Foto referencial (Jeffrey Bruno ACI Prensa)
ROMA, 14 Nov. 16 / 11:11 am (ACI).- No dia 19 de
setembro, 4 cardeaisescreveram
ao Papa Francisco uma carta na qual pedem que esclareça 5 pontos da exortação
apostólica Amoris Laetitia sobre o amor na família.
A carta, assinalam os cardeais,
“nasce de uma profunda preocupação pastoral” e após encontrar “um grave
desconcerto em muitos fiéis e uma grande confusão a respeito de questões muito
importantes para a vida da Igreja”.
A missiva, divulgada nesta
segunda-feira, 14 de novembro, pelo vaticanista italiano Sandro Magister através
do seu site, é assinada por dois cardeais alemães, Walter Brandmüller e Joachim
Meisner; o italiano Carlo Cafarra; e norte-americano Raymond Burke.
Os purpurados referem que escreveram
ao Papa e ao Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o Cardeal alemão
Gerhard Müller, em um ato que consideram “de justiça e caridade”, de acordo com
o direito canônico e em conformidade com a missão cardinalícia de colaborar com
o ministério petrino.
Os cardeais indicam que “o Santo
Padre decidiu não responder” à carta e, por isso, interpretam “esta sua decisão
soberana como um convite a continuar a reflexão e a discussão serena e
respeitosamente”.
“É por isso que informamos sobre
nossa iniciativa a todo o povo de Deus, oferecendo toda a documentação”,
acrescentam.
Os cardeais pedem, então, que
“ninguém interprete o fato segundo o esquema ‘progressistas-conservadores’:
seria uma completa má interpretação. Estamos profundamente preocupados pelo
verdadeiro bem das almas, suprema lei da Igreja, e não por fazer progredir na
Igreja qualquer forma de política”.
Do mesmo modo, assinalam, “é nosso
desejo que ninguém nos julgue, injustamente, como adversários do Santo Padre e
como pessoas sem misericórdia. O que fizemos e estamos fazendo nasce do
profundo afeto colegial que nos une ao Papa e da apaixonada preocupação pelo
bem dos fiéis”.
Na carta que os cardeais escreveram
ao Papa Francisco, enumeram alguns dos problemas surgidos após as
interpretações “não somente divergentes, mas também contraditórias, sobretudo,
por causa do capítulo VIII (da Amoris Laetitia). Além disso, os meios de
comunicação enfatizaram esta disputa, provocando incerteza, confusão e alarme
entre muito fiéis”.
“Com profundo respeito, permitimo-nos
pedir-lhe, Santo Padre, como supremo Mestre da Fé chamado pelo Ressuscitado a
confirmar aos seus irmãos na fé, que dirima as incertezas e esclareça, dando
benevolamente resposta às ‘Dúvidas’ que nos permitimos anexar à presente”,
indicam.
As 5 dúvidas
Os cardeais chamam de “dúvidas” os
assuntos que suscitam e indicam que se referem ao capítulo oitavo da exortação
apostólica Amoris Laetitia, especificamente dos parágrafos 300 ao 305. São
apresentadas para ser respondidas com um “sim” ou um “não”.
Os purpurados assinalam que “para
muitos – bispos,
párocos, fiéis –, esses parágrafos aludem, ou também ensinam explicitamente,
uma mudança na disciplina da Igreja com relação aos divorciados que vivem uma
nova união, enquanto outros, admitindo a falta de clareza ou ainda a
ambiguidade das passagens em questão, argumentam, entretanto, que essas mesmas
páginas podem ser lidas em continuidade com o magistério precedente e não
contém uma modificação na prática e no ensinamento da Igreja”.
1. Sobre a nota de rodapé número 351
do parágrafo 305
Esta é a pergunta que leva a
explicação mais extensa e questiona se pode conceder a absolvição na confissão
e admitir a comunhão eucarística aos divorciados em nova união.
“A nota de 351 – indicam os cardeais
–, enquanto fala especificamente dos sacramentosda
penitência e da comunhão, não menciona neste contexto os divorciados recasados
civilmente, nem sequer no texto principal”.
O parágrafo 305 da Amoris Laetitia
assinala que “por causa dos condicionalismos ou dos fatores atenuantes, é
possível que uma pessoa, no meio duma situação objetiva de pecado – mas
subjetivamente não seja culpável ou não o seja plenamente –, possa viver em
graça de Deus, possa amar e possa também crescer na vida de graça e de
caridade, recebendo para isso a ajuda da Igreja [351]”.
