sábado, 28 de fevereiro de 2009

FRATERNIDADE E SEGURANÇA PÚBLICA




Não é preciso pensar muito para compreender por que a Igreja no Brasil escolheu como tema da Campanha da Fraternidade deste ano a questão da segurança pública. Basta acompanhar um pouco os noticiários de rádio e TV, ou a imprensa escrita. As notícias sobre atos e situações de violência estão na ordem do dia. E não é simplesmente por que os meios de comunicação social colocam demasiada ênfase nas notícias sobre fatos de violência: esses fatos existem mesmo em abundância!
É violência contra a pessoa, sua integridade física e moral, sua dignidade e seus direitos fundamentais, contra a sua vida... É a violência diária das situações de injustiça não superadas, e que pesam sobretudo sobre camadas sociais e pessoas indefesas... A violência acaba se tornando corriqueira e nem mais chama a atenção, a não ser que venha acompanhada de algum detalhe especialmente repugnante. Vai se ficando indiferente diante da violência, que vai sendo absorvida como uma componente da cultura. E as pessoas defendem-se como podem, levantando muros, colocando alarmes, contratando seguranças, comprando armas.
Atrás desta busca de autodefesa vai se definindo uma situação especialmente grave: a violência como um fato normal e parte do dia a dia; é a aceitação inconsciente da cultura da violência. Não se confia no Estado e nas instituições de segurança, sobretudo diante da fragilidade e ineficiência dessas instituições para combater a violência, sem impor violência ainda maior. A segurança pública é um direito do cidadão e um dever do Estado. Porém, não só do Estado, mas também dos cidadãos. Evidentemente, o respeito às leis faz parte desse dever de cidadania. Mas a lei, por si só, não resolve; há tanta lei boa que não é observada. É preciso ir à raiz do problema, que é a perda do valor da pessoa e a busca da vantagem acima de tudo. Se o ser humano, como pessoa, não vale mais nada ou só conta enquanto traz vantagem para alguém, todos os direitos referidos à pessoa se perdem.
A questão da violência tem um componente importante, que não pode ser esquecido e que o lema da Campanha da Fraternidade deste ano evidencia profeticamente: a paz é fruto da justiça (cf Is 32,17). Não pode haver paz social e nas relações entre as pessoas sem a prática da justiça; e assim também nas relações entre os povos. A injustiça é sempre uma violência contra os direitos da pessoa ou dos povos; por isso, a superação das injustiças é condição para que haja paz verdadeira.
A Igreja, porém, vai ainda além disso e ensina que o mero cumprimento da justiça ainda não é suficiente para cultivar a paz. Esta também é fruto do arrependimento das culpas, do perdão dado e recebido e da reparação das ofensas. E mais: ela é assegurada nas atitudes fraternas e solidárias, que vão além da medida estrita da justiça e já são expressão do coração que se alarga para amar e acolher o próximo.
Por isso, a proposta da Campanha da Fraternidade é feita no período da Quaresma e vem unida ao chamado à penitência e à conversão. É necessário mudar atitudes e hábitos violentos, como a prepotência e a soberba nas relações humanas. A cultura da paz precisa ser difundida e alimentada, sem ceder à tentação das soluções violentas para os conflitos. A paz é cultivada no respeito e na benevolência nas relações humanas; e também no reconhecimento e na afirmação da dignidade de cada ser humano, desde o primeiro instante de sua existência até o final de sua vida. Evidentemente, a paz é também um fato social e político e requer o empenho de todos para que se mantenham as condições sociais, políticas e econômicas de sua afirmação.
A Quaresma, iniciada com a 4ª. feira de cinzas, é o caminho de preparação à Páscoa, para celebrar a vida nova que o Cristo ressuscitado nos comunica; neste itinerário de preparação, somos convidados a rever a vida, a fazer penitência e a nos convertermos sempre mais ao caminho de Cristo e do Evangelho. “Convertei-vos e crede no Evangelho”, eis o anúncio e a ordem de Cristo, que nos deve orientar e motivar neste período. Cabe também a reflexão sobre a violência presente, talvez, na convivência familiar, nas relações profissionais e de trabalho e no cultivo do lazer. Não podemos aceitar, indiferentes, a violência pequena do dia a dia, como se fosse “normal”. Não somos feitos para a violência, mas para a paz e para a mútua edificação.



Arcebispo de São Paulo
Artigo publicado em O SÃO PAULO na ed. de 24.02.2009
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