Com a graça
de Deus iniciamos este tempo especial de Quaresma em preparação para a
celebração da Páscoa do Senhor, e nesse caminho somos convidados a deixar
morrer o homem velho que há em nós e a ressurgir, com Cristo, o homem novo
renascido pela graça do Espírito Santo (Ef 4,22). Como recorda, já no I século,
São Clemente de Roma: “em cada geração o Senhor concedeu um tempo favorável de
penitência a todos os que a ele quiserem se converter” (Carta aos Coríntios 7).
A mãe Igreja nos oferece os elementos para nosso itinerário quaresmal; e já os
podemos encontrar na liturgia da Quarta-feira de Cinzas. Na oração inicial da
Missa de Cinzas, pela boca do sacerdote a Igreja reza: “Concedei-nos, ó Deus
todo-poderoso, iniciar com este dia de jejum o tempo da Quaresma, para que a
penitência nos fortaleça no combate contra o espírito do mal”. Desta oração
colhemos a primeira arma da espiritualidade quaresmal: o jejum – reconhecido
como sinal de penitência e de fortalecimento na luta contra o espírito do mal.
Jesus já havia falado sobre esse assunto com os seus discípulos ao ser
perguntado sobre uma dificuldade que eles tiveram em expulsar um demônio:
“Quanto a esta espécie de demônio, só se pode expulsar à força de oração e de
jejum” (Mt 17, 21). A exortação é clara e límpida: só com oração e jejum. E
para que servem os sacrifícios, especialmente esse de jejuar? A Igreja continua
nos ajudando a entender. Ainda na Quarta-feira de Cinzas, na oração que o
sacerdote faz sobre a oferta do pão e do vinho está escrito: “Oferecendo-vos
este sacrifício no começo da Quaresma, nós vos suplicamos, ó Deus, a graça de
dominar nossos maus desejos pelas obras de penitência e caridade, para que,
purificados de nossas faltas, celebremos com fervor a paixão do vosso Filho”. Ao
escutarmos essa oração pensamos, imediatamente, no sacrifício da Santa Missa,
mas também podemos pensar no sacrifício das nossas vidas, que com o pão e o
vinho ofertamos no altar de Deus. Em sua I Carta, São Pedro exorta: “e quais
outras pedras vivas, vós também vos tornais os materiais deste edifício
espiritual, um sacerdócio santo, para oferecer vítimas espirituais, agradáveis
a Deus, por Jesus Cristo” (I Pd 2, 5). Ofertamos o sacrifício do nosso jejum e
pedimos a Deus a graça de dominar os maus desejos – eis aí um dos frutos de um
jejum feito na oração e na comunhão com o Senhor: o domínio de nós mesmos, de
nosso instintos e de nossas vontades desmedidas. Saímos do centro, para dar
lugar ao Senhor e à sua Vontade. O jejum que fazemos deve nos recordar que não
somos autossuficientes, que não nos bastamos a nós mesmos; lembra-nos de que
somos necessitados, que em algum momento da vida sentimos falta de algo – seja
do alimento material sejam de outras coisas (que podemos eleger para também
jejuar nesse período quaresmal). O Papa São Leão Magno exortava os fieis ao
jejum, especialmente nesses quarenta dias de Quaresma, dizendo que o jejum não
deveria ser “somente reduzindo os alimentos, mas sobretudo abstendo-se do
pecado” (Sermão 6 de Quadragesima). As cinzas que recebemos na celebração que
abre a Quaresma dá-nos o tom daquilo que devemos, espiritualmente, buscar nesse
tempo de graça, como está em uma das orações de bênção das cinzas, e que a
Igreja reza: “Deus de infinita bondade, que não desejais a morte do pecador mas
a sua conversão, ouvi misericordiosamente as nossas súplicas e dignai-Vos
abençoar + estas cinzas que vamos impor sobre as nossas cabeças, para que,
reconhecendo que somos pó da terra e à terra havemos de voltar, alcancemos,
pelo fervor da observância quaresmal, o perdão dos pecados e uma vida nova à
imagem do vosso Filho ressuscitado, Nosso Senhor Jesus Cristo, que é Deus
convosco na unidade do Espírito Santo”. Um segundo fruto do jejum, e das demais
práticas ascéticas da Quaresma, é saber quem e o que somos: pó da terra –
feitos do barro (Gn 2,7). Reconhecer que somos filhos de Deus, mas reconhecer
ao mesmo tempo que somos frágeis, somos quebradiços, e devemos ter cuidado com
a nossa vida e com a vida dos nossos irmãos. Tomar consciência de que nossa
vida aqui, no espaço e no tempo não será eterna, mas se eternizará depois
daqui. Ora, se nossa vida se eternizará depois daqui, cabe-nos perguntar: aonde
ela será eterna? Será eterna em Deus, no Outro por excelência. São Paulo nos
diz: “Hoje vemos como por um espelho, confusamente; mas então veremos face a
face. Hoje conheço em parte; mas então conhecerei totalmente, como eu sou
conhecido” (1 Cor 13,12) e São João, evangelista: “Caríssimos, desde agora
somos filhos de Deus, mas não se manifestou ainda o que havemos de ser. Sabemos
que, quando isso se manifestar, seremos semelhantes a Deus, porquanto o veremos
como ele é” (1 Jo 3,2). Nosso Senhor, com o imenso desejo de nos salvar e de
ver nossas vidas imersas na sua própria vida, dá-nos os meios necessários para
nossa conversão, para que possamos nos assemelhar a Ele cada vez mais. Lembrava
Bento XVI que o jejum “é o sinal externo de uma realidade interior, do nosso
compromisso, com a ajuda de Deus, de nos abstermos do mal e de vivermos do
Evangelho” (Audiência Geral, 09/03/2011). O terceiro fruto das nossas
penitências quaresmais deveria ser exatamente isso: chegarmos a uma vida nova à
imagem de Cristo Ressuscitado, sermos um com Ele – nas palavras, nas ações, no
contato com o Pai. Ele mesmo nos ensina a viver as práticas quaresmais, como
veremos no Evangelho do I Domingo de Quaresma, ao vencer as tentações no
deserto (prazer – ter – ser), ao vencer o espírito do mal. Façamos, então, os
esforços necessários para a santificação da nossa vida e da vida daqueles com
quem convivemos; encaremos todos os meios de mortificação que a Igreja nos
oferece como boa medicina divina para nossa saúde física, mental e espiritual,
como rezamos na oração depois da Comunhão, da Missa de Cinzas: “Ó Deus, fazei
que sejamos ajudados pelo sacramento que acabamos de receber, para que o jejum
de hoje vos seja agradável e nos sirva de remédio”.
Pe. Rafhael Silva Maciel Padre da
Arquidiocese de Fortaleza Missionário da Misericórdia
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