Papa Francisco. Foto: Marina Testino
/ ACI Prensa
Vaticano, 18 Dez. 18 / 08:09 am (ACI).- O Vaticano divulgou
nesta terça-feira, 18 de dezembro, a mensagem do Papa Francisco por ocasião do
Dia Mundial da Paz, que será celebrado em 1º de janeiro de 2019, com o tema “A
boa política está ao serviço da paz”.
Na mensagem, o Santo Padre afirmou
que “a política é um meio fundamental para construir a cidadania e as obras do
homem, mas, quando aqueles que a exercem não a vivem como serviço à
coletividade humana, pode tornar-se instrumento de opressão, marginalização e
até destruição”.
A seguir, o texto completo da
mensagem do Papa Francisco:
1. «A paz esteja nesta casa!»
Jesus, ao enviar em missão os seus
discípulos, disse-lhes: «Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: “A
paz esteja nesta casa!” E, se lá houver um homem de paz, sobre ele repousará a
vossa paz; se não, voltará para vós» (Lc 10, 5-6).
Oferecer a paz está no coração da
missão dos discípulos de Cristo. E esta oferta é feita a todos os homens e
mulheres que, no meio dos dramas e violências da história humana, esperam na
paz. A «casa», de que fala Jesus, é cada família, cada comunidade, cada país,
cada continente, na sua singularidade e história; antes de mais nada, é cada
pessoa, sem distinção nem discriminação alguma. E é também a nossa «casa
comum»: o planeta onde Deus nos colocou a morar e do qual somos chamados a
cuidar com solicitude.
Eis, pois, os meus votos no início do
novo ano: «A paz esteja nesta casa!»
2. O desafio da boa política
A paz parece-se com a esperança de
que fala o poeta Carlos Péguy; é como uma flor frágil, que procura desabrochar
por entre as pedras da violência. Como sabemos, a busca do poder a todo o custo
leva a abusos e injustiças. A política é um meio fundamental para construir a
cidadania e as obras do homem, mas, quando aqueles que a exercem não a vivem
como serviço à coletividade humana, pode tornar-se instrumento de opressão,
marginalização e até destruição.
«Se alguém quiser ser o primeiro –
diz Jesus – há de ser o último de todos e o servo de todos» (Mc 9, 35). Como
assinalava o Papa São Paulo VI, «tomar a sério a política, nos seus diversos
níveis – local, regional, nacional e mundial – é afirmar o dever do homem, de
todos os homens, de reconhecerem a realidade concreta e o valor da liberdade de
escolha que lhes é proporcionada, para procurarem realizar juntos o bem da
cidade, da nação e da humanidade».
Com efeito, a função e a
responsabilidade política constituem um desafio permanente para todos aqueles
que recebem o mandato de servir o seu país, proteger as pessoas que habitam
nele e trabalhar para criar as condições dum futuro digno e justo. Se for
implementada no respeito fundamental pela vida, a liberdade e a
dignidade das pessoas, a política pode tornar-se verdadeiramente uma forma
eminente de caridade.
3. Caridade e virtudes humanas para
uma política ao serviço dos direitos humanos e da paz
O Papa Bento XVI recordava
que «todo o cristão é chamado a esta caridade, conforme a sua vocação e segundo
as possibilidades que tem de incidência na pólis. (…) Quando o empenho pelo bem
comum é animado pela caridade, tem uma valência superior à do empenho
simplesmente secular e político. (…) A ação do homem sobre a terra, quando é
inspirada e sustentada pela caridade, contribui para a edificação daquela cidade
universal de Deus que é a meta para onde caminha a história da família humana».
Trata-se de um programa no qual se podem reconhecer todos os políticos, de
qualquer afiliação cultural ou religiosa, que desejam trabalhar juntos para o
bem da família humana, praticando as virtudes humanas que subjazem a uma boa
ação política: a justiça, a equidade, o respeito mútuo, a sinceridade, a
honestidade, a fidelidade.
A propósito, vale a pena recordar as
«bem-aventuranças do político», propostas por uma testemunha fiel do Evangelho,
o Cardeal vietnamita Francisco Xavier Nguyen Van Thuan, falecido em 2002:
Bem-aventurado o político que tem uma
alta noção e uma profunda consciência do seu papel.
