Na missa do VIII Dia Mundial dos Pobres, Francisco faz um apelo aos governos e às organizações internacionais, mas convida a Igreja a sentir “a mesma compaixão do Senhor” diante dos últimos, e pede aos cristãos que se tornem “sinal da presença do Senhor”, pertos do sofrimento dos necessitados para aliviar suas feridas e mudar sua sorte: só assim a Igreja “se torna ela mesma, casa aberta a todos”.
Alessandro Di Bussolo - Vatican
News
“Por favor, não nos esqueçamos
dos pobres!”. A invocação com a qual o Papa Francisco encerra sua homilia na
missa do VIII Dia Mundial dos Pobres neste domingo (17/11), na Basílica de São
Pedro, é dirigida à Igreja, aos governos dos Estados e às organizações
internacionais, mas também “a todos e a cada um”. E aos fiéis em Cristo, o Papa
nos lembra que “é a nossa vida impregnada de compaixão e de caridade que se
torna sinal da presença do Senhor, sempre próximo do sofrimento dos pobres,
para aliviar as suas feridas e mudar a sua sorte”. Porque a esperança cristã
precisa de “cristãos que não se viram para o outro lado” e que sintam “a mesma
compaixão do Senhor diante dos pobres”. Francisco sublinhou isso lembrando uma
advertência do cardeal Martini: somente servindo os pobres “a Igreja ‘torna-se’
ela mesma, isto é, uma casa aberta a todos, um lugar da compaixão de Deus pela
vida de cada homem”.
Jesus se
tornou pobre por nós
Em uma Basílica lotada, com a
presença dos pobres que mais tarde almoçam com ele na Sala Paulo VI, o
Pontífice abre a celebração com a exortação do ato penitencial: “Com o olhar
fixo em Jesus Cristo, que se fez pobre por nós e rico de amor para com todos,
reconheçamos que precisamos da misericórdia do Pai”. O celebrante no altar é o
arcebispo Rino Fisichella, pró-prefeito do Dicastério para a Evangelização.
Na
escuridão deste tempo, brilha uma esperança inabalável
Na homilia, o Papa Francisco
relê a passagem do Evangelho de Marcos, na liturgia deste XXXIII Domingo do
Tempo Comum, com as palavras de Jesus aos discípulos antes de sua paixão,
descrevendo “o estado de espírito daqueles que viram a destruição de
Jerusalém”, mas também a chegada extraordinária do Filho do Homem. “Quando tudo
parece desmoronar-se, que Deus vem, que Deus se aproxima, que Deus nos reúne
para nos salvar”.
Jesus convida-nos a ter um olhar
mais aguçado, a ter olhos capazes de “ler por dentro” os acontecimentos da
história, para descobrir que, mesmo na angústia dos nossos corações e dos
nossos tempos, há uma esperança inabalável que resplandece.
Angústia e
impotência diante da injustiça do mundo
Neste Dia Mundial dos Pobres,
portanto, o Papa nos convida a nos determos nas duas realidades, “angústia e
esperança, que sempre duelam entre si na arena do nosso coração”. Ele começa
com a angústia, tão difundida em nosso tempo, “onde a comunicação social
amplifica os problemas e as feridas, tornando o mundo mais inseguro e o futuro
mais incerto”. Se o nosso olhar, enfatiza, “se detém apenas na crônica dos
acontecimentos, dentro de nós a angústia ganha terreno”, porque ainda hoje,
como na passagem do Evangelho, “vemos o sol escurecer e a lua se apagar, vemos
a fome e a carestia que oprimem tantos irmãos e irmãs, vemos os horrores da
guerra e a morte de inocentes”. E corremos o risco de “afundarmos no desânimo e
de não nos apercebermos da presença de Deus no drama da história. Assim,
condenamo-nos à impotência".
Vemos crescer à nossa volta a
injustiça que causa a dor dos pobres, mas juntamo-nos à corrente resignada
daqueles que, por comodismo ou por preguiça, pensam que “o mundo é assim mesmo”
e que “não há nada que eu possa fazer”. Desse modo, até a própria fé cristã é
reduzida a uma devoção inócua, que não incomoda os poderes deste mundo e não
gera um compromisso concreto de caridade.
A
ressurreição de Jesus acende a esperança
Francisco cita a sua Exortação
Apostólica Evangelii gaudium para nos lembrar que, “enquanto
crescem as desigualdades e a economia penaliza os mais fracos, enquanto a
sociedade se consagra à idolatria do dinheiro e do consumo”, acontece que “os
pobres e os excluídos não podem fazer outra coisa senão continuar a esperar”.
Mas no quadro apocalíptico que acaba de ser descrito no Evangelho, Jesus
“acende a esperança”, descrevendo a chegada do Filho do Homem “com grande poder
e glória”, para reunir “os seus eleitos dos quatro ventos”. Assim, ele “alarga
o nosso olhar para que aprendamos a perceber, mesmo na precariedade e na dor do
mundo, a presença do amor de Deus que se faz próximo, que não nos abandona, que
atua para a nossa salvação”. Jesus, lembra o Pontífice, está apontando
“inicialmente para a sua morte que terá lugar pouco depois”, mas também para “o
poder da sua ressurreição” que destruirá as cadeias da morte, “e um mundo novo
nascerá das ruínas de uma história ferida pelo mal”. Jesus nos dá essa
esperança por meio da bela imagem da figueira: “quando seus ramos ficam verdes
e as folhas começam a brotar, sabeis que o verão está perto”.