A nota de rodapé 351 assinala que “em
certos casos, poderia haver também a ajuda dos sacramentos”.
Em sua carta ao Papa Francisco, os 4
cardeais recordam os ensinamentos da exortação apostólica Familiaris Consortio
de São João Paulo II, especificamente o numeral 84, no qual já se contemplava a
possibilidade de admitir os sacramentos aos divorciados em nova união, segundo
três condições:
- As pessoas interessadas não podem
se separar sem cometer uma nova injustiça (por exemplo, poderiam ser
responsável pela educação de seus filhos);
- Assumem o compromisso de viver
segundo a verdade da sua situação, deixando de viver juntos como se fossem
marido e mulher (“more uxorio”) e abstendo-se dos atos que são próprios dos
cônjuges;
- Evitam dar escândalo (ou seja,
evitam o aparecimento do pecado para evitar o risco de levar outros a pecar).
No entanto, prosseguem, “parece
que se fosse admitida na comunhão os fiéis que se separaram, ou os divorciados
do cônjuge legítimo que estão em uma nova união na qual vivem como se fossem
marido e mulher, a Igreja ensinaria através desta prática de admissão uma das
seguintes afirmações a respeito do matrimônio, da sexualidade humana e da
natureza dos sacramentos”:
- “Um divórcio não dissolve o vínculo
matrimonial e as pessoas que formam a nova união não estão casadas. Entretanto,
as pessoas que não estão casadas podem, em certas condições, realizar
legitimamente atos de intimidade sexual”.
- “Um divórcio dissolve o
vínculo matrimonial. As pessoas que não estão casadas não podem realizar
legitimamente atos sexuais. Os divorciados recasados são legitimamente esposos
e seus atos sexuais são licitamente atos conjugais”.
- “Um divórcio não dissolve o vínculo
matrimonial e as pessoas que formam a nova união não estão casadas. As pessoas
que não estão casadas não podem realizar atos sexuais. Por isso, os divorciados
recasados civilmente vivem em uma situação de pecado habitual, público,
objetivo e grave”.
No entanto, admitir pessoas à Eucaristia,
ressaltam os cardeais, “não significa para a Igreja aprovar seu estado de vida
público; o fiel pode se aproximar à mesa eucarística também com a consciência
de pecado grave”.
“Para receber a absolvição no
sacramento da Penitência, nem sempre é necessário o propósito de mudar de vida.
Em consequência, os sacramentos se separam da vida: os ritos cristãos e o culto
estão em uma esfera diferente em relação à vida moral cristã”.
2. Sobre o parágrafo 304
A pergunta dos 4 cardeais questiona
se, todavia, é válido o ensinamento da igreja sobre se existem normas morais
absolutas, válidas e sem exceção alguma.
O fundamento deste ensinamento,
explicam os cardeais, está no parágrafo 79 da encíclica Veritatis Splendor (O
Esplendor da Verdade) do Papa João Paulo II, que assinala que é possível
“qualificar como moralmente má segundo a sua espécie (...) a escolha deliberada
de alguns comportamentos ou atos determinados, prescindindo da intenção com que
a escolha é feita ou da totalidade das consequências previsíveis daquele ato
para todas as pessoas interessadas”.
“Segundo a ‘Veritatis Splendor’ –
prosseguem – no caso de ações intrinsicamente más não é necessário nenhum
discernimento das circunstâncias ou das intenções”.
3. Sobre o parágrafo 301
A dúvida se refere a se é possível
afirmar que “uma pessoa que vive habitualmente em contradição com um mandamento
da lei de Deus, como por exemplo o que proíbe o adultério, se encontra em
situação objetiva de pecado grave habitual”.
No parágrafo 301, a exortação
apostólica Amoris Laetitia assinala que “a Igreja possui uma sólida reflexão
sobre os condicionamentos e as circunstâncias atenuantes” e que “já não é
possível dizer que todos os que estão numa situação chamada ‘irregular’ vivem
em estado de pecado mortal, privados da graça santificante”.
A sustentação na pergunta deste
parágrafo, dizem os 4 cardeais, está na declaração de 24 de junho de 2000 do
Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, que assinala que “não sejam
admitidos à sagrada comunhão (... o que) obstinadamente perseverem em pecado
grave manifesto”.
A declaração “afirma que este cânon é
aplicável também aos fiéis divorciados que voltaram a casar civilmente.
Esclarece que o ‘pecado grave’ deve ser compreendido objetivamente, dado que
quem ministra a Eucaristia não tem os meios para julgar a imputabilidade
subjetiva da pessoa”.
