quinta-feira, 14 de setembro de 2023

PEREGRINAÇÃO E ROMARIA: O SER HUMANO CAMINHA AO ENCONTRO DE DEUS

 


 

Desde Adão e Eva, os primeiros peregrinos sobre a Terra, passando por Abraão – Pai da Fé –, Moisés, Davi e etc., a fé bíblica sempre enxergou o ato de caminhar como expressão da busca por Deus. No entanto, o ato de peregrinar não pode nem deve ser visto como simples gesto de mover os pés para se locomover. Peregrinar enquanto rito religioso é um ato revestido de sacralidade porque este caminhar se faz entre cantos, orações e contemplação. Não se trata somente de caminhar, de realizar simples viagem para divertimento e muito menos uma movimentação turística. Podemos até mesmo afirmar que o termo ‘turismo religioso’, tão propagado nos últimos anos no mundo civil, não faz parte do vocabulário eclesial. Este termo, na verdade, é estranho ao coração de ministros sagrados e fiéis devotos. Quem tem fé, visita os locais sagrados como expressão de busca do sagrado, de anseio de aproximar-se de Deus, não com desejo de postar fotos e ficar famosos virtualmente pela imensidade de “curtidas” que pode receber. Peregrinar é o ato de locomover-se no mundo visível com o intuito de encontrar e adentrar no mundo espiritual e metafísico invisível.

A etimologia do termo Peregrinação provém do latim “per agros” que significa “pelos campos”. No idioma português, aqui no Brasil, Peregrinar geralmente é traduzido como sinônimo de Fazer Romaria. O termo Romaria tem sua origem na palavra Roma, cidade que se tornou ponto de chegada de tantos que procuravam visitar, com devoção, os monumentos bíblicos e os túmulos dos mártires cristãos e dentre eles os túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo. Em nossa diocese, que possui notáveis romarias, o termo possui conotações históricas já que aquele que ainda em vida terrestre passou a ser objeto de peregrinação, possui no nome – coincidentemente – a palavra romaria: o servo de Deus, Padre Cícero Romão Batista.

O costume de peregrinar a lugares santos vem desde os primórdios da humanidade e está presente, praticamente, em todas as religiões. Os hebreus costumavam sair em peregrinação e, ao menos pela Páscoa, depois que se tornaram habitantes da Terra Prometida, iam todos os anos a Jerusalém. São Lucas nos relata que Maria e José, como fiéis observantes da Lei de Moisés e piedosos devotos também realizaram peregrinações. Todos os anos, os pais de Jesus iam a Jerusalém para a festa da Páscoa (Lc. 2, 41-52). A partir do momento da Encarnação do Verbo, as peregrinações de Maria e José passaram a possuir ares de procissão religiosa porque enquanto caminhavam em busca do local sagrado, os dois já levavam consigo a presença física e palpável de Deus invisível que é objeto de busca nas peregrinações. Jesus Cristo, nos seus dias de vida terrestre, também participou desta expressão religiosa. Segundo os relatos evangélicos, sobretudo no evangelho segundo João, a vida pública de Jesus aparece resumida em três grandes peregrinações iniciada na Galileia e concluídas em Jerusalém, lugar onde entregou sua vida ao Pai, no sacrifício da cruz, e ressuscitou vitorioso ao terceiro dia. Sendo assim, a experiência mística de Jesus de Nazaré – que caminha para realizar plenamente a vontade de Deus Pai – é o alicerce e a luz que guia de todas as peregrinações cristãs.

As peregrinações na era cristã começaram e se avolumar a partir do século IV graças a cristã Egéria ou Etéria que realizou várias peregrinações a Terra Santa e as documentou em um livro. A obra despertou o desejo dos leitores de realizar o mesmo itinerário e as mesmas experiências religiosas.

As peregrinações, ou romarias, podem ser feitas individualmente, porém, quase sempre são feitas em grupos que se reúnem, se preparam, e que enquanto se colocam a caminho, buscam a conversão, louvam a Deus e criam laços fraternos com os companheiros de viagem. A Espiritualidade Cristã é essencialmente comunitária, por isto, grande parte de seus gestos concretos são realizados em grupo. Para se fazer uma boa peregrinação, alguns cuidados são importantes. Não é suficiente apenas se preparar fisicamente. Se faz justo e necessário também preparar-se espiritualmente pela oração, pela confissão sacramental e pela participação piedosa, ativa, consciente e frutuosa na Eucaristia (SC. nº 48), alimento para quem caminha (1Rs. 19,1-8).

 O que levar para esta jornada? Como se trata de uma jornada que exige esforço físico, se deve levar materialmente falando apenas o estritamente necessário porque o romeiro já leva no coração o essencial: a gratidão por alguma graça alcançada ou o desejo de cumprir determinada promessa que fez. Para o romeiro, mas importante do que levar ou trazer objetos, se trata de alcançar o lugar onde tantos outros fiéis piedosos estiveram, pois espera chegar ao lugar onde o divino tocou o humano, o espiritual tocou o material. O lugar que pelas experiências vividas e relatadas tornou-se memória viva da manifestação de Deus e de sua solicitude que realiza maravilhas em favor do seu povo (Lc. 1,46-55). Assim o peregrino romeiro compreende que caminha pelo mundo físico, mas com os olhos e o coração fixos em Jesus Cristo.

Entre os anos de 2016 e 2017, nosso país celebrou o Ano Mariano Nacional no qual recordamos e celebramos os 300 anos do encontro da imagem de Nossa Senhora Aparecida e também o centenário das aparições na cidade Fátima/Portugal. Dioceses, paróquias, pequenas comunidades de todos os cantos e lugares rumaram em direção ao Santuário Nacional, a Casa da Mãe Aparecida, para estar sob a segurança do mesmo manto que um dia protegeu o próprio Deus. Do mesmo modo que a cidade de Aparecida, nossa diocese possui como que uma “cidade santuário”, Juazeiro do Norte, que se torna diversas vezes, ao longo do ano, lugar para onde afluem pressurosos milhares de romeiros desejosos não apenas de alcançar uma graça pela intercessão do Servo de Deus, Padre Cícero Romão Batista, mas também realizar a mesma experiência espiritual buscada pelo Padre Cícero ao subir o Horto. Na sua simplicidade, os romeiros desejam contemplar, celebrar, agradecer, meditar, pedir graças e pagar as promessas já realizadas.

Todo aquele que se faz peregrino e romeiro tem consciência de que segue os passos do Senhor que caminhou para Jerusalém afim de nos trazer a salvação. Como eu sigo os passos de Jesus Cristo? Como eu vivo o Evangelho? Meus passos também trazem a salvação para quem dela necessita? Esta deve ser a preocupação fundamental nesse itinerário espiritual que é a romaria tanto para os que chegam como romeiros como para aqueles que se fazendo dom e serviço, os que acolhem no lugar sagrado onde o céu toca a terra.

Pe. Paulo Sérgio Silva

 Fonte: Site da Diocese de Crato

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