Bem-aventurado o político de cuja pessoa irradia a credibilidade.
Bem-aventurado o político que trabalha para o bem comum e não para os próprios interesses.
Bem-aventurado o político que permanece fielmente coerente.
Bem-aventurado o político que realiza a unidade.
Bem-aventurado o político que está comprometido na realização duma mudança radical.
Bem-aventurado o político que sabe escutar.
Bem-aventurado o político que não tem medo.
Bem-aventurado o político de cuja pessoa irradia a credibilidade.
Bem-aventurado o político que trabalha para o bem comum e não para os próprios interesses.
Bem-aventurado o político que permanece fielmente coerente.
Bem-aventurado o político que realiza a unidade.
Bem-aventurado o político que está comprometido na realização duma mudança radical.
Bem-aventurado o político que sabe escutar.
Bem-aventurado o político que não tem medo.
Cada renovação nos cargos eletivos,
cada período eleitoral, cada etapa da vida pública constitui uma oportunidade
para voltar à fonte e às referências que inspiram a justiça e o direito. Duma
coisa temos a certeza: a boa política está ao serviço da paz; respeita e
promove os direitos humanos fundamentais, que são igualmente deveres
recíprocos, para que se teça um vínculo de confiança e gratidão entre as gerações
do presente e as futuras.
4. Os vícios da política
A par das virtudes, não faltam
infelizmente os vícios, mesmo na política, devidos quer à inépcia pessoal quer
às distorções no meio ambiente e nas instituições. Para todos, está claro que
os vícios da vida política tiram credibilidade aos sistemas dentro dos quais
ela se realiza, bem como à autoridade, às decisões e à ação das pessoas que se
lhe dedicam. Estes vícios, que enfraquecem o ideal duma vida democrática
autêntica, são a vergonha da vida pública e colocam em perigo a paz social: a
corrupção – nas suas múltiplas formas de apropriação indevida dos bens públicos
ou de instrumentalização das pessoas –, a negação do direito, a falta de
respeito pelas regras comunitárias, o enriquecimento ilegal, a justificação do
poder pela força ou com o pretexto arbitrário da «razão de Estado», a tendência
a perpetuar-se no poder, a xenofobia e o racismo, a recusa a cuidar da Terra, a
exploração ilimitada dos recursos naturais em razão do lucro imediato, o desprezo
daqueles que foram forçados ao exílio.
5. A boa política promove a
participação dos jovens e a confiança no outro
Quando o exercício do poder político
visa apenas salvaguardar os interesses de certos indivíduos privilegiados, o
futuro fica comprometido e os jovens podem ser tentados pela desconfiança, por
se verem condenados a permanecer à margem da sociedade, sem possibilidades de
participar num projeto para o futuro. Pelo contrário, quando a política se
traduz, concretamente, no encorajamento dos talentos juvenis e das vocações que
requerem a sua realização, a paz propaga-se nas consciências e nos rostos.
Torna-se uma confiança dinâmica, que significa «fio-me de ti e creio contigo»
na possibilidade de trabalharmos juntos pelo bem comum. Por isso, a política é
a favor da paz, se se expressa no reconhecimento dos carismas e capacidades de
cada pessoa. «Que há de mais belo que uma mão estendida? Esta foi querida por
Deus para dar e receber. Deus não a quis para matar (cf. Gn 4, 1-16) ou fazer
sofrer, mas para cuidar e ajudar a viver. Juntamente com o coração e a
inteligência, pode, também a mão, tornar-se um instrumento de diálogo».
Cada um pode contribuir com a própria
pedra para a construção da casa comum. A vida política autêntica, que se funda
no direito e num diálogo leal entre os sujeitos, renova-se com a convicção de
que cada mulher, cada homem e cada geração encerram em si uma promessa que pode
irradiar novas energias relacionais, intelectuais, culturais e espirituais. Uma
tal confiança nunca é fácil de viver, porque as relações humanas são complexas.