Do mesmo modo, também nós somos
chamados a ler as situações da nossa história terrena: onde parece haver apenas
injustiça, dor e pobreza, precisamente naquele momento dramático, o Senhor
aproxima-se para nos libertar da escravidão e fazer brilhar a vida.
Você olha
nos olhos a pessoa que ajuda?
E isso é feito, ele explica,
“com nossa proximidade cristã, com a nossa fraternidade cristã”.
Não se trata de jogar uma moeda
nas mãos de quem precisa. Àquele que dá a esmola, eu pergunto duas coisas: “Você toca as
mãos das pessoas ou joga a moeda sem tocá-las? Você olha nos olhos
a pessoa que ajuda ou desvia o olhar?”.
Perto do
sofrimento dos pobres
Cabe a nós, seus discípulos,
continua o Papa Francisco, que graças ao Espírito Santo podemos semear essa
esperança no mundo. “Somos nós" - e aqui ele cita sua Encíclica Fratelli
tutti - "que podemos e devemos acender luzes de justiça e de
solidariedade, enquanto se adensam as sombras de um mundo fechado".
Somos nós que a sua Graça faz
brilhar, é a nossa vida impregnada de compaixão e de caridade que se torna
sinal da presença do Senhor, sempre próximo do sofrimento dos pobres, para
aliviar as suas feridas e mudar a sua sorte.
Desvio o
olhar diante da dor dos outros?
Não esqueçamos, é a invocação do
Papa, que a esperança cristã, “que se realizou em Jesus e se concretiza no seu
Reino, precisa de nós e do nosso empenho, de uma fé operosa na caridade, de
cristãos que não passam para o outro lado do caminho". E aqui ele lembra a
imagem de um fotógrafo romano de um casal de adultos saindo de um restaurante,
que olhava para o outro lado para não cruzar dom o olhar de “uma pobre senhora,
deitada no chão, pedindo esmolas”.
Isso acontece todos os dias. Perguntemos a nós
mesmos: eu olho para o outro lado quando vejo a pobreza, as necessidades, a dor
dos outros?
Francisco cita então um teólogo
do século XX, Metz, quando dizia que a fé cristã deve gerar em nós uma “mística
de olhos abertos”: “não uma espiritualidade que foge do mundo, mas, pelo
contrário, uma fé que abre os olhos aos sofrimentos do mundo e às aflições dos
pobres, para exercer a mesma compaixão de Cristo”.
“Eu sinto a mesma compaixão do
Senhor diante dos pobres, diante daqueles que não têm trabalho, que não têm o que
comer, que são marginalizados pela sociedade?”
Mesmo com o
nosso pouco, podemos melhorar a realidade
E, continua o Papa Francisco,
“não devemos olhar apenas para os grandes problemas da pobreza mundial, mas
para o pouco que todos nós podemos fazer todos os dias".
Com o nosso estilo de vida, com
o cuidado e a atenção pelo ambiente em que vivemos, com a busca tenaz da
justiça, com a partilha dos nossos bens com os mais pobres, com o engajamento
social e político para melhorar a realidade que nos rodeia..
Por favor,
não nos esqueçamos dos pobres
Assim, “o nosso pouco será como
as primeiras folhas que brotam na figueira: uma antecipação do verão que está
próximo”. Concluindo, o Papa recorda uma advertência do cardeal Carlo Maria
Martini, quando disse “que devemos ter cuidado ao pensar que existe primeiro a
Igreja, já sólida em si mesma, e depois os pobres dos quais escolhemos cuidar.
Na realidade, tornamo-nos a Igreja de Jesus na medida em que servimos os
pobres, pois somente assim «a Igreja “torna-se” ela mesma, isto é, uma casa
aberta a todos, um lugar da compaixão de Deus pela vida de cada homem»”.
Digo-o à Igreja, digo-o aos
governos dos Estados e às organizações internacionais, digo-o a todos e a cada
um: por favor, não nos esqueçamos dos pobres.
Projeto de
caridade pela Síria e almoço com os pobres
Antes da missa, o Papa Francisco
abençoou simbolicamente 13 chaves, representando os 13 países nos quais a Famvin
Homeless Alliance (FHA), da Família Vicentina, construirá novas casas
para pessoas necessitadas com o Projeto “13 Casas” para o Jubileu. Entre esses
países está também a Síria, cujas 13 casas serão financiadas diretamente pela
Santa Sé como um gesto de caridade para o Ano Santo. Um ato de solidariedade
que se tornou possível graças a uma generosa doação da UnipolSai,
que desejou entusiasticamente contribuir, no período que antecedeu o Ano Santo,
com esse sinal de esperança para uma terra ainda devastada pela guerra.
No final da missa e após a
recitação do Angelus, o Papa almoça na Sala Paulo VI junto com 1.300 pessoas
pobres. O almoço, organizado pelo Dicastério para o Serviço da Caridade, é
oferecido este ano pela Cruz Vermelha Italiana e animado por sua Fanfarra
Nacional. No final do almoço, cada pessoa recebe uma mochila oferecida pelos
Padres Vicentinos (Congregação da Missão), contendo alimentos e produtos de
higiene pessoal.
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