4. Sobre o parágrafo 304
A pergunta dos cardeais é se é
possível afirmar se é ainda é válido o ensinamento do Papa João Paulo II no
numeral 81 da Veritatis Splendor, segundo a qual “as circunstâncias ou as
intenções nunca poderão transformar um ato intrinsecamente desonesto pelo seu
objeto, num ato subjetivamente honesto ou defensível como opção”.
O parágrafo 302da exortação Amoris
Laetitia sublinha que “um juízo negativo sobre uma situação objetiva não
implica um juízo sobre a imputabilidade ou a culpabilidade da pessoa
envolvida”.
Por isso, ressaltam os cardeais que
assinam a carta enviada ao Papa em 19 de setembro, “a questão é se Amoris
Laetitia concorda ao dizer que todo ato que transgride os mandamentos de Deus –
como o adultério, o roubo, o falso testemunho – não pode se converter jamais,
consideradas as circunstâncias que mitigam a responsabilidade pessoal, em
desculpável ou até mesmo bom”.
5. Sobre o parágrafo 303
A pergunta que os cardeais
Brandmüller, Meisner, Cafarra e Burke formulam é se é possível afirmar que é
válido o ensinamento de João Paulo II no numeral 56 da encíclica Veritatis
Splendor, “que exclui uma interpretação criativa do papel da consciência e
afirma que esta nunca é autorizada para legitimar exceções às normas morais
absolutas que proíbem ações intrinsecamente más por objeto”.
O numeral 303 da Amoris Laetitia
afirma que a “consciência pode reconhecer não só que uma situação não
corresponde objetivamente à proposta geral do Evangelho, mas reconhecer também,
com sinceridade e honestidade, aquilo que, por agora, é a resposta generosa que
se pode oferecer a Deus”.
Os cardeais assinalam que “para todos
os que propõem a ideia de consciência criativa, os preceitos da lei de Deus e a
norma da consciência individual podem estar em tensão ou também em oposição,
enquanto a consciência, que em última instância decide a respeito do bem e do
mal, deveria ter sempre a palavra final”.
“Segundo Veritatis Splendor n. 56,
‘sobre esta base, pretende-se estabelecer a legitimidade de soluções chamadas
pastorais, contrárias aos ensinamentos do Magistério, e justificar uma
hermenêutica «criadora», segundo a qual a consciência moral não estaria de modo
algum obrigada, em todos os casos, por um preceito negativo particular’. Nessa
perspectiva, nunca será suficiente para a consciência moral saber que ‘isto é
adultério’, ‘isto é homicídio’, para saber se se trata de algo que não pode e
não deve ser feito. Em vez disso, deveria olhar também as circunstâncias e as
intenções para saber se este ato não poderia, afinal, ser desculpável ou até
mesmo obrigatório”.
Para essas teorias, prosseguem, “a
consciência poderia, de fato, decidir legitimamente que, em determinado caso, a
vontade de Deus para mim consiste em um ato no qual eu quebro um de seus
mandamentos. ‘Não cometer adultério’ seria visto apenas como uma regra geral.
Aqui e agora, e dadas as minhas boas intenções, cometer adultério seria o que
Deus requer realmente de mim. Nestes termos, poderia, no mínimo, elaborar
hipóteses de casos de adultério virtuoso, homicídio legal e perjúrio
obrigatório”.
Isto significaria, ressaltam os
purpurados signatários da carta enviada ao Papa, “conceber a consciência como
uma faculdade para decidir autonomamente a respeito do bem e do mal, e a lei de
Deus como uma carga imposta arbitrariamente e que poderia, em determinado
momento, estar em oposição à nossa verdadeira felicidade”.
Mas a consciência, continuam, “não
decide sobre o bem e o mal. A ideia de ‘decisão de consciência’ é enganosa. O
próprio ato da consciência é julgar, não decidir. Ela diz que ‘isso é bom’,
‘isso é ruim’”.
“Esta bondade ou maldade não dependem
dela. A consciência aceita e reconhece a bondade ou a maldade de uma ação e,
para fazer isso, ou seja, para julgar, a consciência necessita de critérios,
depende inteiramente da verdade”.
Nessa linha, destacam, “os
mandamentos de Deus são uma grata ajuda oferecida à consciência para apreender
a verdade e assim julgar segundo a verdade. Os mandamentos de Deus são
expressões da verdade sobre o bem, de nosso ser mais profundo, abrindo algo
crucial em relação a como viver bem”.
Fonte:
ACI Digital
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