Em uma longa entrevista concedida a Daniel Hadad, fundador de Infobae, site de informação on-line argentino, o Pontífice fala, entre outros, sobre sua eleição à Cátedra de Pedro - dez anos atrás, faz uma homenagem ao cardeal brasileiro Cláudio Hummes, que o inspirou na escolha do nome Francisco, e fala de seus hábitos. Ele também fala sobre o drama do tráfico de drogas na América Latina, a situação na Venezuela e na Nicarágua e sobre uma possível viagem à sua Argentina
Vatican New
Na segunda-feira, 13 de março, Bergoglio está completando 10
anos como Papa, mas acredita que não mudou no essencial. Ele mantém, de fato, a
mesma atitude que sempre teve, as nuances do espanhol de Buenos Aires, o humor
um pouco cândido. Trazemos, a seguir, um trecho da longa entrevista concedida a Daniel
Hadad, fundador de Infobae, site de informação on-line argentino.
Completam-se 10 anos
do dia em que foi eleito Papa. Lembra-se desse dia? O que lhe vem à mente
primeiro?
Várias
vezes quis me lembrar do que aconteceu. Realmente, não me dei conta do que ia
acontecer. Como, você não tinha votos? Sim, muitos tinham votos ali, mas no
conclave há o fenômeno dos votos depósito. Às vezes não se sabe em quem votar e
por isso se espera um pouco, e se dá a alguém que não vai sair, para ver como
as coisas vão. É assim que o Espírito Santo move alguém, não é mesmo? De manhã
eu vim aqui tranquilo, ao meio-dia, e alguns me fizeram brincadeiras de
passagem, que eu não entendi. Mesmo quando cheguei ao refeitório, alguns bispos
do centro da Europa me disseram: "Vamos, eminência, o que nos conta sobre
a América Latina? Eles me examinaram. Quando eu estava saindo do refeitório, um
cardeal veio correndo por trás e me disse: "Um momento, por favor, é
verdade que lhe tiraram um pulmão? Eu disse "Não, me tiraram o lóbulo
superior direito porque tinha cistos". "Ah, e quando isso aconteceu?
E eu disse: "No ano '57″. E ele disse "Estas manobras de última
hora..." e voltou para trás. E foi aí que percebi. Foi aí que me dei conta
de que havia uma campanha a favor e uma campanha contra. Depois, fui fazer a
sesta tranquilo.
Outra
lembrança interessante é que, quando cheguei - isto é o que os psicólogos
diriam o inconsciente - antes de entrar na Sistina, encontrei o cardeal
[Gianfranco] Ravasi e começamos a caminhar na grande sala antes da Sistina. E
eu lhe disse: "Sabe que para minhas aulas de escritos sapienciais eu uso -
eu costumava usá-los, agora não dou mais aula - seus livros?" E comecei a
explicar e começamos a falar sobre os livros sapienciais e ambos entramos em
sintonia, até ouvir um grito: "Os senhores vão entrar ou não? Porque eu
vou fechar a porta". O inconsciente de não querer entrar. São coisas que
não se pode controlar.
Foi muito diferente
da eleição de 2005?
Não. A
dinâmica é a mesma. Esta teve uma votação a mais. Em 2005, foi na primeira
votação da tarde. Nesta, foi na segunda da tarde. Na primeira, já se podia ver
a tendência.
E aqui
quero prestar homenagem a um grande amigo, o cardeal [Cláudio] Hummes, que
estava sentado atrás de mim e veio até mim na primeira votação e me disse:
"Não tenha medo, é assim que o Espírito Santo age". Até me emociono
porque ele morreu há pouco tempo e eu gostava muito dele. E quando fui eleito
na segunda votação - alcancei a marca dos dois terços e a contagem continuava,
todos estavam aplaudindo enquanto a contagem continuava -, ele se levantou, me
abraçou e me disse "Não se esqueça dos pobres". Isto me toca. Um
grande homem, Hummes, um grande homem. Um grande homem. Ele morreu há alguns
meses. Silencioso, porém, ele estava marcando o caminho. Bem, os pobres, o que
eu sei: São Francisco. Francisco, ponto. Então quando o cardeal [Giovanni
Battista] Re me perguntou "Que nome quer dar a si mesmo?", eu disse
"Francisco", ponto.
Muitas pessoas que o
conhecem há anos às vezes me dizem que o senhor parece muito mais feliz do que
antes, desde que se tornou Papa. O senhor sente isso?
