o A. T. a riqueza era
grande prova de benção divina (CF. Dt. 28, 2ss.). Não era fácil ao homem rico
superar de uma só vez o instinto de posse e o que aprendeu nos livros
religiosos. S apóstolos, parece, ficaram do lado do homem rico, porque se
espantaram muito com a posição de Jesus, o que prova o quanto é difícil mudar a
mentalidade social fundamentada em conceito religioso.
O ser humano, inteiramente
desapegado, parece impossível existir. E Jesus volta a uma outra ligação
central: o entrar no Reino é o dom de Deus. A vida eterna é dada pela
misericórdia divina e não por mérito de obras humanas, ainda que estas sejam o
alimento da fé e sejam necessárias para a construção do Reino.
Neste domingo do encontro de Jesus
com o homem rico, damos graças ao nosso Deus, que, sendo rico, se fez pobre,
assumindo a condição de servo em Jesus de Nazaré. Fazendo-se pobre por nós é
que o Senhor pode nos enriquecer com suas incalculáveis riquezas.
Pe, Raimundo
Neto
Pároco de
São Vicente

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