Desde Adão e Eva, os primeiros peregrinos sobre a Terra,
passando por Abraão – Pai da Fé –, Moisés, Davi e etc., a fé bíblica sempre
enxergou o ato de caminhar como expressão da busca por Deus. No entanto, o ato
de peregrinar não pode nem deve ser visto como simples gesto de mover os pés
para se locomover. Peregrinar enquanto rito religioso é um ato revestido de
sacralidade porque este caminhar se faz entre cantos, orações e contemplação.
Não se trata somente de caminhar, de realizar simples viagem para divertimento
e muito menos uma movimentação turística. Podemos até mesmo afirmar que o termo
‘turismo religioso’, tão propagado nos últimos anos no mundo civil, não faz
parte do vocabulário eclesial. Este termo, na verdade, é estranho ao coração de
ministros sagrados e fiéis devotos. Quem tem fé, visita os locais sagrados como
expressão de busca do sagrado, de anseio de aproximar-se de Deus, não com
desejo de postar fotos e ficar famosos virtualmente pela imensidade de
“curtidas” que pode receber. Peregrinar é o ato de locomover-se no mundo
visível com o intuito de encontrar e adentrar no mundo espiritual e metafísico
invisível.
A etimologia do termo Peregrinação provém do latim “per agros” que
significa “pelos campos”. No idioma português, aqui no Brasil, Peregrinar geralmente
é traduzido como sinônimo de Fazer
Romaria. O termo Romaria tem sua origem na palavra Roma, cidade
que se tornou ponto de chegada de tantos que procuravam visitar, com devoção,
os monumentos bíblicos e os túmulos dos mártires cristãos e dentre eles os
túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo. Em nossa diocese, que possui notáveis
romarias, o termo possui conotações históricas já que aquele que ainda em vida
terrestre passou a ser objeto de peregrinação, possui no nome –
coincidentemente – a palavra romaria: o servo
de Deus, Padre Cícero Romão Batista.
O costume de peregrinar a lugares santos vem desde os primórdios
da humanidade e está presente, praticamente, em todas as religiões. Os hebreus
costumavam sair em peregrinação e, ao menos pela Páscoa, depois que se tornaram
habitantes da Terra Prometida, iam todos os anos a Jerusalém. São Lucas nos
relata que Maria e José, como fiéis observantes da Lei de Moisés e piedosos
devotos também realizaram peregrinações. Todos os anos, os pais de Jesus iam a
Jerusalém para a festa da Páscoa (Lc.
2, 41-52). A partir do momento da Encarnação do Verbo, as
peregrinações de Maria e José passaram a possuir ares de procissão religiosa
porque enquanto caminhavam em busca do local sagrado, os dois já levavam
consigo a presença física e palpável de Deus invisível que é objeto de busca
nas peregrinações. Jesus Cristo, nos seus dias de vida terrestre, também
participou desta expressão religiosa. Segundo os relatos evangélicos, sobretudo
no evangelho segundo João, a vida pública de Jesus aparece resumida em três
grandes peregrinações iniciada na Galileia e concluídas em Jerusalém, lugar
onde entregou sua vida ao Pai, no sacrifício da cruz, e ressuscitou vitorioso
ao terceiro dia. Sendo
assim, a experiência mística de Jesus de Nazaré – que caminha para realizar
plenamente a vontade de Deus Pai – é o alicerce e a luz que guia de todas as
peregrinações cristãs.
As peregrinações na era cristã começaram e se avolumar a partir
do século IV graças a cristã Egéria ou Etéria que realizou várias peregrinações
a Terra Santa e as documentou em um livro. A obra despertou o desejo dos
leitores de realizar o mesmo itinerário e as mesmas experiências religiosas.
As peregrinações, ou romarias, podem ser feitas individualmente,
porém, quase sempre são feitas em grupos que se reúnem, se preparam, e que
enquanto se colocam a caminho, buscam a conversão, louvam a Deus e criam laços
fraternos com os companheiros de viagem. A Espiritualidade Cristã é
essencialmente comunitária, por isto, grande parte de seus gestos concretos são
realizados em grupo. Para se fazer uma boa peregrinação, alguns cuidados são
importantes. Não é suficiente apenas se preparar fisicamente. Se faz justo e
necessário também preparar-se espiritualmente pela oração, pela confissão sacramental e
pela participação piedosa, ativa, consciente
e frutuosa na Eucaristia (SC. nº 48), alimento para quem
caminha (1Rs. 19,1-8).
O que levar para esta jornada? Como se trata de uma
jornada que exige esforço físico, se deve levar materialmente falando apenas o
estritamente necessário porque o romeiro já leva no coração o essencial: a
gratidão por alguma graça alcançada ou o desejo de cumprir determinada promessa
que fez. Para o romeiro, mas importante do que levar ou trazer objetos, se
trata de alcançar o lugar onde tantos outros fiéis piedosos estiveram, pois
espera chegar ao lugar onde o divino tocou o humano, o espiritual tocou o
material. O lugar que pelas experiências vividas e relatadas tornou-se memória
viva da manifestação de Deus e de sua solicitude que realiza maravilhas em
favor do seu povo (Lc.
1,46-55). Assim o peregrino romeiro compreende que caminha pelo
mundo físico, mas com os olhos e o coração fixos em Jesus Cristo.
Entre os anos de 2016 e 2017, nosso país celebrou o Ano Mariano
Nacional no qual recordamos e celebramos os 300 anos do encontro da imagem de
Nossa Senhora Aparecida e também o centenário das aparições na cidade
Fátima/Portugal. Dioceses, paróquias, pequenas comunidades de todos os cantos e
lugares rumaram em direção ao Santuário Nacional, a Casa da Mãe Aparecida, para
estar sob a segurança do mesmo manto que um dia protegeu o próprio Deus. Do
mesmo modo que a cidade de Aparecida, nossa diocese possui como que uma “cidade
santuário”, Juazeiro do Norte, que se torna diversas vezes, ao longo do ano,
lugar para onde afluem pressurosos milhares de romeiros desejosos não apenas de
alcançar uma graça pela intercessão do Servo de Deus, Padre Cícero Romão
Batista, mas também realizar a mesma experiência espiritual buscada pelo Padre
Cícero ao subir o Horto. Na sua simplicidade, os romeiros desejam contemplar,
celebrar, agradecer, meditar, pedir graças e pagar as promessas já realizadas.
Todo aquele que se faz peregrino e romeiro tem consciência de
que segue os passos do Senhor que caminhou para Jerusalém afim de nos trazer a
salvação. Como eu sigo os
passos de Jesus Cristo? Como eu vivo o Evangelho? Meus passos também trazem a
salvação para quem dela necessita? Esta deve ser a
preocupação fundamental nesse itinerário espiritual que é a romaria tanto para
os que chegam como romeiros como para aqueles que se fazendo dom e serviço, os
que acolhem no lugar sagrado onde o céu toca a terra.
Pe. Paulo Sérgio Silva
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