Sempre
estive contente com meu ministério, mesmo nos momentos difíceis, de
dificuldades que tive, porque tive que resolver problemas bastante espinhosos,
ou ajudar a resolvê-los. Mas nada jamais me tirou minha paz interior. Essa
felicidade. E se vê que as pessoas olham mais para mim agora, mas eu sempre fui
assim. Acho que não mudei aqui. Tenho um pouco de saudade de Buenos Aires
porque não posso andar pelas ruas como fazia lá. Mas eu não saberia como
quantificar a tranquilidade, a paz, a alegria interior que eu tenho. Para mim é
sempre a mesma coisa.
É verdade que o
senhor não usa telefone celular?
Eu nunca
usei.
Nunca?
Quando me
fizeram bispo, me deram um, em 92. Na época era um tijolo. Eu disse:
"Nunca vou usar isto". "Bem, faça um telefonema. Na frente da
pessoa que me presenteou, liguei para minha irmã: "Como você está?"
Bum, desliguei! Eu o devolvi. E nunca mais.
Isso me dá
uma grande liberdade. Porque eu me inteiro sobre tudo: tem meu número de
telefone ou deixa a [mensagem] e eu ligo de volta. Em outras palavras, para mim
não é um impedimento. É claro, reconheço que meus secretários têm celular.
Isso significa que o
senhor não vê Twitter, Instagram, Facebook.
Não, não
esse mundo.
Mas alguém lhe diz.
Sim, sim,
eu me mantenho atualizado. E escrevo à mão.
Como é isso?
Quando eu
estava estudando na Alemanha comprei uma máquina de escrever em uma dessas
Angebot [vendas de garagem] que os alemães têm, por 45 marcos. Eles se livram
de tudo o que podem nas sextas-feiras. E eu gostei dela, era [com] uma linha de
memória. Levei-a para Buenos Aires quando voltei e a usei até vir para cá, e
foi lá que ela ficou. E então voltei a escrver à mão.
E como envia um
e-mail?
À mão.
Porém, o entrega a
alguém.
E eu o
entrego ao secretário e ele o envia. Sim, tudo à mão. Não quero dizer que é
melhor do que o outro modo, não. É um limite que eu tenho, uma incapacidade,
digamos.
Quando foi a última
vez que o senhor tirou férias?
Em [o ano]
75. Vejamos, se não me engano... Sim. [No ano] 76 Isabel [Perón] caiu, não foi?
Sim, em 24 de março.
Aí se
estava falando que havia um golpe militar em 76, e em 75, em Mar del Plata... A
comunidade tinha uma casa em Mar del Plata e eu fui lá. Em 76 eu disse:
"Olha, fala-se de um golpe, eu não quero deixar isso sozinho". Eu era
provincial na época. "Vão embora". Ademais, eu estava preparando a
mudança da Cúria Provincial para San Miguel. E isso aconteceu no dia 24 de
março, a mudança. E eu fiquei em casa. E foi aí que senti o gosto por um tipo
diferente de férias. Ler mais, ouvir música, rezar mais, descansar mais. E
acabei gostando desse estilo. E é o que sempre repito.
Santo Padre, o senhor
reza em algum momento em particular? Em seu quarto, na capela? Onde reza?
Pela manhã
cedo celebro a missa, se não tiver missa fora. Às seis horas da manhã, celebro
missa. Antes disso, rezo um pouco, e depois também rezo. Levanto às quatro
horas, às cinco horas já estou rezando em meu quarto; às 5h50 vou à capela e lá
celebro a missa. Geralmente sozinho ou com um padre que vem e me acompanha, e
ele me ajuda; quando há outro padre, ele me ajuda. E então o dia começa.
As três últimas perguntas
da entrevista têm a ver com a América Latina. A primeira diz respeito à
Venezuela. O relatório Bachelet da ONU fala sobre violações, choques elétricos,
prisioneiros políticos, desaparecimentos forçados de pessoas. Isso me lembrou a
noite sombria que a Argentina atravessou com a ditadura militar, porém, 40 anos
depois. O senhor vê alguma luz de esperança de que o regime na Venezuela possa
mudar?
Penso que
sim. Penso que sim, porque são as circunstâncias históricas que forçarão a
mudar a forma de diálogo que têm. Eu penso que sim. Ou seja, eu nunca fecho a
porta para possíveis soluções. Pelo contrário, eu as incentivo.