Nestes tempos, em particular, vivemos num clima de desconfiança que está
enraizada no medo do outro ou do forasteiro, na ansiedade pela perda das
próprias vantagens, e manifesta-se também, infelizmente, a nível político
mediante atitudes de fechamento ou nacionalismos que colocam em questão aquela
fraternidade de que o nosso mundo globalizado tanto precisa. Hoje, mais do que
nunca, as nossas sociedades necessitam de «artesãos da paz» que possam ser autênticos
mensageiros e testemunhas de Deus Pai, que quer o bem e a felicidade da família
humana.
6. Não à guerra nem à estratégia do
medo
Cem anos depois do fim da I Guerra
Mundial, ao recordarmos os jovens mortos durante aqueles combates e as
populações civis dilaceradas, experimentamos – hoje, ainda mais que ontem – a
terrível lição das guerras fratricidas, isto é, que a paz não pode jamais
reduzir-se ao mero equilíbrio das forças e do medo. Manter o outro sob ameaça
significa reduzi-lo ao estado de objeto e negar a sua dignidade. Por esta
razão, reiteramos que a escalada em termos de intimidação, bem como a
proliferação descontrolada das armas são contrárias à moral e à busca duma
verdadeira concórdia. O terror exercido sobre as pessoas mais vulneráveis contribui
para o exílio de populações inteiras à procura duma terra de paz. Não são
sustentáveis os discursos políticos que tendem a acusar os migrantes de todos
os males e a privar os pobres da esperança. Ao contrário, deve-se reafirmar que
a paz se baseia no respeito por toda a pessoa, independentemente da sua
história, no respeito pelo direito e o bem comum, pela criação que nos foi
confiada e pela riqueza moral transmitida pelas gerações passadas.
O nosso pensamento detém-se, ainda e
de modo particular, nas crianças que vivem nas zonas atuais de conflito e em
todos aqueles que se esforçam por que a sua vida e os seus direitos sejam
protegidos. No mundo, uma em cada seis crianças sofre com a violência da guerra
ou pelas suas consequências, quando não é requisitada para se tornar, ela
própria, soldado ou refém dos grupos armados. O testemunho daqueles que
trabalham para defender a dignidade e o respeito das crianças é extremamente
precioso para o futuro da humanidade.
7. Um grande projeto de paz
Celebra-se, nestes dias, o
septuagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada
após a II Guerra Mundial. A este respeito, recordemos a observação do Papa São
João XXIII: «Quando numa pessoa surge a consciência dos próprios direitos, nela
nascerá forçosamente a consciência do dever: no titular de direitos, o dever de
reclamar esses direitos, como expressão da sua dignidade; nos demais, o dever
de reconhecer e respeitar tais direitos».
Com efeito, a paz é fruto dum grande
projeto político, que se baseia na responsabilidade mútua e na interdependência
dos seres humanos. Mas é também um desafio que requer ser abraçado dia após
dia. A paz é uma conversão do coração e da alma, sendo fácil reconhecer três
dimensões indissociáveis desta paz interior e comunitária:
- a paz consigo mesmo, rejeitando a
intransigência, a ira e a impaciência e – como aconselhava São Francisco de
Sales – cultivando «um pouco de doçura para consigo mesmo», a fim de oferecer
«um pouco de doçura aos outros»;
- a paz com o outro: o familiar, o
amigo, o estrangeiro, o pobre, o atribulado..., tendo a ousadia do encontro,
para ouvir a mensagem que traz consigo;
- a paz com a criação, descobrindo a
grandeza do dom de Deus e a parte de responsabilidade que compete a cada um de
nós, como habitante deste mundo, cidadão e ator do futuro.
A política da paz, que conhece bem as
fragilidades humanas e delas se ocupa, pode sempre inspirar-se ao espírito do
Magnificat que Maria, Mãe de Cristo Salvador e Rainha da Paz, canta em nome de
todos os homens: A «misericórdia [do Todo-Poderoso] estende-se de geração em
geração sobre aqueles que O temem. Manifestou o poder do seu braço e dispersou
os soberbos. Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes (...),
lembrado da sua misericórdia, como tinha prometido a nossos pais, a Abraão e à
sua descendência, para sempre» (Lc 1, 50-55).
Fonte:
ACI Digital
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