Jornal O SÃO PAULO
Uma notícia, no mínimo curiosa, chamou a atenção dos brasileiros na semana passada. Em uma feira, no centro da capital paulista, um homem vendia dois bolivianos. Não eram bonecos, peças de roupa ou artesanato, mas dois seres humanos.
“Aí vai o trabalho mais vil do homem. Chegamos ao ponto de coisificar as pessoas para ganhar dinheiro. É isso, o dinheiro é senhor de nossas causas hoje”, afirma a promotora de justiça Eliana Vendramini. Responsável pelo Programa de Identificação e Localização de Desaparecidos, a promotora afirma que, no centro de São Paulo “vivemos um problema terrível”.
“Não está longe de nós, o centro da cidade é um dos principais lugares para falsificação de RG, obtenção de silicone industrial para colocar em travestis que ‘quer se fazer’ em São Paulo. Não quero polemizar a adoção brasileira que muitas delas são feitas por amor, mas existe muito tráfico de bebês, o que é batizado de ‘adoção à brasileira’. Por exemplo, encontrei a criança a mãe me deu, gosta muito de mim e peço a guarda e depois a adoção, mas na verdade a mãe nunca me viu. Eu posso ser a mãe boa, mas posso ser uma traficante, conseguir a guarda e depois vender”, comenta.
Talvez, ao falar em tráfico humano, as pessoas se remetam a algo distante de suas vidas, ao interior, às fazendas, ou, até mesmo, àquele cenário de novela, mas a realidade é diferente e está muito mais próxima das pessoas do que elas pensam.
“O maior número de caso [em São Paulo] de trabalho escravo é ligado às confecções, à indústria têxtil com a exploração de bolivianos de maneira geral, mas no ano passado houve um aumento muito grande na construção civil, como tem grandes obras, grandes empreendimentos, em vista da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Essa mão de obra é aliciada de alguns estados do Nordeste, principalmente”, conta a doutora Christiane Vieira Nogueira, procuradora do Ministério Público do Trabalho.
As modalidades de tráfico humano, quatro ao total, atingem as pessoas em situação de vulnerabilidade. E essa “vulnerabilidade”, ressalta a doutora Eliana, “se apresenta das diversas maneiras possíveis. Uma vítima traficada é vulnerável, ‘vulnerável economicamente’, alguém pode dizer. Não! Ela é vulnerável em qualquer ponto. O travesti sai de lá só porque era pobre? Não. É porque não era aceito socialmente. Vai aí outra questão de fraternidade”, comenta a promotora fazendo menção à CF-2014.
Trabalho escravo ou situações análogas à escravidão
Paulo Rodrigo dos Santos, um lavrador de 40 anos, nunca estudou. Sabe ler e escrever, pois, como ele mesmo diz, “se virou na vida”. Em conversa com a pesquisadora Claudilene da Costa Ramalho, mestra em Ciências Políticas pela Universidade Federal do Espírito Santo, conta ele como um “gato” o “aliciou” para o trabalho do corte de cana em uma usina de Mato Grosso.
A promessa era receber R$ 100 por dia, mas o máximo que ele conseguiu receber foi aproximadamente R$ 60, “no melhor dia”, acrescenta, pois no pior dia o valor não passou de R$ 18. Fora os gastos com alimentação e moradia, a promessa de um salário justo, como forma de pagamento dos trabalhos prestados, ficou apenas na promessa.
Em casos assim, destaca a promotora Eliana, “a maioria das vítimas de tráfico sabe o que elas vão fazer, o problema são as condições que são descobertas mais tarde”. Ao passo que há um silêncio por parte das vítimas, “essas vítimas, não querem falar em juízo. Elas não são a prova oral do crime. Se falar, vitimiza, se falar, pode morrer, se falar, pode perder oportunidade, é indigna a situação dela, mas é melhor do que de onde ela saiu.”
A doutora Christiane acrescenta: “Há muito silêncio. Nem temos ideia do percentual real do trabalho escravo que tem por aí a fora. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) tem alguns estudos que é um percentual relativamente pequeno dessas denúncias”. A procuradora do Ministério Público do Trabalho ressalta que, atualmente, os casos do trabalho escravo vêm aumentando e tudo isso como reflexo dos grandes eventos que acontecerão no Brasil inteiro, “estádios, aeroportos, hidrelétricas, obras do PAC, Minha Casa, Minha Vida…”, enumera.
Fonte: Site da Arquidiocese de Fortaleza
Por EdcarReproduçãolos Bispo de Santana
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