A segunda tem a ver
com a Nicarágua. No início, parecia que só tomava de mira a oposição ou aqueles
que pensavam diferente; de fato, acaba de expulsar 222 adversários para o
exílio. Mas também vejo um ataque muito forte contra a Igreja católica.
Expulsaram o núncio, agora estão proibindo as procissões da Semana Santa. E
[há] uma frase do mandatário dizendo [que] "os bispos, os padres, os papas,
são uma máfia". O que o senhor pensa disto?
Com muito
respeito, não me resta que pensar em um desequilíbrio da pessoa que lidera
[Daniel Ortega]. Lá temos um bispo na prisão, um homem muito sério, muito
capaz. Ele quis dar seu testemunho e não aceitou o exílio. É algo que está fora
do que estamos vivendo, é como trazer a ditadura comunista de 1917 ou a
ditadura de Hitler de 1935, trazendo as mesmas aqui... São um tipo de ditadura
grosseira. Ou, para usar uma bela distinção da Argentina, guarangas. Guarangas.
A última acerca da
América Latina é sobre o tráfico de drogas. Tomou conta de estados, penetrou
governos do México até o sul. A Argentina está passando por algo horrível em
Rosário, e talvez em outras partes que não têm tanta imprensa ou publicidade.
Há diferentes escolas de pensamento que veem a descriminalização ou legalização
do consumo como uma solução possível - e digo possível porque é um tema que
desconheço. O senhor acredita nisso?
Não, em
princípio, não acredito. Para dizer a verdade, ainda não aprofundei muito sobre
o assunto. Mas parece-me que é como, vou dar um exemplo guarango, de mãos. Com
o filho que bate na mãe e, para resolver o problema vamos mudar o chicote, para
que não seja tão prejudicial e vamos dar-lhe um chicote mais suave. Estas são
coisas de destruição. O problema das drogas é a destruição da pessoa, da
mentalidade. A pessoa se destroi a si mesma. É autodestruição.
Santo Padre, ainda
duas últimas perguntas. A primeira é muito humana: se chora algumas vezes e, se
chora, quando foi a última vez que lembra ter chorado?
Sim, de
vez em quando eu choro às escondidas. Uma vez em público eu não consegui me
conter, foi por causa da guerra: eu estava fazendo um discurso e me veio, e eu
não consegui me conter. Mas às escondidas. Que os psiquiatras interpretem
[risos], eu não me interpreto. Às vezes tenho este tipo de expressão sozinho.
Eu vi a final da
Copa. Não estou vivendo na Argentina, estou vivendo nos EUA, mas viajei
especialmente porque queria ver, se a Argentina ganhasse, esse festejo. E foi
um momento maravilhoso de catarse em uma sociedade muito sofredora. Quando falo
com amigos, às vezes ouço - e muitas pessoas dizem - [que] algo semelhante
poderia acontecer se o Papa Francisco visitasse a Argentina. O senhor pensa
nisso, sonha com isso? Será que teremos essa possibilidade?
Pensei.
Pensei sobre isso. Estava planejado para dezembro de 2017. E se iria primeiro
ao Chile, depois à Argentina e ao Uruguai. Esse era o plano, mas o que
aconteceu? Que [Michelle] Bachelet estava terminando seu governo e as eleições
estavam precisamente em torno dessa época. Então tivemos que mudar o Chile para
dezembro e depois ir para a Argentina e o Uruguai em janeiro. Em janeiro você
não consegue encontrar nem o gato, viu? Então, o programa foi mudado e fizemos
o Chile e o Peru. E a Argentina e o Uruguai foram deixados para depois. E esse
depois é o que estamos esperando [da] conjuntura. Não há recusa de ir. Não, de
forma alguma. A viagem esteve planejada. Estou aberto a essa oportunidade.
Do que isso dependeria?
Milhares
de fatores. Milhares de fatores.
Posso pedir dois ou
três?
Primeiro,
a vontade de eu ir. Creio que isso exista. Em segundo lugar, a conjuntura
sociopolítica. Às vezes, a visita de um Papa pode ser usada, em todos os
lugares. Ela não deve ser usada nem para um lado nem para o outro.
Poderia realizar-se
depois de uma eleição.
Poderia
ser. Depois de uma eleição, certamente sim. É por isso que em tempo de eleição
não se faz viagens a países, para evitar que a presença seja usada pelo partido
no poder para reeleição ou algo parecido. Eu quero ir à Argentina. Quero.
Porém..
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